Consenso de um

Para o MP, vale mais a pena fazer acordos de leniência que investigar

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13 de dezembro de 2018, 7h28

Parece consenso entre os membros do Ministério Público que é melhor pressionar investigados para fazer acordos e garantir o pagamento de multas do que investigar. Pelo menos foi esse o tom das falas de diversos deles durante seminário para discutir o papel do MP nos acordos de leniência, que aconteceu em São Paulo nos dias 11 e 12 de dezembro, na sede do MPF.

De acordo com o procurador de Justiça de São Paulo Emerson Garcia, todos os avanços da defesa da sociedade vieram da "consensualidade". O procurador da República José Roberto Pimenta Oliveira explicou melhor: "Quando as medidas cautelares entram em cena, como indisponibilidade de bens, a mesa de negociação é aberta".

O problema é que, ao pé da letra, não pode haver acordos relacionados a atos de improbidade administrativa. O parágrafo 1º do artigo 17 da Lei de Improbidade diz que "é vedada a transação, acordo ou conciliação" nesses casos. O governo Dilma Rousseff chegou a editar uma medida provisória para tentar resolver o problema, mas ela caducou sem ser discutida pelo Congresso. E depois se transformou em motivo para inquérito aberto pela Procuradoria-Geral da República, como mostrou reportagem da ConJur.

Mas a grande questão é a realidade. Segundo a procuradora da República Mônica Nicida Garcia, as ações de improbidade são inócuas: demoram e não resultam em nada quando dão em condenação. Levantamento feito por ela mostrou que apenas 4% das condenações são pagas integralmente. "É necessária a possibilidade de acordos para se combater a corrupção", disse, em sua palestra.

Devagar com o andor
Logo após Mônica veio a primeira e única contestação à apologia dos acordos. Thiago Marrara, professor de Direito da USP, disse ser favorável aos métodos de resolução consensual de conflitos, mas não como vem sendo feito. 

Segundo Marrara, um levantamento do Tribunal de Contas da União mostrou que o deslocamento de casos de improbidade do Judiciário para acordos com agências reguladoras não resultou em maior retorno aos cofres públicos ou maior efetividade de qualquer tipo. 

"Vocês viram a capa do Estadão ontem? Delatores da 'lava-jato' não pagam as multas acordadas", disse Marrara, para uma plateia que tinha Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos membros do MPF que atuou na operação — justamente o responsável pelos acordos de leniência. 

Autorregulação
Mesmo que o MP pudesse fazer acordos relacionados a improbidade administrativa, a Lei Anticorrupção é clara em dizer que o autorizado a fazer acordo é o ente lesado pelo ato de corrupção ou de improbidade. E nos casos federais, o representante deve ser a Controladoria-Geral da União.

Diversos especialistas têm dito que o MPF não pode chamar os acordos que faz de "acordo de leniência". Deveria ser algo do tipo "acordo de não ajuizamento de ação". Marrar parece perfilar a tese. Segundo ele, falta embasamento legal para a atuação do MP nesses casos. "Não temos doutrina, legislação nem jurisprudência madura para isso. É necessário criar uma disciplina legal clara para esses acordos", afirmou. 

Mas outros estudiosos trabalham com a tese de que a competência constitucional do MP os autoriza a fazer os acordos. A Constituição dá ao órgão, por exemplo, a tarefa da "defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".

"Quem tem legitimidade para propor ação de improbidade tem legitimidade para fazer acordo de leniência", resume José Roberto Pimenta Oliveira.

Produto importado
Por fim, a participação do promotor do MP paulista Sílvio Antonio Marques, que exaltou o fato do Brasil se aproximar cada vez mais do common law praticado nos Estados Unidos. Para ele, a prática do plea bargain, quando o réu faz acordo e não vai a julgamento, é o motivo da efetividade da Justiça norte-americana. 

Mais de 90% dos casos criminais na esfera federal nos Estados Unidos terminam em plea bargain e não vão a julgamento, diz ele. Esse fenômeno tem sido visto cada vez mais como empecilho ao acesso à Justiça e um dos motivos do encarceramento em massa no país, que concentra 25% da população carcerária do mundo.

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