Opinião

Responsabilidade solidária por débito de IR e IPI é inconstitucional

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23 de setembro de 2017, 10h45

O artigo 8º do Decreto-Lei 1.736/79 estabelece, sem nenhum requisito condicionante, a responsabilidade solidária de acionistas, controladores, diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado por débitos da empresa relativos ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e sobre o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), sendo essa responsabilidade solidária restrita ao período da respectiva administração, gestão ou representação.

Esse dispositivo, contudo, tem sido ao longo dos anos alvo de diversos questionamentos pelos contribuintes, que alegam sua inconstitucionalidade pelo fato de que, de acordo com a Constituição Federal, normas gerais de direito tributário, tal como aquelas que tratam de responsabilidade tributária, são de competência de lei complementar, e não de lei ordinária, tal como o Decreto-Lei 1.736/79.

Considerando que o Supremo Tribunal Federal, até o momento, não se manifestou sobre a constitucionalidade do artigo 8º do Decreto-Lei 1.736/79, coube à Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça analisar a questão e, por meio do controle difuso, declarar a inconstitucionalidade deste dispositivo no julgamento do AI no REsp 1.419.104/SP.

Diante desse cenário, o objetivo desse artigo é analisar a decisão proferida pelo STJ, bem como o entendimento dessa Corte em relação à responsabilização por débitos constituídos em favor de pessoas jurídicas de direito privado.

Ao longo do julgamento do AI no REsp 1.419.104/SP, a Fazenda Nacional argumentou pela constitucionalidade do artigo 8º do Decreto-Lei 1.736/79 basicamente pelo fato de esse dispositivo supostamente encontrar fundamento de validade no artigo 124, inciso II do Código Tributário Nacional — recepcionado no ordenamento jurídico como norma complementar — que estabelece que são solidariamente responsáveis por dívidas tributárias as pessoas físicas estabelecidas em lei.

No entanto, de acordo com o entendimento da Corte Especial do STJ, o artigo 124, inciso II, do CTN não pode ser interpretado fora do contexto do código que trata sobre responsabilidade tributária, como, por exemplo, o artigo 128 da mesma norma, que veda a responsabilidade de pessoa não vinculada ao fato jurídico.

No mesmo sentido, entendeu-se que, com base na jurisprudência atual do STJ, o artigo 124 do CTN deve ser analisado em consonância com o artigo 135 do mesmo código, de forma que a responsabilização tributária pessoal de pessoas físicas devem cumprir os requisitos determinados pelo artigo 135, quais sejam: existência de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

No caso concreto defendido pela Fazenda Nacional, entendeu-se que não havia vinculação entre os indicados como responsáveis e a pessoa jurídica de direito privado, na medida em que a sociedade empresária não se confunde simplesmente com as pessoas físicas que as integram ou gerenciam.

Dessa forma, foi afastado o argumento da Fazenda Nacional de que o artigo 8º do Decreto-Lei 1.736/79 possuiria fundamento no artigo 124, II do CTN, passando-se, portanto, à análise concreta quanto à constitucionalidade do dispositivo do Decreto-Lei. O ponto chave da questão era verificar se, na Constituição Federal de 1967, vigente à época do Decreto-Lei 1.736/79, haveria, tal como há na Constituição Federal, exigência de que normas gerais de direito tributário fossem definidas por lei complementar.

Diante disso, após análise da Constituição Federal de 1967, confirmou-se que, de fato, havia o mencionado requisito para definição de normas gerais de direito tributário, tais como questões relativas à responsabilização tributária, de forma que se constatou, por unanimidade, a inconstitucionalidade formal pretérita do artigo 8º do Decreto-Lei 1.736/79.

Isso porque o Decreto-Lei 1.736/79 instituiu uma hipótese de responsabilidade tributária solidária por meio de lei ordinária, quando a Constituição Federal da época exigia que esses temas fossem definidos exclusivamente por lei complementar. Diante disso, por meio do controle difuso, a Corte Especial do STJ declarou a inconstitucionalidade do artigo 8º do Decreto-Lei 1.736/79.

Podemos concluir que o julgamento do AI no REsp 1.419.104/SP pelo STJ é especialmente emblemático, não só por ter declarado a inconstitucionalidade da responsabilização solidária do artigo 8º do Decreto-Lei 1.736/79, mas também por ter deixado claro o posicionamento daquela Corte quanto aos requisitos para responsabilização pessoal tributária.

Basicamente, restou decidido que (i) normas que tratam de responsabilização tributária devem ser definidas por lei complementar, em harmonia com o disposto na Constituição Federal; e (ii) deve haver vínculo entre o responsabilizado com o fato gerador da obrigação tributária a qual se pretende atribuir responsabilização, não podendo simplesmente atribuir-se responsabilidade a qualquer pessoa que tenha exercido um papel de gerência ou administração da sociedade.

Trata-se de precedente muito favorável aos contribuintes que discutem os requisitos necessários para responsabilização de terceiros por dívidas tributárias adquiridas por empresas.

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