Judicialização da arte

Justiça não pode obrigar Santander a reabrir mostra Queermuseu

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16 de setembro de 2017, 15h11

O Judiciário não tem o poder de analisar os motivos que levaram ao encerramento de uma exposição artística, nem determinar sua reabertura — sobretudo se não há registro de censura estatal como causa do fechamento. A decisão é da juíza federal Thais Helena Della Giustina, 8ª Vara Federal de Porto Alegre, ao negar liminarmente que o banco Santander deva reabrir a exposição Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira.

A mostra abriu as portas no dia 14 de agosto e deveria seguir em cartaz até 8 de outubro. Porém, o Santander Cultural antecipou o encerramento no último dia 10 de setembro após acusações de que a mostra, com obras que abordam a sexualidade, promovia blasfêmia a símbolos religiosos e fazia apologia à pedofilia e zoofilia. As reações à exposição foram capitaneadas por grupos conservadores.

O Ministério Público do Rio Grande do Sul instaurou processo para investigar eventuais violações às normas de proteção da infância e juventude. O promotor Júlio Almeida afirmou que não há casos de crime de pedofilia na mostra.

A Ação Popular foi proposta por um advogado de Pelotas (RS) que pretende obter a declaração de nulidade do ato de encerramento antecipado pelo banco. A ação sustenta que o cancelamento da mostra financiada com incentivos da Lei Rouanet (8.313/1991) configura ato lesivo ao patrimônio público e ao patrimônio cultural. Afinal, segundo o autor, o cancelamento se deu por protestos que visaram coibir a liberdade de expressão artística e o direito de acesso a uma exposição financiada com dinheiro público.

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Cenas de Interior II (1994), de Adriana Varejão, exibida na exposição Queermuseu; para opositores, obra incentiva zoofilia

Entretanto, para a juíza, não foi verificada lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio público. Isso porque o projeto que autorizou a captação de recursos via renúncia fiscal ainda está pendente de análise prevista em uma instrução normativa do Ministério da Cultura.

“O ato de encerramento da exposição, por si só, em juízo perfunctório, não causa lesão ao patrimônio da União, tão-somente em razão da utilização, no projeto, do benefício da dedução de valores do Imposto de Renda criado pela Lei Rouanet, considerando o aludido mecanismo do mecenato”, escreveu a juíza. Ela destacou que o Ministério da Cultura já solicitou prestação de contas parcial para que seja avaliada a extensão dos impactos gerados pelo cancelamento da mostra.

Para ela, a avaliação dos atos que levaram ao fechamento da mostra seria ingerência indevida em atos do banco. “Eventual prejuízo ao erário causado pelo ato impugnado somente poderá ser constatado após a referida avaliação dos resultados, que certamente haverá pelo órgão competente, na qual se definirá a possibilidade de dedução, parcial ou não, ou mesmo impossibilidade de dedução do Imposto de Renda devido pelas pessoas jurídicas incentivadoras das quantias doadas para a mostra cancelada”.

Arte em baixa
Depois do cancelamento da mostra Queermuseu, o debate sobre qual tipo de arte pode ser exibida ao público ganhou novos episódios na última semana. Uma decisão proibiu que a peça teatral O Evangelho segundo Jesus, rainha do céu, estreasse no Sesc de Jundiaí (SP). O espetáculo retrata Jesus Cristo como uma mulher transgênero nos dias atuais. Para o juiz Luiz Antonio de Campos Júnior, da 1ª Vara Cível da cidade, figuras religiosas e sagradas não podem ser "expostas ao ridículo".

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Na quinta (14/9), a polícia de Campo Grande apreendeu o quadro Pedofilia (reprodução ao lado), da artista plástica mineira, Alessandra Cunha, que denuncia a prática e integrava, desde junho deste ano, a exposição Cadafalso, no Museu de Arte Contemporânea da cidade. De acordo com deputados do Mato Grosso do Sul e o delegado do caso, a obra incentiva relações sexuais com crianças.

Clique aqui para ler o despacho liminar.
Ação Popular 5047657-45.2017.4.04.7100/RS.

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