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Ensino domiciliar só pode ser autorizado por lei específica, decide Supremo

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12 de setembro de 2018, 19h47

Por seis votos a quatro, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que o ensino domiciliar não está previsto na Constituição Federal e depende de lei específica para ser permitido no Brasil. O julgamento foi concluído nesta quarta-feira (12/9), depois de três interrupções.

Venceu a tese do ministro Alexandre de Moraes, de que o chamado homeschooling pode existir no Brasil se for autorizado por lei. Foi acompanhado pelos ministros Luiz Edson Fachin, Rosa Weber, Dias Toffoli e Cármen Lúcia.

Os ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio votaram contra a possibilidade de ensino domiciliar. Segundo eles, ir à escola é um direito fundamental previsto na Constituição, ao contrário do direito de estudar em casa, inconstitucional, segundo eles.

O relator, ministro Luís Roberto Barroso, votou sozinho. Para ele, o ensino domiciliar deve autorizado imediatamente, desde que obedeça a condições estabelecidas em seu voto, lido na semana passada.

Na sessão desta quarta-feira, o ministro Alexandre de Moraes disse que “não há vedação absoluta ao ensino domiciliar" na Constituição". "Apesar de, expressamente, a Constituição não prever a modalidade, também não a proíbe”, disse o ministro.

Alexandre argumentou ainda que a Constituição coloca a família em "posição principal" na educação dos filhos. "O que a Constituição faz é colocar família e Estado juntos para atingir a finalidade de uma educação melhor. A finalidade não foi criar uma rivalidade e , sim, uma efetividade melhor na educação”, disse. “O ensino familiar exige o cumprimento de todos os requisitos constitucionais. Não é vedado o ensino em casa desde que respeite todos os preceitos constitucionais, e há necessidade de legislação, como estabelecimento de requisitos de frequência, avaliação pedagógica."

Lei específica
Ao seguir o entendimento de Moraes, a ministra Rosa Weber entendeu que a prática não é constitucional e precisa de lei.“A Constituição protege a educação como dever o Estado, e há ainda o Estatuto da Criança e do Adolescente que obriga os pais a matricular seus filhos na educação básica a partir dos quatro anos e a lei exige que o ensino seja presencial. Acredito que não pode ser liberada por não haver lei específica", disse.

O ministro Dias Toffoli, em seu voto, afirmou que o ensino escolar não é inconstitucional, mas não é possível dar provimento ao recurso em análise e permitir a educação domiciliar por ausência de lei sobre o assunto.

Divergência
O ministro Fux entendeu que o ensino domiciliar não está na Constituição e qualquer lei que venha a autorizá-lo será inconstitucional. “Além disso, os profissionais da educação são muito importantes. A educação não pode ser só em casa."

O ministro Ricardo Lewandowski também não concordou com o ensino fora da escola. "Não há razão para retirar uma criança da escola oficial em decorrência da insatisfação de alguns com qualidade do ensino. A solução para pretensa deficiência seria dotá-las de mais recursos estatais e capacitar melhor os professores", expôs.

“O papel da escola promover um convívio saudável da criança com pessoas e outras concepções de mundo para sua formação”, completou o ministro Marco Aurélio.

Isonomia
O ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergência, fez críticas ao ensino domiciliar e chamou atenção para os princípios da isonomia e da igualdade. “Entramos numa seara de políticas públicas. O objetivo aqui também é saber se mandar os filhos para a escola é um dever ou um direito”, disse.

O ministro se mostrou preocupado com a diferença de ensino domiciliar em relação às famílias pobres. “Nas famílias que podem pagar um ensino particular, entendemos que haja um mínimo de intelectualidade. Nas famílias pobres, que utilizam a rede pública, não é a realidade da maioria poder usufruir de um ensino em casa”, explicou.

Regulamentação
Fachin seguiu o entendimento, mas disse que, mesmo reconhecendo que pode haver direito ao ensino em casa, não pode o Judiciário fazer a regulamentação. Para Fachin, a escola é uma das primeiras experiências de vida e é preciso que o STF se posicione. “O Congresso deve regulamentar o modelo pedagógico em um ano. Ou se dá uma interpretação conforme à Constituição ou então o STF estaria legislando. O exame a fazer é saber se o ensino em casa é ou não constitucional e não cabe ao STF legislar”, disse.

Fachin afirmou que a escola deve espelhar o "pluralismo", a convivência com as diferenças. "Há, portanto, um direito passivo, que é a presença em sala de aula, e o legislador tem respaldo na Constituição. Essa exigência não inviabiliza a liberdade de crença e de consciência"

Critérios
Na primeira sessão (6/9), o relator, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que a Constituição dá aos pais a possibilidade de escolher. “De acordo com a Constituição, família é uma das partes fundamentais na educação ao lado do estado. Entretanto, o fato de a CF deixar claro que é dever do estado, não significa que ele não possa ser regulamentado”, afirmou.

Na ocasião, o  ministro propôs ainda regras de regulamentação sobre o ensino domiciliar no país para garantir que a criança e o adolescente não sejam prejudicados. “A ideia é garantir o desenvolvimento acadêmico e avaliar a qualidade o ensino até que seja editada medida”, disse.

A educação domiciliar chegou à jurisdição do STF em junho de 2016, quando uma família de Canela (RS) entrou com recurso contra a Secretaria de Educação do município a fim de manter a filha, na época com 11 anos, estudando em casa. Até então, ela nunca tinha frequentado uma escola. Antes disso, os pais perderam processos em que pediam autorização para o ensino familiar em duas instâncias: no juizado da comarca de Canela e no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Projetos de Lei
O ensino doméstico é tema de quatro projetos de lei, dois da Câmara dos Deputados e dois do Senado Federal — o mais recente, nº 28/2018, é de autoria do senador Fernando Bezerra Coelho (PMDB-PE) e visa impedir a criminalização de homeschooling (termo em inglês usado para definir o modelo). Cerca de 7,5 mil famílias são adeptas da prática e aguardam a decisão do STF sobre o tema.

 RE 888.815

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