O peso da carga tributária

Até quando subirá a carga tributária

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24 de novembro de 1997, 23h00

Em dezembro de 1993, quando anunciou o plano real, o ministro Fernando Henrique mostrou que, apesar de a carga tributária brasileira ser a mais elevada do cone Sul(27% contra 20% da Argentina e menos de 20% do Paraguai e do Uruguai), o “déficit” público estava zerado, as reservas eram confortáveis (mais de 50 bilhões) e a dívida interna sob controle (em torno de 50 bilhões), estando a externa negociada por 30 anos.

Quatro anos após, a carga tributária é de quase 33% sobre o PIB, a dívida atinge 200 milhões de dólares, o “déficit” público voltou sobrestar a balança comercial deficitária, em 1997, em 10 bilhões de dólares e as contas externas acumulando, no ano, um “déficit” de cerca de 35 bilhões de dólares.

Neste quadro, não só os juros contribuíram para o aumento da dívida interna e a perda de competitividade do país, como as despesas de custeio, ou seja, de manutenção do pessoal dos três poderes e do Ministério Público, hoje, entre aposentadorias e vencimentos, consumindo parcela fundamental das receitas orçamentárias.

É de se lembrar que qualquer cidadão, quando se aposenta, recebe, no máximo, 10 salários de referência, inferiores ao mínimo oficial, mas, se pertencer a um dos três Poderes ou ao Ministério Público, recebe em torno de 10 vezes mais do que o aposentado pela iniciativa privada, integrante do povo que o sustenta.

Os serviços públicos prestados pelo Estado são, todavia, semelhantes aos dos países emergentes. Carga tributária de país civilizado, serviços públicos de país subdesenvolvido, eis o quadro brasileiro.

Acresce-se que as empresas – tão criticadas pelos detentores do poder e que os sustentam – sobre terem um custo tributário superior ao de todos os países do continente, exceção feita aos serviços públicos que os Estado Unidos, devem gerar aquelas atividades correspondentes aos serviços públicos que o Estado não presta. Assim, são obrigadas a pagar mais a título de tributos do que seus concorrentes externos e a prover “serviços públicos” que o Estado não presta.

Neste quadro – que está levando o país a ser um gerador de empregos no exterior, por ter perdido competitividade externa e não ter como concorrer com produtos estrangeiros, no mercado interno, pois nenhum país exporta tributos – para enfrentar a crise das bolsas, o Governo eleva a carga tributária sobre as empresas, aumentando o custo Brasil, tocando apenas de leve no corporativismo de todas as categorias que, entre aposentadorias e vencimentos, consomem parcela substancial dos tributos brasileiros.

À evidência, o desastroso aumento dos tributos, para gáudio de nossos concorrentes externos que terão mais facilidade de vencer a batalha com os produtos nacionais, tanto fora como dentro do Brasil, trará como conseqüência um aumento do “Custo Brasil” e, possivelmente, mais “sonegação de sobrevivência” e mais desemprego, além de menos desenvolvimento. E o próprio aumento do Imposto de Importação não aliviará a empresa nacional, pois terminará gerando retaliações fora, sobre atingir a produção nacional dependente de insumos externos.

As classes de burocratas e políticos enquistadas no poder, todavia, não estão dispostas a reduzir, cortando na própria carne. As aposentadorias milionárias, se comparadas com a da sociedade que as sustentam, bem como a inchada e esdrúxula máquina administrativa poderiam ser o alvo, desta vez, para alcançar o equilíbrio orçamentário, de uma efetiva redução de despesas por parte do Governo – o que nunca o fez – em vez de atingir mais uma vez a sociedade.

No que concerne ao imposto sobre a renda das pessoas físicas, há que se acrescentar que a limitação de dedução em 20% fere o artigo 43 do CNT assim redigido:

“Art. 43 o imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I. de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II. de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior”.

Com efeito, se a aquisição da disponibilidade econômica é o fato gerador do imposto sobre a renda, e disponibilidade é o diferencial de renda e despesa, à nitidez, se alguém tiver despesas superiores a 20% e for obrigado a pagar imposto de renda sobre essas despesas, estará pagando imposto sobre a renda, sobre uma “não disponibilidade econômica”, o que, a meu ver, é inconstitucional.

Estou convencido que esta parte do projeto do governo poderá ser contestada na Justiça, como também aquela parte em que pretende considerar “factoring” operação financeira. Sendo “factoring” operação mercantil de fomento empresarial, à evidência, não pode ter tratamento de operação financeira, por força dos artigos 109 e 110 do CTN assim redigidos:

“Art. 109 – Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários;

Art. 110 – A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.

Cabendo ao legislador tributário apenas definir efeitos, mas não alterar conceitos, normas e institutos de direito privado, a pretendida modificação no perfil de um instituto de direito privado, “factoring”, de mercantil e financeiro fere o CTN, sendo, por decorrência, inconstitucional, visto que o CTN explicita a Constituição Federal.

O mesmo se diga das imunidades, em que as figuras de “suspensão de seu gozo” e da incidência do imposto sobre a renda nas aplicações financeiras das instituições econômicas são de manifesta inconstitucionalidade.

Como se percebe há erros não só econômicos, mas jurídicos no pacote.

Tenho me perguntado, se, à luz da Constituição, segundo a qual os servidores públicos (burocratas e políticos) devem servir ao povo, podem ter eles mais direitos que o povo. Cada vez me convenço mais que é o povo que deve ter mais direitos que os governantes, razão pela qual num impasse sobrevivencial orçamentário, o princípio maior da cidadania deveria prevalecer sobre o princípio menor dos privilégios dos servidores públicos latu sensu. Deveria o Governo ter coragem e pedir a constitucionalistas e juristas de expressão estudo para lancetar certas auto-garantias que os servidores puseram na Constituição, mas que não podem prevalecer sobre o direito à sobrevivência da sociedade, princípio maior estatuído na Lex Maxima.

Que o novo pacote fira os que são menos úteis e não geram empregos e proteja aqueles que geram empregos neste país.

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