Delação da JBS

STF já tem maioria para não analisar denúncia contra Temer antes da Câmara

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20 de setembro de 2017, 20h27

Antes de a Câmara dos Deputados examinar a admissibilidade da denúncia contra o presidente da República, não cabe ao Supremo Tribunal Federal proferir juízo sobre eventuais teses levantadas pela defesa. Com esse argumento, o relator, ministro Luiz Edson Fachin, negou pedido de Michel Temer para suspender o andamento de denúncia contra ele. Seu voto foi acompanhado por mais sete colegas até o fim a sessão desta quarta-feira (20/9). 

A defesa do presidente buscava suspender a denúncia até a conclusão de investigação sobre supostas irregularidades no acordo de delação premiada celebrada entre executivos da JBS e a Procuradoria-Geral da República, que deu origem à acusação.

Ainda nesta quarta, oito ministros também rejeitaram o pedido para devolver à PGR a denúncia apresentada por Rodrigo Janot, que acaba de deixar o cargo.

Rosinei Coutinho/SCO/STF
Processo só começa depois da autorização de dois terços da Câmara, afirmou Fachin.
Rosinei Coutinho/SCO/STF

Para Fachin, a Constituição determina que, nos casos de crimes comuns cometidos pelo presidente, ele será processado e julgado pelo STF somente após autorização de dois terços da Câmara dos Deputados. Após eventual resposta positiva do parlamento, sustentou, o relator notificará o acusado, que terá 15 dias para se posicionar. “Em síntese, o primeiro momento em que o investigado se defende judicialmente se dá após despacho do relator que determina referida notificação e inaugura a fase da defesa”, afirmou.

A sessão desta quarta-feira marcou a estreia da nova chefe do Ministério Público, Raquel Dodge, no Plenário do STF. Em memorial distribuído aos integrantes da corte, ela defendeu o envio da denúncia à Câmara. “A pretensão, ainda que de natureza cautelar, como aludido na peça sob exame, esbarra no rito especial, de cunho constitucional, de processamento de ação contra presidente da República”, escreveu.

O ministro Alexandre de Moraes concordou com Fachin ao afirmar que não cabe à corte, nesse momento, se pronunciar sobre a denúncia. “O STF adquire poder decisório apenas após um posicionamento da Câmara”, pontuou. Ele ressaltou, porém, o “ineditismo” da questão em debate: “É um tema inédito com repercussão importantíssima”, opinou.

Segundo Moraes, a abertura de investigação pela própria PGR para apurar omissão de informação de delatores, revelada em áudio de uma conversa entre Joesley Batista e Ricardo Saud, proprietário e diretor de Relações Institucionais da JBS, respectivamente, entregue pela própria defesa, é muito grave. “Pelas palavras dos delatores, que naquela ocasião ainda não eram delatores, ficou demonstrado que houve um desvio de finalidade na celebração da delação, uma finalidade criminosa”, criticou.

Além disso, ele classificou como “chantagem” o fato de os empresários afirmarem que têm gravações ainda não divulgadas. “Uma vez presos, passam a chantagear o Poder Público. Isso mostra que estamos a analisar questão inédita, tão inédita que, lamentavelmente, há uma investigação contra dois membros do MP”, lamentou.

O ministro Luís Roberto Barroso também considerou precipitado qualquer pronunciamento do STF em relação à matéria. Para ele, não pode a corte interferir na prerrogativa da Câmara e impedir que ela aprecie a admissibilidade da acusação. Em seu voto, ele citou diversos pontos da denúncia, como o uso de Comissões Parlamentares de Inquérito para extorquir empresários e esquemas criminosos na Petrobras e em Furnas.

“Nesse momento, a palavra está com a Câmara, que tem a alta responsabilidade cívica de saber que tipo de posição pretende assumir perante a nação”, avaliou. Ele defendeu que, mesmo se as provas produzidas pela delação da JBS forem consideradas inválidas, a denúncia não perde força, pois relata outros fatos igualmente graves.

Em votos breves, os ministros Luiz Fux, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski seguiram o entendimento do relator. Fux destacou que as acusações contra Temer são “graves”, mas afirmou que o STF não poderia deixar de observar o devido processo legal. O ministro Dias Toffoli também acompanhou Fachin, mas ressaltou que, do ponto de vista teórico, tem divergências com a posição do relator. Na opinião do magistrado, o Supremo pode, sim, fazer uma análise da denúncia antes de submetê-la à Câmara.

“Incide a regra do artigo 296 do Código de Processo Penal. Nos procedimento ordinários e sumários, uma vez oferecida a denúncia ou a queixa, o juiz, se não rejeitar liminarmente, irá recebê-la e ordenar citação do acusado para resposta. Ou seja, apresentada a denúncia, qualquer juiz pode liminarmente rejeitá-. Isso é dado a qualquer juiz criminal do país. A denúncia pode ser rejeitada em três hipóteses: se for inepta, se faltar pressuposto processual ou se for ausente de justa causa para ação penal”, afirmou.  

Segundo ele, o juízo político da Câmara não retira do tribunal a competência para recusar liminarmente a acusação sob o prisma jurídico. “A Constituição não subtrai desse colegiado análise dessas questões quando o relator entender presentes alguns dos referidos elementos”, disse. Apesar das ponderações, ele afirmou que, nesse caso, o mais correto é o STF encaminhar a denúncia à Câmara.

Fatos estranhos ao objeto
Único a abrir divergência, Gilmar fez duras críticas à atuação de Janot à frente da PGR e também à peça acusatória. Ele defendeu que a denúncia deve voltar para o Ministério Público, uma vez que viola a Constituição Federal. “O presidente é acusado de crimes cometidos desde 2006, quando nem cogitava se tornar chefe do Executivo. Mas a Constituição é clara ao determinar que ele só pode responder por atos vinculados ao exercício de seu mandato”, alertou. Ele discordou da tese de Janot de que Temer, ao integrar organização criminosa, cometeu um crime contínuo e, por isso, esses fatos podem ser incluídos na acusação. “Essa análise pode e deve ser logo feita pelo STF. Se o procurador-geral achava que a denúncia é viável, ele deveria ter a formulado com conteúdo que permita o recebimento", argumentou.

Ele citou julgamento realizado em junho que discutiu, em sede de questão de ordem em um inquérito aberto com base na delação da JBS, a extensão do poder do Judiciário para questionar delação após sua homologação. Ele afirmou que, naquela ocasião, já havia alertado dos problemas no acordo firmado com executivos da JBS. “Naquele dia falou-se da impossibilidade do juízo rever termos da delação por lealdade ao MP. E, depois, viu-se que era um grande fiasco, um grande vexame do ponto de vista funcional. Temos a responsabilidade, se não as nossas próprias pelo menos as do cargo, para dizer se é de fato caso de mandar a denúncia ao legislativo. Trancamos inquérito todos os dias aqui no STF”, disse.

Suspender o trâmite da denúncia até a conclusão da apuração do envolvimento de procuradores no exercício do cargo ajudando a JBS a negociar o acordo se faz necessário, sustentou Gilmar. “Janot, na época que surgiram as suspeitas, disse que era impossível, incogitável que o então procurador Marcelo Miller tivesse participado de qualquer ato a respeito da JBS. E, agora, vemos, com muito constrangimento, que o que se dizia a boca pequena tornou-se um fato. A participação do membro do MP nos dois lados do balcão. Um fenômeno que certamente a PGR jamais tinha vivenciado”, lamentou.

No caso do acordo da JBS, trata-se, segundo ele, de causa típica de invalidade de negócio jurídico. “Por isso que eu disse, naquele julgamento, que a homologação de delação ganhou força de coisa julgada com o argumento de que o contrário poderia gerar insegurança jurídica. É função exclusiva do Judiciário a realização de juízo exauriente de adequação entre fins de legitimação do acordo e aqueles manifestados pelas partes na homologação”, frisou. Essa, na opinião de Gilmar, é uma discussão conceitual importante, uma vez que não se pode atribuir eficácia absoluta à delação na sua celebração.

O ministro citou trechos do diálogo entre Saud e Joesley que indicam que Janot sabia da intenção dos empresários de gravar o presidente da República mesmo sem autorização do Supremo. Gilmar defendeu que Janot deveria ter decretado a própria prisão preventiva: “Na época, ele minimizou e ridicularizou e minimizou tais suspeitas”. Marcelo Miller não escapou das duras críticas. Segundo o ministro, quando ele era servidor do Ministério das Relações Exteriores, ficou conhecido como "Maçaranduba" devido à grosseria no trato pessoal.

Na quinta-feira, a análise do caso será retomada com os votos, em ordem, dos ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e a presidente Cármen Lúcia. 

Clique aqui para ler o voto de Gilmar Mendes.

*Texto alterado às 21h29 do dia 20 de setembro de 2017.

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