Opinião

Abuso de direito é um limite ao direito de reclamar do consumidor

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26 de março de 2017, 10h15

O avanço tecnológico possibilitou uma maior interação entre as pessoas, principalmente considerando com as redes sociais. Alegrias, medos, insatisfações e diferentes sensações são externadas na internet, a fim de compartilhar os sentimentos com os amigos, conhecidos e familiares. No que tange às relações de consumo, não poderia ser diferente: aquele produto que chegou no prazo e atendeu as expectativas merece elogios, a loja pontual deve ser recomendada aos demais clientes.

Quando o cenário é marcado pela insatisfação, as críticas são lançadas nas redes sociais, com o intuito de demonstrar os vícios nos produtos ou serviços prestados/adquiridos, mecanismo de busca por um auxílio na recuperação dos prejuízos, bem como alertar aos potenciais clientes acerca dos problemas que eles poderão vivenciar no futuro. Não há que se falar, em um primeiro momento, em responsabilização civil pelos comentários feitos na internet.

No entanto, quando as reclamações assumem a feição de abuso no exercício do direito de expor os desagrados vivenciados, o consumidor poderá ser responsabilizado civilmente pelos excessos cometidos. O abuso de direito é, portanto, um limite ao direito de reclamar.

Dentre as cláusulas gerais existentes no Código Civil, destaca-se aquela insculpida no art. 187, na qual são definidos os contornos do abuso de direito de forma explícita.
Observa-se também a ampliação do instituto, sendo aliado ao princípio da boa-fé e aos bons costumes, não mais apenas ao fim social ou econômico do direito.

 Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Para que uma determinada conduta amparada no exercício de um direito seja considerada abusiva, por ser contrária às finalidades econômicas e sociais do direito, à boa-fé ou aos bons costumes, determinados elementos hão que se fazer presentes, os quais: i) o exercício de um direito, ii) contrariedade às finalidades econômicas/sociais do direito, boa-fé ou aos bons costumes, iii) dano causado a outrem, iv) nexo causal entre a conduta e o dano[1].

O primeiro requisito diz respeito ao exercício regular de um direito, pressupõe a prática de uma conduta lícita, amparada, prima facie, pelo ordenamento jurídico. O abuso de direito surgirá do desvirtuamento dos valores até então regulares, consubstanciando em dano a outrem e portanto o dever de reparar. Ressalta-se que os atos ilícitos, por já nascerem contrários aos valores insculpidos nas legislações não podem ser considerados como abusivos a um direito, ante a revestida ilegalidade. Neste sentido, casos de engano não são exemplos de abuso de direito, uma vez que inexiste direito regular de enganar, ou seja o ato é ilícito por vício de consentimento, não se filiando ao instituto estudado.

Já o segundo requisito está relacionado com o ato controverso, definido por ser contrário às finalidades econômicas e sociais do direito, boa-fé ou aos bons costumes, na esteira do que foi positivado no art.187 do Código Civil.

A boa-fé citada no dispositivo legal refere-se à acepção objetiva, de forma que constitui uma pauta de conduta, um princípio jurídico cujas regras definem uma determinada atuação das partes em suas relações, impondo valores éticos e sociais de cooperação e lealdade, que devem ser seguidos atentando a um fim comum.

Os bons costumes são definidos como determinadas formas de agir relacionadas com as convicções e a moral de uma determinada sociedade. Não se confunde com costumes, que diz respeito ao direito consuetudinário, ligado à ideia de uso reiterado por determinada comunidade acreditando ele ser obrigatório.

O terceiro e quarto requisitos estão relacionados com o dano causado a outrem em virtude da conduta abusiva. A configuração do instituto requer, necessariamente, que do ato praticado decorra necessariamente um dano a terceiro. Nesta linha de raciocínio, o abuso de direito, não se confunde com eventuais excessos, com a extravagância, pois se isto houver sem que ocorra dano, não incidirá a norma do artigo 187 do Código Civil, mas, no máximo, haverá apenas um mau exercício do direito.

De outro lado, mesmo que o prejuízo não tenha sido à pessoa determinada, pode restar caracterizado o abuso de direito quando houver dano à coletividade, isto é, os prejudicados podem ser indeterminados, mas o dano tem de ser certo, pois um dano eventual não constitui elemento para caracterizar o abuso de direito.

Nesta seara, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), no seu art. 4º, III, estabelece a boa-fé como princípio norteador nas relações de consumo. Nas relações negociais consumeristas deve estar presente o justo equilíbrio, em uma correta harmonia entre as partes, em todos os momentos relacionados com a prestação e o fornecimento.

Muito embora a maioria das condutas abusivas esteja relacionada com a prática de atos por parte dos fornecedores ou prestadores de serviços, nada obsta que o consumidor seja também agente ativo, agindo, portanto, ilicitamente.

As críticas tecidas nas redes sociais devem ser pautadas pelo interesse legitimo, sobretudo marcado por cuidados e veracidade nas afirmações. O ideal é buscar uma solução amigável antes das reclamações na internet ou então utilizar sites especializados na solução de conflitos de consumo. Palavras de baixo calão, críticas acentuadas e alegações de fatos inverossímeis podem ensejar a reparação por danos morais e materiais para a pessoa física/jurídica afetada.

De acordo com o Procon-SP, as redes sociais estão, de certo modo, substituindo o atendimento pós-venda que não recebe grandes investimentos por parte das empresas. A utilização não deve ser banalizada: As pessoas precisam buscar informação correta sobre seus direitos nos órgãos de defesa do consumidor. E não podem extrapolar ao usar esse canal, que é muito positivo, inclusive para o mercado. [2]

Estes casos chamam a atenção de especialistas na área de defesa do consumidor, já que, o cliente é considerado a parte mais vulnerável da relação de consumo. Mas limites têm de ser observados. A informação, seja ela verdadeira ou falsa, alcança um número significativo de pessoas em segundos, devendo a atenção nas postagens ser redobrada. As redes sociais podem construir ou destruir reputações rapidamente.

Neste sentido, importante compartilhar um julgado proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal[3]: “O excesso de linguagem em publicações nas redes sociais e sítios de reclamações de consumidores desborda da mera exposição do pensamento para tornar-se ofensa à honra objetiva, inobstante tratar-se de pessoa jurídica, amplamente divulgada na internet, com a intenção confessada de compeli-la a realizar sua vontade, configura dano moral. […]. Embora a divulgação de uma reclamação na internet tenha uma abrangência que não se pode precisar o tamanho, as empresas que colocam produtos e serviços no mercado estão naturalmente sujeitas a críticas e reclamações. O que não se admite, e que efetivamente configurou o ilícito, é o excesso de linguagem apto a ofender indevidamente a reputação da pessoa jurídica de maneira significativa. Não se deve perder de vista a assimetria da relação jurídica travada entre fornecedor e consumidor hipossuficiente, e, inobstante a conduta excessiva da ré, pelas regras de experiência, é possível concluir que a loja poderia ter dado rumo diferente ao acontecido, mediante o esclarecimento detalhado e cuidadoso das condições dos móveis vendidos, da atenção na hora da entrega, e mesmo da cortesia e distinção que se espera de uma loja que vende produtos desse padrão.”

Portanto, o consumidor deve ter prudência nas reclamações e atestar o que de fato realmente aconteceu, eventuais exageros e críticas acentuadas podem configurar abuso de direito e ensejar a responsabilização civil. Ademais, recomenda-se, fortemente, a solução amigável antes de serem tomadas ações mais drásticas.


[3] TJDF, Acórdão n.882487, 20140111789662APC, Relator: HECTOR VALVERDE SANTANNA, 6ª Turma Cível, Data de Julgamento: 15/07/2015, Publicado no DJe: 28/07/2015.

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