Infiltração desastrada

Condenação por tráfico é anulada porque policial foi autorizado a comprar drogas

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14 de outubro de 2017, 7h19

Agente policial infiltrado em organização criminosa não pode para comprar drogas para provar os crimes investigados. A conduta, ainda que autorizada judicialmente, não tem previsão nas leis 11.343/2006 e 12.850/2013 e leva à anulação da investigação. Com base neste fundamento, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul derrubou a condenação de três pessoas denunciadas por tráfico de drogas na cidade de Sarandi.

“Não havia previsão de autorização legal para prática de crimes, o que não pode ser inferido da necessidade de delimitação do alcance das tarefas dos agentes infiltrados”, disse o desembargador Sérgio Miguel Achutti Blattes em seu voto. “Não se pode confundir procedimento de infiltração de agentes com aquisição de drogas. São coisas distintas, com efeitos diversos”, completou.

Diante da falta de provas válidas para embasar a condenação, a maioria do colegiado aceitou as apelações e absolveu os réus, conforme o que determina o artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

O Ministério Público denunciou um casal e o namorado da filha por tráfico de drogas (artigo 33 da Lei 11.343/2006). Para identificar os envolvidos e provar o armazenamento e fornecimento de entorpecentes, a polícia pediu e conseguiu autorização judicial para se infiltrar na casa da família — a infiltração policial e o flagrante prorrogado são previstas na Lei 11.343/06, especificamente em seu artigo 53, incisos I e II.

Com isso, no curso de investigação, um dos policiais infiltrados na operação adquiriu do namorado da adolescente uma porção de 1,2 grama de cocaína por R$ 50. A autorização para a compra da droga estava prevista no despacho assinada pela juíza Andreia dos Santos Rossatto, da Vara Judicial da Comarca de Sarandi, que liberou até R$ 4 mil em recursos do juizado especial criminal da comarca.

Denúncia procedente
Em sentença de outubro de 2015, a juíza deu total procedência à denúncia do MP, condenando duramente os três réus (a filha era menor à época dos fatos). O namorado foi sentenciado a 10 anos e 10 meses de cadeia; a mãe e o pai, a 9 anos e 8 meses de reclusão, além do pagamento de multa. Todos em regime inicial fechado.

“Em que pese tenham os réus negado, em seus interrogatórios, a prática dos fatos descritos na denúncia, a versão por eles sustentada não encontrou respaldo nas provas produzidas no curso da instrução, notadamente pelas imagens de fotografias e filmagens da compra de drogas na casa dos réus, bem como pelas declarações das testemunhas ouvidas, conforme examinado”, escreveu na sentença.

Para a juíza, os relatos de dois delegados e de um inspetor de polícia permitem concluir que os denunciados atuavam de forma organizada para o comércio de drogas, caracterizando o delito de associação para o tráfico. Além disso, ela não encontrou indícios de que os policiais tivessem interesse em prejudicar os réus. Ou seja, o fato de serem policiais, por si só, não atenta contra a veracidade de seus depoimentos.

“Os precisos relatos das testemunhas foram confortados pelos relatórios de serviços oriundos da Delegacia de Polícia e pelas filmagens de compra de drogas na casa dos réus”, explicou a magistrada.

Alegação de nulidade
Em recurso, a defesa alegou que a decisão que autorizou as medidas de ação controlada (infiltração policial, captação ambiental e compra de drogas) fundamentou-se apenas em denúncias anônimas. Também argumentou que houve violação do princípio da especialidade da prova, já que o juízo deixou de especificar os limites da atuação da autoridade policial, que teve “carta branca” para atuar. Além disso, a conduta praticada constitui crime impossível, pois a ação do policial infiltrado confundiu-se com a de agente provocador.

O relator das Apelações na 3ª Câmara Criminal, juiz convocado Sandro Luiz Portal, afastou as preliminares suscitadas e confirmou, em exame de mérito, os mesmo termos da sentença condenatória. Para ele, o fato de terem sido autorizadas as medidas requeridas pela autoridade policial, por si só, não caracteriza nulidade da prova produzida. Afinal, as medidas foram autorizadas com base na Lei 9.034/1995, vigente à época e posteriormente sucedida pela Lei 12.850/2013, que não as veda de forma ampla.

Portal ressaltou que a ação infiltrada foi autorizada mediante fundamentada decisão judicial, sem qualquer ilegalidade ou irregularidade por ocasião dos flagrantes. “Tampouco há que se falar em crime impossível diante do flagrante esperado, pois se trata o tráfico de drogas de delito permanente, que se prolonga no tempo, desimportando que o ato de mercancia tenha se dado perante policial infiltrado”, anotou no voto.

Divergência
O desembargador Sérgio Miguel Achutti Blattes abriu divergência e deu razão à preliminar suscitada pela defesa em relação à nulidade de provas. Para ele, até a autorização da ação controlada, só havia informações anônimas sobre suposta ocorrência do crime de tráfico.

O magistrado também registrou que as providências autorizadas pelo juízo de primeiro grau deveriam ter sido fundamentadas, já que envolve direitos fundamentais como intimidade e inviolabilidade das comunicações.

Blattes observou que a Lei 11.343/06, que atualmente regula o procedimento de infiltração (artigo 53), não autoriza o policial o policial a adquirir drogas. Nem a Lei 9.034/95, vigente à época do pedido formulado, continha esta possibilidade.

Assim, diante da ausência de outras provas válidas que pudesse confirmar a condenação, a defesa conseguiu a absolvição dos réus. O desembargador foi seguido pelo colega pelo colega Diógenes Vicente Hassan Ribeiro.

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