Tribuna da Defensoria

A importância de grupos de pesquisa no âmbito das defensorias públicas

Autores

  • Daniel Guimarães Zveibil

    é mestre e doutor em Direito Processual pela USP com trabalhos no campo do Direito Processual Constitucional membro do Ceapro e do IBDP professor de pós-graduação e defensor público no estado de São Paulo com atribuições no Tribunal do Júri da capital.

  • Júlio Camargo de Azevedo

    é doutorando em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP) membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e do Centro de Estudos Avançados de Processo (CEAPRO) coordenador do Grupo de Estudos de Direito Processual Civil da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (GEDPC-DPSP) e defensor público no estado de São Paulo.

5 de setembro de 2017, 10h00

De todas as instituições que compõem o sistema nacional de justiça, a Defensoria Pública é a que mais se oxigenou constitucionalmente na última década. Neste período, foram promulgadas quatro Emendas Constitucionais tratando direta ou indiretamente a respeito de sua estrutura e funcionamento. A recente EC 80/2014, aliás, operou verdadeira reestruturação orgânica na Defensoria Pública, projetando a concretização de um novo perfil institucional à luz do modelo público de assistência jurídica integral e gratuita.

Dentre as inúmeras inovações projetadas, vale ressaltar a reformulação da missão constitucional anteriormente desenhada, atribuindo-se à Defensoria Pública o status de instituição permanente e expressão do regime democrático, vinculada não apenas à defesa judicial de direitos individuais, mas também à atuação extrajudicial, à defesa judicial de direitos transindividuais e à promoção dos direitos humanos (artigo 134, caput, CF/88).

Referida importância institucional aparece também consagrada em legislações infraconstitucionais mais recentes, tal qual se verifica pela previsão simbólica da Defensoria Pública no Código Processual de 2015 (Título VII, do Livro III), bem como pela repetição de algumas prerrogativas institucionais no artigo 186 do mesmo Diploma.[1]

E com a presença cada vez mais constante da Defensoria Pública na arena jurisdicional, tende-se a ampliar o acesso à justiça, porquanto vem à tona uma pluralidade de conflitos até então marginais, forçando os horizontes hermenêuticos dos juristas a, muitas vezes, reverem premissas e abandonarem velhos dogmas que não atendem aos consumidores da justiça mais vulneráveis.

Se por um lado, entretanto, aumentam os poderes e as possibilidades de atuação da Defensoria Pública, por outro, crescem os deveres e as responsabilidades institucionais, especialmente no que atina à estruturação de discurso científico também apto a lidar com os quadros próprios dos mais vulneráveis. Inevitável, outrossim, que a Defensoria Pública observe seu dever de “accountability” em suas construções epistemológicas, evitando que a fragilização científica do discurso institucional coloque em xeque o direito de assistência jurídica do público vulnerável.

Daí porque chamar a atenção para a necessidade de formação de grupos de pesquisa e observatórios jurídicos no âmbito das Defensorias Públicas, bem como da instituição de linhas de pesquisa universitárias conexas às funções institucionais, como é o caso, por exemplo, da linha de pesquisa “Acesso à justiça e crítica das instituições político-jurídicas”, do Curso de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense.

Neste sentido, elogiável a postura da Escola da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a qual, por meio dos Atos 47/2017 e 50/2017, revitalizou os Cadernos Temáticos da Defensoria Pública[2] e a Revista da Defensoria Pública do Estado de São Paulo,[3] periódicos científicos voltados ao debate de temas contemporâneos e à difusão da produção científica institucional. Mais acertado ainda é a regulamentação de Grupos de Pesquisa no âmbito institucional (Ato 48/2017), espaços destinados ao desenvolvimento de estudos acadêmicos relacionados à Defensoria Pública.

Destes, o primeiro a nascer foi o Grupo de Estudos de Direito Processual Civil (GEDPC), trazendo como escopo primordial o estudo do Processo Civil em contraste às recentes missões constitucionais atribuídas à Defensoria Pública. Neste sentido, projeta-se proposta metodológica que se demonstre ao mesmo tempo crítica e interdisciplinar. Crítica, por enxergar o processo civil em consonância com sua historicidade e contextualidade social, permitindo cogitar de bases científicas emancipatórias para aprimoramento da interpretação dos institutos jurídicos processuais, no sentido de também considerar as necessidades do público vulnerável. Interdisciplinar, por entender que a ciência processual não pode deixar de dialogar com os demais campos do saber (Sociologia, Filosofia, Psicologia etc.), tampouco ignorar o paradigma constitucional em que está inserida (reafirmada, simbolicamente, pelo artigo 1º, CPC/15), especialmente considerando os direitos e garantias fundamentais e os compromissos republicanos assumidos pelo Estado Democrático de Direito.

Nessa linha, ao sustentar um debate aberto e pluralista do processo civil, almeja-se provocar, com satisfatório nível de cientificidade, reinterpretações jurídicas de institutos afetos à atuação institucional, tais como a representação do hipossuficiente, a tutela jurídica de grupos vulneráveis, a gratuidade da justiça, os conflitos possessórios, os métodos consensuais de tratamento de conflitos, o exercício da curadoria especial, a intervenção do amicus curiae, a atuação frente à litigância repetitiva, a vinculação do público hipossuficiente ao regime de precedentes brasileiros, a legitimidade para a propositura de ações coletivas, dentre outros temas que batem cotidianamente à porta das Defensorias Públicas.

Oxalá que o Grupo de Estudos de Processo Civil fomente a criação de outros focos acadêmicos no âmbito das demais defensorias públicas espalhadas pelos rincões do país, servindo, ademais, ao despertar de discussões interinstitucionais envolvendo o processo civil brasileiro. Torcemos, mais ainda, para que a produção institucional contribua ao despertar de novos olhares científico-processuais, aprimorando o serviço público de assistência jurídica integral e gratuita hoje existente.


[1] Repetição, pois as prerrogativas já constam na Lei Complementar nº 80/94 (Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública), regulamentando o § 1º do art. 134 da CF/88.

Autores

  • Brave

    é defensor público do estado de São Paulo, mestre e doutor em Direito Processual pela USP. Coordenador-geral do Grupo de Estudos de Direito Processual Civil da Defensoria Pública de São Paulo (GEDPC-DPSP).

  • Brave

    é mestrando em Direito Processual Civil pela USP, coordenador-auxiliar do Grupo de Estudos de Direito Processual Civil da Defensoria Pública de São Paulo (GEDPC-DPSP).

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