Inércia castigada

Não cabe multa por descumprimento de contrato tolerado por anos

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27 de outubro de 2017, 17h42

É indevida a cobrança de multa por descumprimento de contrato que foi tolerado durante anos. O entendimento é da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao negar um recurso movido pela Petrobras.

A companhia buscava indenização por conta de um contrato de promessa de compra e venda de quantidades mínimas mensais de combustíveis celebrado com um posto de gasolina em 1989. Porém, durante toda a relação comercial — de cerca de seis anos —, o posto de gasolina nunca atingiu a meta mínima mensal.

O Tribunal de Justiça de São Paulo considerou abusiva a cláusula contratual. Além disso, ressaltou que a Petrobras Distribuidora nunca se insurgiu contra a quebra de contrato, criando no posto de gasolina uma confiança justificada de que não exerceria o direito estipulado. Somente quando o posto quis romper o contrato é que a Petrobras ajuizou ação para cobrar a multa compensatória, afirmando ter havido violação de cláusula.

STJ
Segundo Salomão, é impossível aplicar as normas do CDC ao conflito entre empresas.

Segundo o relator do caso no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, a inércia em exigir o cumprimento da obrigação contratual pactuada, durante a relação comercial, configurou as figuras da supressio — inibição de um direito, até então reconhecido, pelo seu não exercício — e da surrectio — a aquisição de um direito pelo decurso do tempo, pela expectativa legitimamente despertada por ação ou comportamento.

“O longo transcurso de tempo sem a cobrança da obrigação de compra de quantidades mínimas mensais de combustível suprimiu, de um lado, a faculdade jurídica da autora de exigir a prestação e, de outro, criou uma situação de vantagem para o posto varejista, cujo inadimplemento não poderá implicar a incidência da cláusula penal compensatória contratada”, explicou o relator.

O ministro destacou ainda ser impossível aplicar as normas do Código de Defesa do Consumidor à relação jurídica existente entre postos de combustível e distribuidores, pois os postos não se enquadram no conceito de consumidor final.

Para Salomão, a obrigação pactuada não pode ser classificada como ilegal ou abusiva, pois o contrato entre o posto e a distribuidora foi firmado antes do advento da Lei 8.884/94 (posteriormente revogada pela Lei 12.529/11), que dispôs sobre a prevenção e repressão das hipóteses de infração à ordem econômica, como a imposição da compra de quantidades mínimas ou máximas de algum produto.

Mesmo assim, segundo o ministro, a tolerância passiva da Petrobras com o descumprimento da cláusula durante a vigência do contrato impede a exigência retroativa do direito não exercido.

“A constatação da higidez da obrigação originariamente pactuada não conduz ao reconhecimento do direito da distribuidora de cobrança da cláusula penal compensatória objeto da inicial. Isso porque, consoante devidamente delineado na origem, durante os quase seis anos da relação mercantil, o posto varejista não atingiu a compra mínima mensal estipulada, o que, contudo, não ensejou qualquer insurgência por parte da distribuidora, que somente rompeu o silêncio após a denúncia unilateral exercida, regularmente, pelo réu”, explicou o ministro, ao negar o recurso especial.

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