Processo Familiar

Programa do TJ-PE introduz no sistema jurídico o instituto da "notificação parental"

Autor

  • Jones Figueirêdo Alves

    é desembargador emérito do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJ-PE) mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito de Lisboa membro da Academia Brasileira de Direito Civil e do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) membro fundador do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCont) advogado consultor e parecerista.

3 de fevereiro de 2019, 7h00

Provimento recentemente editado pela Corregedoria-Geral de Justiça de Pernambuco (DPJe, de 24/1/19, pp. 36/37) instituiu programa de trabalho jurisdicional voltado à localização de familiares no país, para a adequada (re)composição e fortalecimento dos vínculos parentais. O programa denominado “Encontro Consigo: A busca do círculo parental”, introduz no sistema jurídico o instituto da “notificação parental”, adotando-se o procedimento do artigo 726 do Código de Processo Civil para os fins do estabelecimento (ou restabelecimento) do círculo parental íntegro.

Não há negar que a iniciativa do provimento, de nossa autoria, inspirada sob a égide do artigo 226 da Constituição Federal, tem por premissa de base a especial proteção do Estado à família e, notadamente, o dever assistencial a cada um dos seus integrantes (artigo 226, parágrafo 8º, CF).

Trata-se o Provimento 12/2018-CGJ-TJPE, aprovado em 21/1/2019, pelo órgão especial do TJ-PE, de um importante instrumento normativo destinado à realização da pessoa enquanto (re)construída por seus vínculos parentais. Afinal, a pessoa encontra-se melhor consigo mesma à exata medida onde o trato digno da relação parental caracterize uma realização pessoal adquirida pela sua qualidade de vida afetiva no ambiente familiar.

Situações onde a convivência familiar pretendida, seja aquela havida como nunca antes existente ou a desfeita por quaisquer fatos ou infortúnios da vida, oportunizam e legitimam o interesse de quem, em pretendendo resgatar ou construir o liame convivencial parental, venha manifestar o seu relevante propósito, mediante aviso de conhecimento (notificação) ao parente ausente ou distante.

O procedimento ditado em juízo é simples e expedito. Mediante notificação judicial, a pessoa familiar procura o parente afastado (ou o pai que nunca conheceu), indicando no requerimento os dados necessários da relação parental, comprovada documentalmente, e o endereço da pessoa procurada, se conhecido. O pedido será assinado por advogado constituído ou pela Defensoria Pública, nos casos do benefício legal da assistência judiciária gratuita.

Quando se tratar de pessoa que esteja em lugar incerto e não sabido, o magistrado adotará todas as diligências necessárias à sua localização, mediante consulta em bases de dados nacionais, notadamente a do Sistema de Informações Eleitorais (Siel), do Tribunal Superior Eleitoral, e a possibilitar, exitosa a procura, a urgente convocação do requerido. Este, localizado, será previamente ouvido em audiência pelo juiz do feito ou pelo juiz deprecado, que dar-lhe-á ciência do propósito do notificante, apurando a eventual reciprocidade de interesses intrafamiliares e lançando-se, no termo da audiência, a sua manifestação positiva ou não. Na hipótese de aceitação da pessoa procurada aos objetivos da convivência, proceder-se-á a sua imediata notificação, quando o pedido será homologado e disponibilizados ou entregues os autos ao requerente. Em hipótese contrária, arquivados em juízo, sob segredo de Justiça.

Quando a pessoa procurada for o genitor do notificante, que ainda não o reconheceu como filho, a recusa ao estabelecimento de convívio familiar e/ou ao reconhecimento voluntário da paternidade ensejará a possibilidade da investigação de paternidade, em ação própria.

Bem é certo que o programa da Corregedoria-Geral da Justiça pernambucana, inédito no país, inscreve-se como valioso implemento de medidas de jurisdição inclusiva, contribuindo destinar-se o Poder Judiciário a servir, de forma eficiente, como instrumento de cidadania, a partir da família recuperada em seu círculo parental absoluto.

Episódios de desavenças familiares, rupturas de relacionamentos afetivos, separações conjugais, desfazimentos de uniões convivenciais, deserções voluntárias ou não de convívios no contexto familiar fragmentam as relações parentais subjacentes, comprometendo, de efeito, a solidez dos laços familiares entre parentes. Mais das vezes, filhos de casais separados também sofrem separações fraternais quando um ou outro do par desfeito carregam consigo os filhos mais velhos ou mais jovens, em fissuras temporais/espaciais de convivências. Lado outro, a busca biológica como direito fundamental de personalidade é um exercício de dignidade que se aperfeiçoa na conquista (ou reconquista) do direito ao convívio paterno/maternal.

As perdas de contato entre parentes também anotam o cenário de um círculo parental desfigurado, onde saudade e insciência do lugar onde se encontrem entoam um lamento melancólico que vulneram a segurança familiar afetiva. São os afetos não vivenciados por uma presença desfeita, esvaída no tempo.

O programa institucional que agora colima a (re)aproximação dos parentes, com a intervenção judiciária para tornar visível ao outro familiar aquele que é procurado pelos fortes reclamos da afeição, cumprirá, induvidosamente, inegável papel reconstrutivo, o de salvaguardar a família brasileira na solidez e garantia dos seus vínculos.

Autores

  • é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco e mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa (FDUL). Membro da Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC) e do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam). É o gestor e coordenador do programa institucional de busca parental do TJ-PE.

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