Opinião

Em busca de um marco civilizatório da Lei 13.467/2017

Autores

1 de setembro de 2017, 7h00

A entrada em vigor da Lei 13.467/2017, que dispõe sobre a “reforma trabalhista”, em novembro próximo, promoverá profundas alterações no mundo do trabalho. As novidades do novo texto são muitas e de várias ordens, tanto no Direito Material, quanto no Processual do Trabalho. Também impactará na atuação dos vários órgãos, entidades e profissionais que se ocupam desse ramo autônomo do Direito ou orbitam em torno dele: juízes do Trabalho, sindicatos, advocacia, Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho, fiscalização do trabalho, peritos e tantos outros.

Reforma desse quilate e feita com pressa por óbvio exigirá correção de imperfeições, atecnias e equívocos, que só com o tempo ficarão evidentes.

O objetivo aqui não é apontar virtudes ou defeitos, inconstitucionalidades ou inconvencionalidades da nova lei. Antes, jogar alguma luz sobre o amanhã das organizações sindicais brasileiras e suas formas de custeio, em linguagem acessível.

Primeiramente, vale registrar que a reforma sindical deveria ter precedido eventuais mudanças nas leis trabalhistas. Isso porque é quase consenso que a nossa atual organização sindical, com muitas entidades inertes e despreparadas, no mais das vezes não responde de forma qualificada ao que é esperado dos sindicatos.

Na contramão disso, o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical (imposto sindical) inicia o enfrentamento da questão pelo lado torto. Não veio, antes, a liberdade de auto-organização. Ao contrário. A nova lei apenas retira o oxigênio de uma parcela importante dos sindicatos, tanto laborais quanto empresariais, ao mesmo tempo em que comete às entidades dos trabalhadores várias outras atribuições e encargos de representação, sem assegurar os meios necessários.

Sem detalhar as atuais fontes de custeio dos sindicatos e os “problemas” que elas já enfrentam ou irão enfrentar na nova conjuntura, um brevíssimo resumo esclarece e ajuda a entender as dificuldades que as entidades sindicais enfrentarão para se manterem atuantes, especialmente as laborais.

Por essa razão fazemos uma breve passada pelas atuais quatro fontes, fixando-nos nas formas legais e/ou usuais vigentes. Contudo é preciso reconhecer que, ao lado dessas e por caminhos laterais, a criatividade tem imperado. No setor obreiro, “contribuições” negociadas sob títulos muito criativos, como Taxa para Fundo de Inclusão Social já não são raras. Do lado empresarial, que administra o Sistema “S”, quem imaginar risco de “confusão institucional” não estará vendo fantasmas.

Contribuição Sindical (artigo 578 e seguintes da CLT): com o fim da obrigatoriedade, na prática, essa controversa fonte irá secar. Esse fato, por si só, determinará a extinção de número ainda desconhecido de entidades sindicais, não só obreiras.

Contribuição Confederativa (artigo 8º, inciso IV, CF): ao lado de variados abusos cometidos por entidades de alguns setores, essa contribuição restou limitada aos filiados por decisão do Supremo Tribunal Federal, cuja jurisprudência está consolidada na Súmula Vinculante 40 (“A contribuição confederativa de que trata o artigo 8º, IV, da Constituição Federal, só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo”), o que equivale, frente ao baixo índice geral de filiações sindicais, tê-la como pouco eficaz sob o ponto de vista de arrecadatório.

Mensalidades dos Filiados (previsão estatutária de cada entidade): trata-se de fonte voluntária e direta, e por isso tem alta legitimidade, mas bastante limitada sob o ponto de vista da arrecadação. Salvo exceções em setores bem organizados, que ostentam sindicatos com índices consideráveis de filiações, o conjunto tem baixa adesão. E isso por várias razões: desorganização e burocratização internas, falta de legitimidade política das direções, pulverização da categoria profissional em razão da distribuição territorial e/ou dos locais de trabalho, e, marcantemente, altas taxas de rotatividade no emprego. Vale ressaltar que alguns direitos – e também deveres – são próprios dos filiados (ou associados, como querem alguns), não alcançando os demais integrantes da categoria, como, por exemplo, votar e ser votado nas eleições sindicais, participar de assembleias gerais que definem orçamento, o valor da mensalidade ou examinam as contas da gestão, etc.

Contribuição Assistencial (definida nas negociações coletivas): modalidade histórica de contribuição, com alto grau de legitimidade e que, de longe, sempre foi a principal fonte de custeio dos sindicatos. Coletiva, tem ela algumas peculiaridades que a diferencia das duas primeiras e que merecem registro. Primeiro, decorre de norma coletiva firmada em momentos de negociações salariais e de condições de trabalho. Nesses momentos a representação dos empregados goza de alta legitimidade e a vida sindical se faz mais viva. Segundo, as vantagens e benefícios previstos nas normas coletivas firmadas pelos sindicatos (dissídios, convenções e acordos coletivos) alcançam todos os integrantes da categoria envolvida, e não apenas os filiados. Terceiro, das assembleias gerais da revisão anual na data-base – que definem a pauta de reivindicações, deflagram greves, aprovam propostas e autorizam “fechar acordo” – participam todos os integrantes da categoria, e não apenas os filiados. Quarto, essas tratativas coletivas definem reajuste salarial, aumento real e toda sorte de cláusulas de condições de trabalho e de benefícios sociais (vale-refeição, assistência médica, seguro saúde, proteção a acidentes do trabalho, auxílios escolar e funeral, dentre tantos outros) a favor de todos os integrantes da categoria profissional, filiados e não filiados, repita-se. Essas normas, como resultado do movimento reivindicatório, além das vantagens, também definem a contribuição geralmente denominada assistencial.

Em resumida análise no plano dos fatos, mas com repercussão na esfera jurídica de cada integrante da categoria, temos que todos os trabalhadores são convocados a participar das discussões e votações das cláusulas, e todos – filiados ou não – são beneficiados com as vantagens obtidas. E, por serem “sujeitos passivos” das vantagens, devem ser igualmente “sujeitos passivos” para responder com a sua cota-parte nos gastos da entidade sindical com a campanha salarial. Igualmente, devem prover o sindicato com os recursos financeiros necessários para, no jargão sindical, “fazer valer”, na prática, a norma coletiva firmada. Sim, tal qual a lei, a simples existência da norma coletiva não é bastante para a sua efetivação.

Se assim foi ao longo de décadas, com a justa distribuição dos “bônus” e dos “ônus” entre filiados e não filiados, o que mudou quanto a essa fonte de custeio, de modo que , agora, o custo fique restrito aos filiados? Certamente, a jurisprudência trabalhista nas ações civis públicas ou anulatórias de cláusulas com previsão de contribuição assistencial. O acolhimento de muitas dessas ações pelo Judiciário Trabalhista ensejou a jurisprudência restritiva que hoje predomina sobre a matéria, em especial pelo Precedente 119 do Tribunal Superior do Trabalho e, mais recentemente, pelo próprio STF.

Em fevereiro último, provendo o Agravo e julgando o RE 1.018.459 RG/PR, por unanimidade, o STF considerou a questão constitucional e reconheceu a existência de repercussão geral da matéria suscitada. No mérito, por maioria, reafirmou a jurisprudência dominante da Corte. Em outras palavras, decidiu que, da mesma forma que a Contribuição Confederativa (tema da Súmula Vinculante 40), também a contribuição assistencial não pode ser cobrada compulsoriamente dos não filiados, por não ostentar a natureza de tributo, por violação do princípio da legalidade tributária.

Ademais, essa contribuição compulsória importaria filiação involuntária, em ofensa aos dispositivos constitucionais que garantem a liberdade de associação (artigo 5º/XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado) e de filiação a sindicato (artigo 8º/V – ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato).

Como se vê, o STF decidiu com base nos dispositivos constitucionais que consagram a liberdade de associação e de filiação, embora o voto do relator, ministro Gilmar Mendes, tenha incluído nos fundamentos um rápido cotejo com um outro dispositivo da mesma Constituição Federal (artigo 7º, inciso XXVI), que, ao determinar o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, consagra a autonomia da vontade coletiva.

Contudo, não é desarrazoado pensar que, numa ação de controle concentrado, pudesse o Supremo revisitar o tema definido na repercussão geral, a partir do confronto dos princípios constitucionais da liberdade de filiação e da autonomia da vontade coletiva, sem esquecer a cláusula da isonomia, pois quem tem os bônus, deve também arcar com o ônus.

A inspiração, aqui, é a Lei 13.467/2017. Por isso, é necessário o registro de dois outros aspectos da nova lei que impactam o cenário sindical brasileiro. O primeiro, a exigência de autorização expressa do empregado para qualquer desconto determinado pelo sindicato, diferentemente do que previa a alínea “e” do artigo 513 da CLT.

O segundo, a Lei 13.467 potencializa a atuação e cria novas “atribuições” para os sindicatos, do que são exemplos o artigo 507-B e, especialmente, o novel artigo 611-A, face a evidente ampliação da demanda e da responsabilidade das entidades laborais, entre outras.

Desenhada a moldura do problema, agora já com o poder dos sindicatos de impor contribuições condicionado à autorização individual do empregado, como previsto na nova disciplina que vigorará a partir de novembro, a busca é por uma solução jurídica que compatibilize a convivência da liberdade de filiação e a autonomia da vontade coletiva.

O período da vacatio legis tem ensejado reiteradas notícias de tratativas entre o Poder Executivo e as centrais sindicais visando “atenuar e regulamentar” dispositivos da Lei 13.467/2017. Entre um aspecto e outro da nova lei, nessas discussões estaria incluída a questão do custeio sindical, com a extinção da contribuição sindical ou mesmo a instituição de uma aprimorada contribuição negocial.

Enquanto seguem essas tratativas, é de se imaginar que, ao lado disso, o Ministério do Trabalho esteja ocupado em enfrentar – e de certa forma disciplinar – a existência apenas formal de um número desconhecido de sindicatos notoriamente ilegítimos e que tem vida, tão somente, para receber alguma cota do “imposto sindical”. Há entidades que jamais estabeleceram qualquer negociação ou firmaram alguma norma coletiva.

Com qualquer uma das duas soluções, ou com nenhuma, a confusão é geral e o problema de fundo permanecerá.

A extinção gradativa em dois ou três anos da obrigatoriedade do imposto sindical, de possibilidade remota, apenas estabelecerá um período de transição, o que conferirá sobrevida a uma parte dos sindicatos hoje existentes.

Em outra ponta, a instituição de uma contribuição negocial distinta, embora possa trazer alguns parâmetros minimamente razoáveis para evitar abusos, além do que está disposto no artigo 611-B, inc. XXVI in fine, da Lei 13.467, padecerá de potencial questionamento de inconstitucionalidade perante o STF, pois não terá natureza tributária e, por via de consequência, dependerá de previa autorização do empregado.

Pode-se contraditar a análise com o argumento de que, havendo legitimidade do sindicato, a categoria empregada irá, majoritariamente, autorizar individualmente a contribuição definida na norma coletiva. Ocorre que os fatos, no cotidiano, não se dão dessa forma, e a experiência mostra isso. Entre os vários fatores individuais de cada empregado que militam contra qualquer desconto no salário, no local de trabalho ainda tem atuado outros atores, inclusive, a estrutura administrativa do empregador que elabora listas de assinaturas que podem circular no ambiente de trabalho desautorizando o desconto.

A configuração da representação do trabalhador – individual e coletivamente considerado no ambiente de trabalho e fora dele – irá mudar com o advento da nova lei, e o Brasil passará a conviver com uma nova realidade.

Em arremate conclui-se que os sindicatos, mais do que nunca, precisarão ter legitimidade perante seus representados para enfrentar os novos desafios. Mas, para isso, terão que contar com fontes de custeio adequadas, transparentes e que sejam democraticamente fixadas pelos interessados.

A paridade de meios entre as representações dos empregadores e dos empregados é um imperativo civilizatório.

Há alternativa que compatibiliza a liberdade de filiação e a autonomia da vontade coletiva. Essa alternativa, contudo, deve ser buscada por todos os interessados e, fundamentalmente, no lugar certo.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!