Espetacularização penal

Suicídio de reitor mostra que vivemos histeria coletiva, diz desembargador

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5 de outubro de 2017, 16h02

“Só a tragédia pode chamar a atenção de uma população que vive uma histeria coletiva.” A frase é do desembargador Lédio Rosa de Andrade, magistrado no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ao comentar o suicídio de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina.

Também professor de Direito da UFSC, Andrade definiu a morte de seu amigo como um sinal de que o fascismo está crescendo junto com o abuso de autoridade punitivista que busca popularidade.

Bilhete encontrado no bolso do reitor após ele se jogar de vão de shopping. 

"Achávamos que tínhamos derrubado a ditadura. Cometemos um erro. Porque os ditadores de espírito nunca morrem, eles estão sempre aí. Estão aqui neste momento, alguns deles. Esperando a hora de voltar, sempre", desabafou Andrade, que classificou o momento é grave e necessita de ação.

O professor de Direito falou sobre a necessidade de se combater o que vê como práticas fascistas que vêm tomando conta do Brasil. "Esta noite fiquei a pensar quando a humanidade errou e não parou Hitler no momento certo, quando a humanidade errou e não parou Mussolini no momento certo… Eles estão de volta. Será que vamos errar de novo e vamos deixá-los tomar o poder? A democracia não permite descanso. Eles [os fascistas] estão de volta. Temos que pará-los", completou.

Andrade também falou do papel da imprensa no processo que levou o reitor Cancellier ao suicídio. "Em nome da liberdade de imprensa, se exerce a liberdade de empresa privada para impor desejos privados à coletividade. Em nome da liberdade de julgar, neofascistas humilham, destroem, matam", destacou.

Assista abaixo ao discurso do desembargador:

Justiçamento e antecipação de pena 
Outra manifestação de apoio ao reitor veio do Instituto dos Advogados Brasileiros, que aprovou uma nota de pesar e repúdio, assinada pelo presidente nacional, Técio Lins e Silva, pela morte de Cancellier.

De acordo com a nota do IAB, de iniciativa do diretor e membro da Comissão de Direito Penal, João Carlos Castellar, o reitor foi vítima fatal do que chamaram de processo penal do espetáculo.

“O IAB repudia atos de justiçamento público, antecipação de penas privativas da liberdade e quaisquer decisões judiciais tomadas em desrespeito aos princípios da presunção da inocência e da ampla defesa, alicerces maiores do devido processo legal”. (Clique aqui para ler a nota do IAB). 

Discussão técnica e prisão 
Cancellier foi preso acusado de estar obstruindo a investigação de esquema de desvio de verbas que deveriam ser aplicada em bolsas na UFSC. O suposto esquema teria ocorrido em gestões anteriores à sua. O reitor foi preso preventivamente para depor, porém, sequer havia sido convocado para prestar explicações. Nem direito a uma condução coercitiva lhe foi dado.

Além de preso, Cancellier ficou proibido de frequentar a universidade. Os jornais noticiaram um esquema de desvio de R$ 80 milhões. Porém, essa era a verba destinada a todo o programa. O suposto desvio seria de R$ 400 mil.

Deivid Willian dos Prazeres, advogado de Cancellier, conta que a alegada obstrução foi feita sob orientação técnica jurídica. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) informou que pararia seus repasses se a UFSC não apurasse o desvio. O reitor consultou a procuradoria da universidade, que o aconselhou a determinar que a Advocacia-Geral da União investigasse.

Diante desse cenário, a corregedoria da universidade abriu processo administrativo afirmando que o professor estava obstruindo as investigações. A Polícia Federal foi acionada à partir desse processo administrativo e acabou por pedir a prisão do reitor.

Em vida, Cancellier se mostrava perplexo com o rumo que tudo tinha tomado. Para ele, era uma discussão técnica sobre se a investigação deveria ser feita pela corregedoria da universidade ou pela AGU.  E ele sempre lembrava que agiu sob orientação da procuradoria da UFSC. 

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