Direitos Fundamentais

ADI 5.595 e a garantia do custeio dos direitos – uma vitória de Pirro?

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15 de setembro de 2017, 8h45

caricatura Ingo Sarlet (nova) [Spacca]O deferimento da liminar em sede de cautelar na ADI 5.595 pelo ministro Ricardo Lewandowski, em 31 de agosto deste ano, sacudiu o meio jurídico nacional, mas também impactou outros setores. Dentre as diversas manifestações sobre a decisão e seu efetivo impacto, destacam-se, no âmbito da ConJur, as colunas magistrais de Élida Graziane Pinto (STF reconhece o “direito a ter o custeio adequado de direitos” na ADI 5.595, de 12.9.17) e de Fernando Facury Scaff (Emenda orçamentária 86 foi declarada inconstitucional. E daí?), discutindo e avaliando aspectos positivos e problemáticos da aludida decisão, ademais de enunciar juízos sobre os seus necessários e/ou possíveis desdobramentos. Note-se, além disso, que os dois colunistas colocaram em evidência o problema dos efeitos da EC 95/2016 sobre a EC 86 (objeto da ADI 5.595), ao estabelecer um teto de gastos públicos, acabar com a vinculação dos gastos com saúde, ademais de implicar o congelamento dos gastos com saúde em 2018, de tal sorte que tais valores sofrerão correção com base no IPCA.

Como as questões de natureza técnica, designadamente as vinculadas aos aspectos orçamentários e financeiros foram minuciosamente discutidas nas colunas referidas, por autores altamente competentes e dedicados ao tema, limitar-nos-emos neste espaço a algumas considerações que, ao fim e ao cabo, buscam repisar posições já externadas pelo signatário em momentos anteriores (inclusive em colunas firmadas com a articulista Élida Graziane Pinto) sobre a necessidade de se alertar para os graves riscos gerados por ambas as emendas constitucionais sobre os níveis de financiamento (portanto, garantia) dos direitos fundamentais, com destaque para os direitos à saúde e educação, porquanto direitos sociais, tal como já tivemos a oportunidade de consignar (coluna de 10.6.16) integram o conjunto das assim chamadas cláusulas pétreas da CF.

Ainda nessa toada, sustentou-se, na ocasião, que também as disposições constitucionais a respeito do gasto mínimo em matéria de saúde (198 CF) e em educação (212 CF), vinculando as três esferas da Federação, integram o assim chamado núcleo essencial dos dois direitos humanos e fundamentais correspondentes, o direito à saúde e o direito à educação. Tal exegese, em linhas gerais, prende-se ao fato de que mediante tais regras impositivas de gasto público mínimo o constituinte erigiu os direitos à saúde e à educação a uma posição preferencial no âmbito do conjunto dos direitos sociais, numa evidente aposta num modelo de desenvolvimento humano e social aderente a uma concepção de dignidade da pessoa humana que exige a satisfação do assim chamado mínimo existencial sociocultural, de modo a assegurar uma cidadania efetiva e inclusiva.

Além disso, e em caráter de reforço, toda e qualquer reforma constitucional que implique em redução desses patamares mínimos de financiamento, ainda mais enquanto o Sistema de Saúde não atingir as suas metas mínimas de atendimento universal e igualitário, ademais da cobertura integral (ainda que não absoluta), não poderá ser chancelada pena de violação do núcleo essencial dos direitos à saúde e a educação.

Aliás, enquanto não executado plenamente o piso de gasto público constitucionalmente imposto, sequer se pode considerar legítima a recorrente invocação da assim chamada reserva do possível para buscar bloquear medidas judiciais que impõe ao poder público o fornecimento de prestações materiais, ao menos não quando em causa o mero cumprimento daquilo que o legislador infraconstitucional já determinou deva ser assegurado ao cidadão, embora esta não seja uma discussão a ser travada aqui.

Reafirmado isso, não há como não receber com entusiasmo e aplausos a decisão em sede de cautelar, consistentemente fundamentada, da lavra do eminente Ministro Ricardo Lewandowski, que por si só já ingressa na história constitucional brasileira, pelo fato de levar a efeito (ainda que venha a ser reformada) uma intervenção firme e estruturante no esquema de financiamento dos direitos fundamentais, que, a prosperar, poderá operar inclusive como elemento de inibição ao menos de parte da judicialização individualizada na esfera dos direitos sociais, em particular.

Mas de fato, não há como também desconsiderar as dificuldades ensejadas e muito bem inventariadas e discutidas nas colunas recentes de Élida Graziane Pinto e Fernando Scaff, no que diz com a articulação entre as Emendas Constitucionais 86 e 95 e os efeitos da decisão na ADI 5595 e os desdobramentos para (e na) ADI 5.658 (que tem por objeto a EC 95), tendo como relatora a ministra Rosa Weber, razão pela qual é de se cerrar fileiras com todos os que bradam (a exemplo dos eminentes colunistas referidos) em prol da declaração de inconstitucionalidade do teto de gastos para a efetivação dos direitos fundamentais à saúde e à educação, no mínimo para coibir, de pronto, qualquer redução real dos seus níveis de financiamento mínimo exigidos constitucionalmente, ademais de assegurar o caráter progressivo do seu custeio federal, tal como também restou destacado na fundamentação da decisão em sede de cautelar na ADI 5.595.

A tese da perda de objeto da ADI 5.595 no que diz com o artigo 2º da EC 86, pelo fato de ter sido revogado pelo artigo 3º da EC 95, embora à primeira mirada soe sedutora e mesmo irrebatível, encontra sim objeção consistente, também pelo prisma processual. Com efeito, em conformidade com o que foi demonstrado por Élida Graziane Pinto na sua coluna do dia 12.09.17, em virtude dos seus efeitos prospectivos (para além da declaração de constitucionalidade com eficácia ex tunc levada a efeito na decisão que deferiu a liminar na ADI 5.595) no tocante ao piso federal dos gastos com saúde e educação, a liminar concedida, caso chancelada, terá o condão de evitar o congelamento de tais gastos previsto para 2018 e impedir o inevitável e grave retrocesso em matéria das já frágeis garantias de tais direitos sociais básicos, prioritários para o próprio desenvolvimento econômico, mas em primeira linha humano, do Brasil.

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