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Suicídio de reitor da UFSC mostra face da cruzada cega "contra a corrupção"

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2 de outubro de 2017, 17h19

Um ponto de virada na percepção pública da operação mãos limpas, tida como inspiração da "lava jato", foi quando empresários italianos acusados de corrupção passaram a cometer suicídio. Do outro lado do Atlântico, no hemisfério oposto, mais de 20 anos depois, o Brasil vive o auge de sua cruzada particular "contra a corrupção". A tragédia de um acusado tirar a própria vida ainda não tinha acontecido — até esta segunda-feira (2/10).

Luiz Carlos Cancellier de Olivo, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, foi ao vão central do Shopping Beiramar em Florianópolis e se atirou. Ele era acusado de atrapalhar as investigações da Corregedoria da UFSC sobre suposto desvio de R$ 80 milhões que seriam usados em cursos de Educação a Distância (EaD) da universidade. Por causa das suspeitas, ele e outras seis pessoas foram presas no dia 14 de setembro. Sua prisão foi decretada pela juíza Janaina Cassol Machado, da 1ª Vara Criminal da Justiça Federal em Florianópolis.

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“Minha morte foi decretada no dia da minha prisão”, teria escrito reitor, antes de se matar.
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Citando fonte da Polícia Civil, o jornal Diário Catarinense diz que Olivo deixou um bilhete: “Minha morte foi decretada no dia da minha prisão”.

Ao se manifestar sobre o caso, a seccional de Santa Catarina da Ordem dos Advogados do Brasil afirmou ser “chegada a hora da sociedade brasileira e da comunidade jurídica debaterem seriamente a forma espetacular e midiática como são realizadas as prisões provisórias no Brasil, antes sequer da ouvida dos envolvidos, que dirá sua defesa”.

A entidade alertou para o perigo de reputações serem destruídas com uma única manchete de jornal.

Um bom negócio midiático 
O problema é enfatizado pelo jornalista Mário Rosa, em entrevista à ConJur. Consultor de crises de políticos e empresários, Rosa acordou numa manhã de junho de 2016 com a Polícia Federal batendo em sua casa.

Era uma busca e apreensão da operação acrônimo, que investiga suposto esquema de corrupção envolvendo o ex-ministro e governador de Minas, Fernando Pimentel (PT). A consultoria de Rosa contratara a assessoria de imprensa de Carolina Oliveira, mulher de Pimentel. A PF encontrou notas de pagamento de uma empresa a outra e queria checar as conexões. Para isso, colocou o jornalista no centro da operação, com toda a pompa reservada ao que a corporação define que será um "escândalo".

A PF ainda estendeu suas buscas para mais de dez empresas com as quais Rosa tinha negócios. “Meu casamento acabou e perdi muitos dos meus contratos, tudo sem sequer ter sido julgado”, afirmou.

Rosa tem uma teoria: a destruição de reputações por meio de acusações de corrupção se tornou um bom negócio. Por um lado, Polícia Federal e Ministério Público aparecem como paladinos da Justiça e ganham capital social. Por outro, a imprensa recebe, de forma gratuita, sem qualquer investimento em reportagens e investigações, informações cuja divulgação é do interesse dos acusadores. Isso aumenta a audiência, pois o público sempre se interessou por enforcamentos em praça pública.

Assim, mesmo que não sejam importantes para o país, os escândalos fabricados geram interesse público e engordam as receitas de publicidade.

Com essa supervalorização das acusações, qualquer crítica a operações e excessos soa como conivência e estímulo à corrupção.

Onda moralista
O rolo compressor da imprensa é, inclusive, tema de artigo publicado pelo diretor da ConJur Márcio Chaer nesta segunda-feira. “Na ausência de outros elementos, a suspeita sobre o alvo é inaugurada com uma notícia da cisma. A suposição se torna convicção quando o inquérito é aberto ou a denúncia é apresentada. O rolo compressor chega ao juiz com força irresistível. O resultado já se sabe qual será”, escreveu.

Chaer alerta que onda moralista avança e em outras épocas e outros lugares teve outros nomes: macarthismo, inquisição, dulcinismo ou fascismo. A nova estrela de David costurada na roupa é ser taxado como inimigo da operação “lava jato”. Para isso, basta qualquer crítica à condução das investigações.

O desfecho é pouco animador:

Ao descrever a chama de um fósforo como se fora a floresta amazônica incendiada, a imprensa leva um general desinformado e voluntarista a dizer que os militares podem tomar o poder para conter tanta corrupção. Se um general de Exército não compreende a ilusão de ótica produzida pelo populismo de jornalistas que fraudam notícias, quem compreenderá?

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