A natureza dos precatórios

A natureza dos precatórios

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3 de setembro de 1997, 18h32

A doutrina e a jurisprudência têm abordado, freqüentemente, o tema da execução contra a Fazenda Pública, sem levar em conta a natureza e a origem do crédito que está sendo executado. E isso tem provocado equívocos procedimentais, notadamente quando da satisfação da obrigação.

Ao se analisar as obrigações executadas contra a Fazenda Pública, é necessário, primeiro, identificar as suas origens para, então, se avaliar a aplicação das normas executivas.

Assim, se faz necessário distinguir as obrigações pecuniárias que foram previstas em orçamento (empenhadas) das que não foram incluídas na lei de despesas e custeio público (não empenhadas). E é nisso que a doutrina e a jurisprudência têm, em nossa opinião, incorrido em graves erros interpretativos.

Quando, por exemplo, o Estado contrata mediante prévio processo licitatório, a compra de bens encontra respaldo em lei orçamentária, que prevê a destinação de verbas para esse fim. O Estado, aliás, não pode assumir obrigações sem prévia autorização orçamentária (art. 165, CF/88).

Pode ocorrer, entretanto, do Estado receber os bens adquiridos, mas deixar de pagar pelos mesmos. Neste caso, o credor poderá cobrar judicialmente seu crédito.

Não custa lembrar, por outro lado, que uma obrigação assumida pelo Estado pressupõe seu empenho. Empenho, por sua vez, é justamente o ato emanado da autoridade competente, que cria para o Estado uma obrigação de pagamento, pendente ou não de uma condição (art. 58, Lei 4.320/64), e que deve ter a prévia autorização orçamentária.

Na liquidação de seus débitos pecuniários, é necessário, ainda, que o Estado, através da autoridade competente, ordene o pagamento (arts. 63 e 64 da Lei 4.320/64). E a liquidação dessa obrigação consiste, justamente, na verificação do direito adquirido pelo credor, “tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito ou da habilitação ao benefício” (art. 36, do Dec. 93.872/86). Não quitando sua obrigação, o Estado abre oportunidade para que o credor possa ir a Juízo requerer sua satisfação, que terá, assim, interesse para agir judicialmente.

Ocorrendo, entretanto, da Fazenda Pública não liquidar sua obrigação constante em lei orçamentária no exercício fiscal correspondente, o crédito respectivo é lançado no orçamento do exercício seguinte na conta “Resto a Pagar” e terá validade até 31 de dezembro (art. 68, Dec. 93.872/86). Mas, ainda que não pago neste exercício subseqüente, o crédito – cuja inscrição será cancelada da despesa como ‘Resto a Pagar” – será lançada na conta de dotação destinada a despesas de exercícios anteriores (art. 69, Dec. 93.872/86).

O precatório judicial, por sua vez, tal como previsto na Carta Magna, visa a fazer com que o Estado-devedor inclua no seu orçamento verba necessária ao pagamento de seus débitos decorrentes de sentença judiciária (§ 1º, art. 100, CF/88).

Essa medida, porém, será desnecessária se o valor do débito já está incluído no orçamento, seja a título próprio ou sob a rubrica de “resto a pagar” ou “despesas de exercícios anteriores”.

Por aí se vê, então, que as obrigações assumidas pelo Estado e que já estão locadas no orçamento, desnecessitam de ordem judicial para sua inclusão no mesmo, sob pena de se incidir no bis in idem. É preciso, então, distinguir o que seja obrigação decorrente de sentença judiciária, mas que já esteja empenhada, daquelas obrigações pecuniárias não empenhadas.

Dentre as primeiras encontramos as obrigações decorrentes de inadimplemento contratual, por exemplo. Já entre as demais obrigações – as que não empenhadas – podemos citar aquelas decorrentes de ato ilícito, cuja obrigação pecuniária é acertada judicialmente.

Aqui, então, cumpre dar tratamento diversos nas execuções dessas obrigações.

Nas obrigações não empenhadas, faz-se necessária a expedição do precatório como medida tendente a fazer com que o Estado inclua no orçamento do exercício fiscal seguinte à data do seu recebimento, desde que apresentado até 1º de julho, o crédito respectivo, sob pena de seqüestro nos casos em que ocorrer a preterição (§§ 1º e 2º, do art. 100, da CF/88).

Já nas obrigações empenhadas, outro tratamento deve ser dispensado. Por força do estabelecido no art. 730, do CPC, é necessária a expedição do precatório, para que a obrigação seja paga na ordem de apresentação e “à conta do respectivo crédito” (inciso II, art. 730, CPC).

Observem que a interpretação que se deve dar à expressão final do inciso II, do art. 730 do CPC (“à conta do respectivo crédito” ), é a de que ela se refere à conta orçamentária que prevê a dotação de crédito para pagamento de uma obrigação empenhada, seja a título próprio ou como “resto a pagar” ou “despesas dos exercícios anteriores” .

A rigor, neste caso, permissa venia ou de lege ferenda, não caberia sequer a expedição de precatório, haja vista que a quantia respectiva já foi incluída no orçamento que, no entanto, não foi respeitado. É o caso, então, de se ordenar o seqüestro da verba reservada no orçamento para pagamento da obrigação prevista na lei respectiva, fazendo-se cumprir, desse modo, suas disposições imperativas.

De qualquer sorte, compatibilizando-se as diversas disposições legais e se tendo como certa a obrigatoriedade do precatório, por previsão do art. 730 do CPC, este se faz necessário para a liquidação da obrigação empenhada.

Contudo, nesta hipótese (de obrigação já empenhada), o precatório não terá como objetivo a inclusão, no orçamento do exercício fiscal seguinte, de verba para a satisfação do crédito executado. Funcionará, este precatório, em realidade, como uma ordem de pagamento, que deverá ser efetivada até o final do exercício fiscal corrente. Neste caso, o Juiz-Estado, através do precatório, substituiria a vontade da autoridade pública competente para exarar, em despacho, a ordem de pagamento da despesa já empenhada, constante do orçamento (art. 64, Lei 6.430/64).

Se até o final do exercício fiscal corrente, o administrador público não liberar o crédito respectivo, descumprindo, assim, não só a ordem judicial, mas os próprios termos da lei orçamentária, ocorrerá a hipótese de se determinar o seqüestro da verba respectiva (art. 731, CPC).

Assim, somente nas hipóteses em que o débito fazendário não estiver incluído no orçamento (obrigação não empenhada) ou quando transposto o recurso respectivo (reservado para pagamento da obrigação empenhada) de uma categoria de programação para outra, por deliberação legislativa (inciso VI, do art. 167, CF/88), é que se faz necessária a expedição de precatório, com objetivo de fazer incluir, no orçamento do exercício fiscal do ano seguinte, a verba destinada à liquidação da obrigação assumida ou imposta ao Estado.

Se, entretanto, a despesa já estiver empenhada (ou seja, já estiver incluída no orçamento fiscal), o precatório servirá, tão somente, como uma ordem de pagamento da obrigação pecuniária, no próprio exercício fiscal, sob pena de seqüestro da verba respectiva, “à conta do respectivo crédito” (art. 730, inciso II, do CPC).

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