A Cofins e as Sociedades Civis

A discussão recente sobre a isenção que as Sociedades Civis teriam em

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8 de dezembro de 1997, 23h00

1) Exposição do Problema

Recentemente, algumas opiniões têm surgido relativamente à inconstitucionalidade do art. 56 da Lei n° 9.430/96 (“Art. 56. As sociedades civis de prestação de serviços de profissão legalmente regulamentada passam a contribuir para a seguridade social com base na receita bruta da prestação de serviços, observadas as normas da Lei Complementar n. 70, de 30 de dezembro de 1991.”), que dispõe sobre a exigência da Cofins – contribuição para a seguridade social – das sociedades civis de profissão regulamentada, havendo notícias (GAZETA Mercantil. Sexta-feira, 28 de novembro de 1997. P. A-10) de algumas decisões de primeira instância favoráveis a essa tese.

Entretanto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é amplamente desfavorável a esse entendimento, como exposto nesta sucinta análise do assunto.

2) Cofins – Princípios Constitucionais

A Cofins foi instituída pela Lei Complementar n° 70/91, com base no disposto do art. 195, I, da Constituição Federal. Em entendimento já pacificado pelo STF, tal inciso permitiu a instituição de três contribuições sociais devidas pelos empregadores, para financiamento da Seguridade Social: a primeira incidente sobre a folha de salários (contribuição previdenciária dos empregadores), a segunda, sobre o faturamento (Cofins), e a terceira, sobre o lucro (contribuição social sobre o lucro).

A Cofins é justamente a segunda contribuição prevista no inciso I do art. 195 da Constituição, não se confundindo absolutamente com as contribuições previstas no § 4° do art. 195 da Constituição (“§ 4° A Lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no ART.154, I.”).

Entretanto, anteriormente à Cofins, fora instituída a contribuição social sobre o lucro, através da Lei n° 7.689/88. Muito se discutiu sobre a constitucionalidade dessa lei, especialmente pelo fato de ter sido instituída por lei ordinária (entendia-se haver a necessidade de lei complementar definidora do fato gerador, contribuintes e base de cálculo, nos termos do art. 146, III, a, da CF) e por ser administrada e arrecadada pela Receita Federal (entendia-se que somente poderia ser pelo INSS, por se tratar de contribuição destinada à Seguridade Social).

Entretanto, o STF decidiu pela constitucionalidade da contribuição, entendendo que fato gerador, contribuintes e base de cálculo da contribuição já estavam definidos no art. 195, I, da Constituição, e que o fato de o órgão arrecadador não ser o INSS era despiciendo, posto que o que importava era que a receita de sua arrecadação integrasse o orçamento da Seguridade Social.

Ora, a Cofins possui exatamente as mesmas características jurídicas da contribuição social sobre o lucro, apenas incidindo sobre o faturamento das empresas, enquanto a outra incide sobre o lucro.

Assim, logicamente, não seria requerida lei complementar para sua instituição, pois que seu fato gerador (apuração de faturamento), contribuintes (os empregadores) e base de cálculo (o faturamento) já estão definidos no texto constitucional. Observe-se que nunca se discutiu a necessidade de lei complementar para instituição das contribuições do art. 195, I, da CF, posto que somente isso seria somente necessário para os casos de outras contribuições sociais (art. 149 da CF) e para o exercício da competência residual da União (art. 154, I, da CF).

Portanto, necessária a conclusão de que as contribuições do art. 195, I, da CF somente requerem leis ordinárias para serem instituídas. Conclusão, aliás, a que já tinha chegado o STF na análise da constitucionalidade da Cofins, ao apreciar a ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade) n° 1, de que foi relator o eminente Ministro Moreira Alves.

Nesta linha de raciocínio, o Tribunal Regional Federal da 3a Região tem decidido que a Lei Complementar n° 70/91 é materialmente lei ordinária, como no despacho AG-SP 97.03.046938-8 (REVISTA Dialética de Direito Tributário n° 26. São Paulo, 1997. P. 179).

3) Porque a Lei Complementar n° 70/91 é materialmente ordinária

Incorreto considerar-se haver superioridade hierárquica da lei complementar sobre a ordinária. Ensina Celso Ribeiro Bastos:

“Para o desate dessa questão, basta, tão-somente, a leitura do art. 59, II e III, da Constituição Federal, indicando que as leis ordinárias encontram seu fundamento de validade no próprio texto constitucional, tal qual as leis complementares, que encontram engate lógico na Constituição. Portanto, não há que se falar em hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária.” (DICIONÁRIO de Direito Constitucional. Saraiva, São Paulo, 1994. P. 99.)

Mais adiante, conclui:

“Portanto, a lei complementar caracteriza-se por dois pontos: pelo âmbito material predeterminado pelo constituinte e pelo quorum especial para sua aprovação, que é diferente do quorum exigido para aprovação da lei ordinária.” (Op. Cit., p. 100.)

A primeira característica é de natureza material, e a segunda, de natureza formal.

A lei ordinária, como diz o próprio nome, é o meio comum de exercício da competência legislativa, outorgada pela Constituição ao Poder Legislativo Federal. Assim, excetuados os casos expressamente (entretanto, algumas especialistas argumentam que, em alguns casos, a Constituição, referindo-se simplesmente à “lei”, quer referir-se, na realidade, à “lei complementar”. Mas no caso das contribuições do art. 195, I, da CF, é pacífico que não há que se falar em lei complementar) previstos na Constituição, apenas requer-se lei ordinária para que as matérias de seu âmbito sejam validamente disciplinadas.

Conclusão necessária é de que as leis complementares não têm hierarquia superior às ordinárias, mas tão-só âmbito material privativo (predeterminado pela Constituição) na disposição sobre determinadas questões (questões mais polêmicas ou de relevada importância, para as quais seja necessária maioria absoluta dos membros do Legislativo para decidir. Há, implicitamente, a questão da segurança jurídica, posto que, sendo necessário quorum qualificado para alterar tais leis, teriam elas maior estabilidade existencial). Assim, se uma lei ordinária dispuser sobre questão para a qual a Constituição exige lei complementar, será inconstitucional, não por quebra de hierarquia, mas por se tratar de meio legislativo inadequado.

Em princípio, se houvesse lei complementar que dispusesse sobre matéria que deveria ser tratada por lei ordinária, seria ela inválida, por falta de suporte constitucional. Entretanto, a única diferença formal entre lei complementar e lei ordinária é o quorum qualificado, exigido para edição daquela. Assim, não é possível considerar-se a lei complementar inválida (como se diz popularmente, “quem pode o mais, pode o menos”: se o legislativo aprovou a lei como lei complementar, poderia tê-la aprovado como lei ordinária.). Por outro lado, tal lei não poderia ser considerada, por falta de suporte constitucional, lei complementar. A Constituição somente lhe conferiria caráter de lei ordinária, e, por isso, seria materialmente lei ordinária, apesar de formalmente lei complementar.

Este é o entendimento do TRF da 3a Região a respeito da Lei Complementar n° 70/91. Ora, o STF já decidira, quando apreciou a constitucionalidade da Lei n° 7.689/88, que as contribuições do art. 195, I, da CF somente requerem lei ordinária para serem instituídas, donde se conclui que a Lei Complementar em questão não encontra respaldo constitucional para ser considerada lei complementar. Portanto, é lei materialmente ordinária.

4) Isenção e lei complementar

Outro aspecto a ser analisado é o da isenção concedida às sociedades civis pela LC n° 70/91. Argumentos há de que, tendo sido a isenção concedida por lei complementar, lei ordinária (Lei n° 9.430/96) não poderia revogá-la.

Novamente cabe o mesmo raciocínio: a Constituição não impõe, para a concessão de isenções, a necessidade de lei complementar. Assim, no que tange à isenção, a Lei Complementar n° 70/91 também é materialmente lei ordinária.

Além disso, seria absurdo o raciocínio de que somente lei complementar pudesse conceder isenções, quando a Cofins pode ser instituída por lei ordinária.

Nos casos dos impostos residuais, por exemplo, instituídos por lei complementar, seria lógico o argumento, pois se devem ser instituídos por lei complementar, admissível que as isenções somente pudessem ser concedidas pelo mesmo tipo de diploma legal. Mas, no caso, a LC n° 70/91 não tem suporte constitucional para ser considerada lei complementar, o que a reduz, materialmente, à lei ordinária.

5) Conseqüências para as sociedades civis de profissão regulamentada

Do que foi dito, conclui-se que a LC n° 70/91 é lei materialmente ordinária, tanto no que diz respeito à instituição da Cofins, quanto à concessão de isenção às sociedades civis de profissão regulamentada.

Assim, somente é necessário constatar-se se as sociedades civis de profissão regulamentada são contribuintes, nos termos da Constituição (da mesma forma como faz com a CSSL, o art. 195, I, da CF já define os contribuintes da Cofins), para concluir-se se estão sujeitas ao pagamento da Cofins.

Como o art. 195, I, diz que são contribuintes da Cofins os empregadores, deve ser verificado se as sociedades civis podem ser consideradas empregadores.

É evidente que, em caso contrário, não seriam contribuintes, nos termos da Constituição. Assim, seria impossível aplicar-se-lhes o raciocínio anteriormente descrito. Nessa hipótese, somente poderiam ser contribuintes se houvesse a instituição de outra contribuição (art. 195, § 4°, da CF), mediante lei complementar (art. 149 da CF). Evidentemente, tendo sido promulgada a Lei Complementar n° 70/91, seria ela mesma a lei que estaria instituindo a referida contribuição, no caso específico das sociedades civis, mas agora com respaldo nos arts. 195, § 4°, e 149 da CF. Assim, uma mesma lei estaria instituindo duas diferentes contribuições sociais: uma para os empregadores (art. 195, I), como lei materialmente ordinária, outra para as sociedades civis (art. 195, § 4°), como lei material e formalmente complementar. A isenção das sociedades civis, nessa hipótese, não poderia ser revogada por lei ordinária.

Mas também são empregadores as sociedades civis de profissão regulamentada, porque são pessoas jurídicas (entidades legais), o que requer, para a execução dos serviços internos, empregados. Assim, como o sentido de “empregadores”, no art. 195, I, deve ser o mais genérico possível, incluindo aqueles que, embora não tenham empregados, sejam potencialmente empregadores, as referidas sociedades devem ser consideradas empregadores. Acrescente-se que lucro e faturamento são conceitos ligados às pessoas jurídicas de modo geral.

Essa conclusão é necessária em função da disposição do próprio caput do art. 195 da CF, que atribui à “toda a sociedade, de forma direta e indireta”, o financiamento da Seguridade Social. Assim, sendo em tese toda sociedade civil de profissão regulamentada potencial empregador, é também contribuinte da Cofins, nos termos do art. 195, I, da CF (não se quer aqui confundir sociedade civil – entidade legal – com a sociedade do art. 195 – sociedade brasileira. Apenas conclui-se que todos os potenciais empregadores, incluindo as sociedades civis de profissão regulamentada, como parte da sociedade brasileira, devem financiar a Seguridade Social).

6) Conclusões

De tudo o que se disse, conclui-se que:

1) a LC n° 70/91 é materialmente lei ordinária, em todos os seus aspectos;

2) as sociedades civis de profissão regulamentada são contribuintes da Cofins, nos termos da Constituição;

3) a Lei n° 9.430/96 revogou a isenção dada às sociedades civis, prevista pela LC n° 70/91;

4) a partir de 1° de janeiro de 1997, todas as sociedades civis ficaram sujeitas ao pagamento da Cofins.

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