Garantias para alguns

Favela não é considerada ambiente privado no Brasil, diz delegado do Rio

Autor

12 de dezembro de 2018, 6h42

O morador de favela vive em um espaço público e por isso não tem as garantias constitucionais que protegem o ambiente privado da força do Estado. A avaliação é do delegado de Polícia Civil do Rio de Janeiro Orlando Zaccone, que debateu a política nacional de combates às drogas e reformas na lei especial de drogas, em um evento na sexta-feira (7/12) promovido pela Escola de Magistrados do TRF-3 em São Paulo.

Zaccone citou sua experiência pessoal de mais de quinze anos atuando em circunscrições diferentes da capital fluminense. “O primeiro processo seletivo que temos é o local onde o tráfico acontece. Delegacias da zona sul quase não tem ocorrências de tráfico. No espaço privado a polícia precisa ter investigação, um inquérito qualificado, um mandado. Na favela é pé na porta e materialidade. A favela é considerada espaço público no Brasil. Temos o mandado de busca coletivo! Um garoto na favela que é encontrado com droga se não tiver como comprovar renda é traficante. Há vidas que não são dignas de proteção para o nosso sistema. Um jovem negro na favela é um traficante de drogas.”

Sua proposta de modelo regulatório é a legalização, produção, comércio e consumo de todas as drogas. “Não precisamos ter medo de legalizar todas as drogas. Elas não chegam ao mercado de qualquer forma. O álcool é permitido, mas o absinto não. Drogas só passaram a ser problema depois que foram proibidas. Antigamente vendia-se cocaína na farmácia”, afirmou Zaccone.

O delegado disse também que as mortes de pessoas inocentes são legitimadas pelo poder jurídico, com os autos de resistência legais. “Este ano vamos superar o ano de 2007, com 1.500 mortos. O Poder Jurídico arquiva esses autos por meio do Ministério Público”, disse.

Para Zaccone, os autos de resistência não investigam o policial que atirou, mas sim quem morreu. À frente do caso do ajudante de pedreiro Amarildo, desaparecido no dia 14 de julho de 2013 após uma incursão do Bope na Rocinha, o delegado estudou 300 desses autos de resistência em seu mestrado. “O promotor arquiva buscando legitimar a ação da polícia, para que ela mate com legitimidade. Busca-se construir uma narrativa de que a pessoa morta era traficante em área dominada pelo tráfico. Autorizamos o extermínio da juventude negra e pobre no Brasil.”

O advogado Beto Vasconcellos foi convidado para outro painel e procurou falar de política pública, dizendo que o mundo caminha para um outro modelo. “Nosso modelo é fruto de um internacional adotado muito fortemente, o repressivo do século XX. O mundo criou um modelo repressivo e o fato é que o mundo tem alterado seus sistemas e marcos regulatórios para um outro modelo.”

Ele afirmou que sob quatro aspectos nossos resultados não são positivos. “O modelo de redução de violência e homicídio não aconteceu. No Brasil são números alarmantes, 63 mil mortes de armas de fogo por ano. A taxa de encarceramento é hoje uma das mais altas do mundo. Crescimento de mais de 500% nos últimos 30 anos e, para mulheres, esse mesmo crescimento percentual em 15 anos. Temos 760 mil pessoas encarceradas, maior parte relacionadas ao tráfico ou algum ilícito próximo, 30 a 40% para homens e mais de 60% para mulheres, sem vínculo com atos violentos ou antecedentes. Temos um sistema de Justiça que não funciona e encarcera muito quem não deveria estar ali e pouco quem deveria estar ali. Uma baixa taxa de resultados de investigação. Do ponto de vista econômico, não gera para o Estado receita formal, mas gastos intensos com segurança pública para repressão.”

A ConJur publicou em fevereiro de 2017 uma série de reportagens sobre a relação entre a guerra às drogas e a superlotação dos presídios. O especial teve como motivação a onda de rebeliões e massacres em presídios no início daquele ano. Clique aqui para ter acesso à série de reportagens especiais produzidas.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!