Confissão do suspeito

Regra que permite ao MP ignorar ação penal gera controvérsias

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11 de setembro de 2017, 9h31

A permissão dada pelo Conselho Nacional do Ministério Público para que o MP desista da persecução penal em troca da confissão de suspeitos, em crimes sem violência ou grave ameaça, não foi bem recebida por operadores do Direito consultados pela ConJur.

A possibilidade está delimitada em resolução que cria regras padronizadas para promotores e procuradores que desejam fazer investigações por conta própria. A norma, publicada na sexta-feira (8/9) e assinada pelo presidente do CNMP, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, permite acordos para leque abrangente de crimes, desde que o dano seja inferior a 20 salários mínimos (R$ 19,5 mil).

Para o advogado Leonardo Sica, a regra é ilegal na forma – deveria passar pelo Congresso – e no conteúdo – contraria o artigo 42 do Código de Processo Penal, que impede o Ministério Público de desistir da ação penal. “Parece que a instituição se apegou ao objetivo de extrair confissões a qualquer custo. A medida também pode ser encarada como uma maneira de poupar esforços: seus membros querem investigar, mas não ter o trabalho.”

O advogado Luiz Flávio Borges D'Urso afirma que a novidade cria uma instituição “superpoderosa”, que ao mesmo tempo investiga, acusa e agora define a pena, sem nem sequer passar por homologação judicial ou outra forma de controle.

O criminalista Alberto Zacharias Toron considera “assustador” dar tamanho poder para um órgão do MP fixar esse tipo de regra, sem debate legislativo. “É de se perguntar se uma resolução pode invadir a esfera de competência da lei assim de forma tão acintosa.”

A diretora da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) em São Paulo, Tânia Prado, também avalia que o conselho resolveu legislar sobre processo penal, contrariando a Constituição Federal.

“O MP está alucinado para ter o exclusividade do poder investigatório, de modo a controlar todas as diligências e ter a polícia como mero braço operacional”, criticou, lembrando ainda que o instituto da transação penal (plea bargain, em inglês) não está previsto na Lei 12.850/2013, sobre o uso da delação premiada para combater organizações criminosas.

Ainda sobre o plea bargain, o criminalista e professor Fernando Hideo Lacerda criticou o fato de o instituto ser permitido por meio de mera resolução. O advogado se diz preocupado com a situação, pois o MP “confere a si mesmo poderes soberanos totalmente incompatíveis com a Constituição Federal e com uma mínima noção republicana”.

“O Ministério Público atribuiu a si mesmo o poder de escolher quem vai ser investigado, até mesmo de ofício; designar internamente quem vai ser o investigador; e definir livremente como vai ser conduzida a investigação, decidindo discricionariamente quais depoimentos vai ou não transcrever nos autos e quais provas vai ou não dar acesso ao investigado."

Outro problema que pode surgir dessa nova permissão, disse Lacerda, é o MP instaurar “persecução patrimonial” contra o investigado independentemente de apuração da conduta e “arquivar, sem controle judicial, o procedimento que ele mesmo instaurou e conduziu de forma totalmente discricionária”. A falta de controle também preocupa a diretora da ADPF paulista.

Em artigo publicado neste domingo (10/9) na ConJur, o advogado Fabrício Campos afirmou que o CNMP definiu regras de competência da União ao conferir esse novo poder ao Ministério Público. “É o correspondente, no campo do Direito Penal e do processo penal, da imagem que imortalizou Napoleão Bonaparte, pintada por Jacques-Louis David: o imperador apanha a coroa das mãos de Pio VII e a coloca, ele próprio, sobre sua cabeça”, escreveu.

De acordo com o advogado, o acordo de não-persecução “estende e retorce, a critério do Ministério Público, medidas despenalizantes" encontradas na Lei 9.099/1995 nos casos em que o ato só seria permitido com homologação judicial. "Trata-se, portanto, de iniciativa que cria verdadeiros critérios de despenalização, colocando-os nas mãos do Ministério Público e sem qualquer participação do Poder Judiciário.”

Divergência
O procurador de Justiça Márcio Sérgio Christino, membro do Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo, avalia que a resolução está dentro dos poderes do CNMP, como órgão normatizador de procedimentos para a classe.

Segundo ele, a não-persecução penal pode ajudar a tornar o Judiciário mais eficiente ao evitar que casos sem violência e com réu confesso tramitem por longo período. O procurador diz que o texto segue um interesse “mais moderno” do próprio Ministério Público brasileiro de implantar a discricionariedade da ação penal.

O promotor Fauzi Hassan Choukr é favorável à discricionariedade, mas avalia que esse espaço deveria ser definido pela reforma do Código de Processo Penal, em discussão na Câmara dos Deputados desde 2010.

* Texto atualizado às 11/9/2017 para acréscimo de informações.

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