Descrição necessária

Denúncia que não narra condutas de forma satisfatória é inepta

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22 de setembro de 2017, 16h03

O devido processo legal deve ser iniciado com a formulação de uma acusação que narre de forma satisfatória a conduta delituosa. Caso contrário, a denúncia deve ser considerada inepta por não permitir ao réu seu direito de defesa.

Esse foi o entendimento aplicado pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao reconhecer a inépcia de uma denúncia do Ministério Público de São Paulo contra dois ex-secretários de Sumaré.

O caso trata da compra de cestas natalinas em 2014 pela prefeitura de Sumaré. A empresa que venceu o pregão pediu para substituir alguns produtos, alegando que os fabricantes haviam suspendido ou deixado de distribuir esses produtos. Os então secretários de administração e de finanças do município autorizaram a substituição, após checarem as informações.

Por isso foram denunciados pelo Ministério Público estadual, junto com o representante da empresa, por associação criminosa (artigo 288, CP) e por crimes de licitação. Os secretários pelo crime tipificado no artigo 92 da Lei 8.666/93, por ter, em tese, admitido vantagem em favor do adjudicatário durante a execução do contrato com o Poder Público. E o representante da empresa por fraude a licitação (artigo 90 da Lei 8.666/93).

A denúncia foi aceita no Judiciário paulista, o que motivou a defesa dos secretários a ingressar com Habeas Corpus alegando inépcia da denúncia, pois não havia descrição, quanto ao crime de associação criminosa, da união de três pessoas para a prática de crimes, nem mesmo a indicação da estabilidade e permanência dessa associação.

Além disso, a defesa apontou que, quanto ao delito da Lei de Licitações, não foi demonstrado prejuízo à administração, ou mesmo o dolo na conduta dos agentes. O que também torna a denúncia inepta. A defesa dos secretários foi conduzida pelo advogado Thiago Amaral Lorena de Mello, do Tórtima Stettinger Advogados Associados.

Ao julgar o Recurso em Habeas Corpus, que havia sido negado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, o ministro Jorge Mussi explicou que é dever do órgão acusatório narrar de forma satisfatória a conduta delituosa atribuída ao agente, descrevendo todas as suas circunstâncias, conforme a norma disposta no artigo 41 do Código de Processo Penal, para que seja viável o contraditório a ser instituído em juízo.

No caso dos autos, contudo, o ministro entendeu que esses requisitos não foram preenchidos. "Constata-se que o Ministério Público deixou de descrever qualquer conduta comissiva ou omissiva atribuível aos recorrentes apta a configurar a sua responsabilidade criminal pelos crimes de quadrilha e de admissão de vantagem em favor do adjudicatário durante a execução do contrato celebrado com o Poder Público", afirmou.

Assim, concluiu o ministro, sem a necessária descrição do nexo de causalidade entre a conduta atribuída aos ex-secretários e os fatos típicos nela descritos, verifica-se a sua inaptidão para a deflagração da ação penal.

"Se a denúncia é natimorta, preferível que se passe desde logo o competente atestado de óbito, porque não há lugar maior para o extravasamento dos ódios e dos rancores do que a deflagração de uma actio poenalis contra pessoa reconhecidamente inocente", concluiu.

Em seu voto, seguido pelos demais integrantes da 5ª Turma, o ministro estendeu os efeitos desta decisão ao empresário, em relação ao crime de quadrilha.

Clique aqui para ler a decisão.
RHC 70.222

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