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RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, contra a r. sentença de fls. 730/735, que absolveu APARECIDO DE ALMEIDA, APARECIDO DE ALMEIDA JUNIOR, SILVIO BATISTA DE ALMEIDA, SERGIO BATISTA DE ALMEIDA e EDSON LOPES FARIA da prática do crime previsto no artigo 334, §1º, alíneas "b" e "d", c/c 29, ambos do Código Penal, com fundamento no artigo 386, inciso III e 397, inciso III, ambos do Código de Processo Penal.
Narra a denúncia, recebida em 07/04/2010 (fls. 419), que no dia 02/07/2009, na cidade de Presidente Bernardes/SP, os réu, agindo com unidade de desígnios e identidade de propósitos, adquiriram, receberam e transportaram 9.200 maços de cigarros, de origem paraguaia, para o exercício de atividade comercial, estando as mercadorias desacompanhadas de qualquer documentação legal, cujo valor estimado dos tributos iludidos somou R$ 15.574,73. Nessa ocasião, foi ainda encontrado em poder de EDSON LOPES FARIA uma arma de fogo, consistente em um revólver calibre 32 da marca Detective, com o nº 57272 gravado em sua coronha, carregado com 03 cartuchos intactos calibre 32, sendo 02 da marca CBC e 01 da marca REM-UMC, sendo este réu também incurso no artigo 14 da Lei 10.826/2003 (fls. 406/418).
Com relação ao crime de porte ilegal de arma de fogo, o Juízo "a quo" declinou da competência em favor da Justiça Estadual da Comarca de Presidente Bernardes/SP, uma vez que tal fato não afeta bens, interesses ou serviços da União.
Nas razões de apelação, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer a reforma da sentença, uma vez que a introdução de cigarros estrangeiros no território nacional caracteriza o crime de contrabando e não de descaminho. Ademais, o valor dos tributos iludidos supera o patamar de R$ 10.000,00 e a conduta praticada pelos réus não pode ser entendida como de mínima ofensividade, reduzida periculosidade social, ou reduzido grau de reprovabilidade e inexpressividade da lesão. Requer, assim, o provimento do recurso para que o feito prossiga com a regular instrução processual (fls. 747/755).
Contrarrazões apresentadas (fls. 785/790 e 791/801).
A PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA opinou pelo provimento do recurso, para que seja determinado o normal prosseguimento da ação penal (fls. 823/828).
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
Ratifico o relatório.
Trata-se de apreensão de 9.200 maços de cigarros de procedência estrangeira avaliados no total de R$ 3.510,00, conforme constou do Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de fls. 170, 181 e 192.
Os tributos iludidos foram calculados pela Receita Federal do Brasil no valor total de R$ 15.574, 73, assim discriminados (fls. 159):
a) R$ 702,00 (Imposto de Importação - II);
b) R$ 799,55 (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS);
c) R$ 173,58 (Programa de Integração Social - PIS);
d) R$ 13.899,60 (Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI).
Postos os fatos, é imperioso anotar que adoto o entendimento de que cigarros de origem estrangeira internados irregularmente no território nacional são mercadorias cuja importação não é proibida. Proibida é a comercialização de cigarro nacional fabricado para exportação, de cigarro falsificado e de marca sem registro perante a autoridade sanitária brasileira. (Agravo Regimental em Apelação Criminal nº 0000770-25.2005.4.03.6005/MS, Relator: Des. Fed. CECILIA MELLO, julgado em 24/05/2011.
Portanto, o caso dos autos não versa sobre o crime de contrabando, como sustentado pelo órgão ministerial nesta Corte.
À propósito:
Observo, também, nos termos do cálculo efetuado pela Receita Federal do Brasil, que do montante dos tributos que incidiriam nessa importação caso fosse regular, R$ 799,55 corresponderiam à COFINS e R$ 173,58 ao PIS, além dos R$ 13.899,60 relativos ao IPI e R$ 702,00 ao II (fls. 159).
Todavia, para efeitos criminais, tratando-se de introdução de mercadoria alienígena não proibida, a carga tributária devida à União é composta pelo Imposto de Importação (II), cujo fato gerador é a entrada do produto estrangeiro no território nacional (artigo 19 do CTN); e pelo Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), derivado do desembaraço aduaneiro do artigo de origem estrangeira (artigo 46, I, do CTN); já que o artigo 334 do Código Penal especifica a conduta como: "(...) iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria: (...)"
Com efeito, a COFINS e o PIS pertencem à classe das contribuições e não dos impostos, como expressamente delimita o crime em comento, o que proíbe as suas inclusões no cálculo, uma vez que não se admite para efeitos penais interpretação extensiva nem analógica, senão in bonam partem.
A corroborar com isso, a Lei 10.865/2004 - que dispõe sobre a Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social incidentes sobre a importação de bens e serviços - que em seu artigo 2º inciso III expressamente exclui a incidência dessas contribuições sobre os bens estrangeiros que tenham sido objeto de pena de perdimento, regra no crime de descaminho.
Dessa forma, a estimativa fiscal da carga tributária para fins de representação criminal não pode levar em conta tais contribuições, sob pena de infração ao princípio da estrita legalidade.
Nesse sentido:
Dito isso, o valor do imposto iludido pela ação do acusado, para fins penais, corresponde a R$ 14.601,60. Valor correspondente ao Imposto de Importação - II e Imposto Sobre Produtos Industrializados - IPI, consoante cálculo da Receita Federal do Brasil em Presidente Prudente/SP (fl. 159).
Feitas essas premissas, anoto que, tanto o Supremo Tribunal Federal, como o Superior Tribunal de Justiça, entendem que é aplicável aos delitos de descaminho o princípio da insignificância, quando o valor do imposto que não foi recolhido corresponde ao valor que o próprio Estado, sujeito passivo do crime, manifesta desinteresse em sua cobrança, no caso, o valor de R$ 20.000,00, nos termos da Portaria MF nº 75, de 22 de março de 2012, publicada em 26 de março de 2012.
No entanto, referido princípio não pode ser reconhecido quando restar comprovada a habitualidade na prática desse crime, sob pena de se legitimar constantes condutas contrárias à lei penal.
Tratando-se de conduta ilícita habitual, o desvio de comportamento deixa de ser ínfimo, mesmo que o valor do tributo seja menor que o patamar estabelecido como bagatela.
Afinal, para que um crime seja considerado insignificante, devem estar presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada; situações que não se fazem presentes ao "descaminheiro" habitual.
Nesse sentido:
No caso, há fortes indícios de que os réus eram contumazes praticantes do crime de descaminho, em especial, na importação clandestina de cigarros estrangeiros.
Segundo consta, no dia 12/05/2009, a Polícia Federal de Presidente Prudente/SP iniciou atividades investigativas com o objetivo de apurar crimes de descaminho, contrabando, formação de quadrilha e corrupção ativa, inicialmente atribuídos a APARECIDO DE ALMEIDA (Cido Romão), Valdinei Romão dos Santos, José Roberto Cacheffo e Argemiro Cacheffo.
A operação policial foi denominada de "Operação Fumaça".
Diante da complexidade dos fatos investigados e da extensão geográfica da conduta criminosa que tocava vários municípios da região de Presidente Prudente, representou-se pela utilização da técnica investigativa da interceptação das comunicações telefônicas, o que possibilitou a identificação dos principais fornecedores, distribuidores, revendedores e transportadores de cigarros paraguaios introduzidos irregularmente no território nacional, mais especificamente, em cidades da região de Presidente Prudente/SP.
Constatou-se que os investigados tinham como única e exclusiva atividade a prática do descaminho de cigarros e eventualmente outros produtos oriundos do Paraguai. A mercadoria era adquirida de fornecedores do Estado do Paraná e de algumas cidades da região e transportada até o destino final através de veículos de passeio, com vistas a evitar eventual fiscalização ou atuação dos órgãos repressores.
As interceptações das comunicações telefônicas dos investigados possibilitaram a intervenção pontual dos policiais federais de Presidente Prudente, que lograram êxito em prender em flagrante, no dia 14/05/2009, José Antonio Gonçalves, principal fornecedor de cigarros paraguaios para Valdinei e APARECIDO.
Da mesma forma, no dia 16/05/2009, foram presos em flagrante Valdinei e Maria Nogueira da Silva, e, no dia 10/06/2009, Joaquim Teixeira Batista e Wellington Luiz da Silva Beira Santos.
Dando continuidade às investigações, é que se chegou ao flagrante do dia 02/07/2009, apurado nestes autos.
Concluiu-se, então, que APARECIDO DE ALMEIDA e EDSON LOPES FARIA integravam o grupo dos principais alvos da operação policial, podendo-se observar, pelos diálogos interceptados, que o comércio ilícito de cigarros era muito lucrativo, uma vez que contava com a atuação de várias pessoas no ramo, existindo, inclusive, certa concorrência comercial entre os fornecedores de tabaco paraguaio.
Pois bem, aliado ao detalhado relatório da Unidade de Inteligência Policial de Presidente Prudente (fls. 204/324), verifica-se que, quando do flagrante, foram encontrados em poder de SILVIO, SERGIO e APARECIDO DE ALMEIDA, além dos pacotes de cigarros paraguaios, anotações em papel referente à negociação dos mesmos, para diversos clientes (fls. 20/26).
Acrescenta-se, também, que, em sede policial, apesar de APARECIDO DE ALMEIDA e APARECIDO DE ALMEIDA JUNIOR terem negado envolvimento nos fatos, EDSON LOPES FARIA confirmou que intermediou a negociação dos cigarros paraguaios entre APARECIDO DE ALMEIDA e SILVIO BATISTA DE ALMEIDA, tendo este último, que inclusive já havia sido preso - meses antes - pela prática do mesmo crime, confirmado o envolvimento de seu irmão SERGIO BATISTA DE ALMEIDA nesta transação (fls. 07/15).
Como se vê, tudo indica que a atuação dos réus no comércio de cigarros estrangeiros não era uma novidade em suas vidas, tampouco uma aventura desastrosa, aparentando ser, na verdade, sua principal atividade laborativa.
Caso isso se confirme, a aplicação do princípio da insignificância não pode ser admitida, restando antecipada a decisão do Juízo "a quo" que absolveu os réus sumariamente.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, determinando a baixa dos autos à origem, para que o feito prossiga nos seus regulares termos.
É o voto.
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D.E. Publicado em 18/09/2014 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, determinando a baixa dos autos à origem, para que o feito prossiga regularmente, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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