Opinião

Direito Digital vai além do Marco Civil e comporta todo o ordenamento jurídico

Autor

  • Marco Antonio de Oliveira

    é advogado do Matos & Associados Advogados. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes (Ucam) e em Direito da Propriedade Intelectual pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio).

2 de setembro de 2017, 6h56

A internet trouxe uma nova maneira de nos conectarmos com o mundo à nossa volta, e é navegando por ela que passamos grande parte do tempo. Até o Marco Civil da Internet, que recentemente completou três anos, havia em muitas cabeças a ideia de que o meio on-line fosse terra de ninguém. Contudo, as regras trazidas pelo Marco Civil não são as únicas aplicáveis à internet. O direito digital comporta todo o ordenamento jurídico brasileiro, com destaque para os direitos da propriedade intelectual, ora desconhecidos, ora confundidos pelos internautas.

Tal como ocorre no meio off-line, os direitos de propriedade intelectual também existem na internet, assumindo o internauta considerável risco ao ignorá-los. Sem qualquer pretensão de adentrar no mérito desses direitos, se são certos ou errados, se são justos ou injustos, ou se deveriam ser mantidos, modificados ou revogados, é fundamental ter ciência que as mais diversas ações no meio digital podem esbarrar em direitos intelectuais de terceiros. Dentre os direitos de propriedade intelectual, gênero entre os quais figura a patente, as maiores dúvidas aparentam, na prática, ocorrer com o direito autoral e a marca.

Pode parecer simples fazer o upload ou carregamento de um vídeo no YouTube, entretanto, há regras a serem consideradas em relação ao conteúdo desses vídeos. A princípio, se por um lado a lei de direito autoral permite a paráfrase e a paródia que não causem prejuízos à obra original, por outro lado o remix e o mashup, na maioria dos casos, devem ser precedidos de autorização do autor da obra original.

Se há regras para o upload de vídeos, o mesmo acontece para o download. Ao passo que disponibilizar na web conteúdo resguardado por direito autoral, seja a natureza que for, constitui crime passível de prisão e multa, o mesmo não se aplica para quem baixar esse conteúdo. Contudo, aquele que baixa conteúdo ilegal está compactuando com prática altamente lesiva aos titulares de obras, prejudicando novas produções de qualidade. Em meio a tantas opções disponíveis no mercado que fornecem legalmente serviços de streaming a um custo baixo e acessível, como o Netflix e o Spotify, é por vezes injustificável a arriscada escolha pelos meios ilegais.

Esse raciocínio estende-se também a imagens e fotografia. Sem a anuência do autor, não é permitido o uso de imagens e fotos, ainda que facilmente encontradas na internet. Caso não seja possível encontrar o seu titular ou obter a autorização pelo uso, basta acessar alguns dos bancos de imagens existentes e optar pela imagem de preferência dentre as diversas opções de escolha.

Pode parecer inocente o compartilhamento de um conteúdo nas mídias sociais, até aí nenhum problema, desde que seja dado o crédito ao autor da obra. Gostou do texto e deseja postar no Facebook? Vá em frente, mas não deixe de citar o nome do autor, ou poderá ter problemas. Essa regra não se limita à obra literária, aplicando-se também a obras de outras naturezas.

Cabe destacar que a proteção de uma obra por meio do direito autoral possui um limite temporal, o que faz com que, após expirado seu prazo, passe a ser de domínio público e deixe de ser necessária a autorização prévia do autor para o seu uso.

Não menos importante é a proteção à marca. Não se pode registrar nome de domínio ou criar páginas de perfil nas mídias sociais contendo marcas de terceiros. Em razão dessa violação frontal aos direitos marcários, além da transferência compulsória da titularidade para o detentor do registro de marca, há chances de uma condenação indenizatória em uma ação judicial.

Igualmente é a regra para as palavras-chaves nos buscadores. Escolher a marca de um concorrente no Google Adwords como palavra-chave, a fim de direcionar os usuários para outro site, pode ser uma má ideia. Nesses casos, além da violação da marca, pode restar configurado ato de concorrência desleal.

Publicar ou divulgar notícia falsa ou publicidade falsa também são práticas enquadradas como crime de concorrência desleal. A internet tem um enorme potencial de espalhar notícias com alcance e rapidez inimaginável. Um agente econômico que utilize desse meio para obter vantagem indevida ou gerar dano a um concorrente pode vir a sofrer sérias sanções.

Um fenômeno que surgiu com a internet são os influenciadores digitais. Por arrastarem com eles milhares e por vezes milhões de seguidores, vêm chamando a atenção de empresas de todos os portes, que buscam associar suas marcas a essas novas celebridades. Surge, então, uma questão: a postagem patrocinada.

Com relação à publicidade nativa ou post pago, outras formas de como é chamada, embora ainda não se tenha debatido o tema com profundidade no Brasil, em respeito à relação de confiança e transparência por parte das empresas patrocinadoras e influenciadores para com seus consumidores e seguidores, é aconselhável sinalizar que a postagem foi patrocinada, quando assim for.

Outra questão que os influenciadores inserem na realidade atual diz respeito à citação da marca de terceiro, não patrocinador, em uma publicação. Em regra a citação de marca é livre, desde que não traga prejuízo ao seu titular e não haja intuito comercial direto.

Por fim, cumpre esclarecer um aspecto sobre a venda de produtos na internet. Quando um produto é adquirido no exterior e trazido para venda no Brasil, sem ser pelo seu distribuidor oficial, estamos diante da importação paralela, prática ilegal. Diferentemente do que ocorre quando o produto é adquirido legalmente dentro do país e depois revendido na internet, prática esta legal.

Cumpre frisar que quase todos os casos citados comportam exceções, dependendo, para tanto, do cenário e características que se apresentam em cada situação real, sendo recomendado, sempre que necessário, a avaliação por um profissional especializado.

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  • é advogado do Matos & Associados Advogados. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes (UCAM) e em Direito da Propriedade Intelectual pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/RJ.

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