Ambiente Jurídico

A jurisprudência sustentável e o jurista Antonio Herman Benjamin

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25 de março de 2017, 8h10

Spacca
No Direito Ambiental brasileiro, ao contrário do norte-americano, muitas vezes o aspecto acadêmico anda dissociado da vida forense. É por demais relevante a atividade do advogado, do representante do Ministério Público e do juiz no complemento da vida acadêmica, e, de outro lado, a experiência do professor de Direito pode ser muito importante na atividade prática do exercício da advocacia, da atuação do Ministério Público e na atividade jurisdicional. Aliás, Richard Posner escreveu relevante obra recentemente pela Harvard University Press, Divergent Paths: The Academy and the Judiciary, imprimindo nesta a sua experiência como juiz federal e professor, referindo justamente isso.

Essa relação positiva está bem demonstrada na carreira de um brasileiro: o ministro Antonio Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça.

Nascido e criado em Catolé do Rocha, na Paraíba, até os 12 anos, foi encaminhado pelos pais ao Rio de Janeiro para estudar, formando-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1980. Concluiu o mestrado em direito (LL.M.) pela University of Illinois College of Law em 1987.

Desde 1995, é professor visitante da Faculdade de Direito da Universidade do Texas, onde leciona Direito Ambiental. De 1999 a 2001, foi professor visitante da Faculdade de Direito da Universidade de Illinois e  é professor da Universidade Católica de Brasília.

De 1982 a 2006, foi membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. De 1983 a 1984, foi promotor de Justiça titular em Bananal, Santa Isabel e Santo André e da capital paulista, de 1984 a 1994, quando foi promovido ao cargo de procurador de Justiça. Integrou, de 1988 a 1990, a comissão de juristas que redigiu o Código de Defesa do Consumidor, e de 1996 a 1998 foi membro e relator-geral da comissão de juristas no Ministério da Justiça responsável pelo projeto da Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente.

De 1996 a 2000, foi coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente e, em 2006, foi eleito coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Direitos do Consumidor (Cenacon). De 2001 a 2006, foi conselheiro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), indicado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Foi nomeado para o Superior Tribunal de Justiça no ano de 2006, como um jurista consagrado e de respeitabilidade internacional no Direito Ambiental por sua seriedade, preparo técnico e experiência prática neste ramo do Direito, enquanto representante do Ministério Público.

Analisada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, outrora mais conservadora em matéria ambiental, hoje é um dos sodalícios com leading cases altamente progressistas e referência em todo o mundo na seara da tutela do meio ambiente e na promoção da sustentabilidade, em especial nesta era das mudanças climáticas. Evidentemente, os ministros que construíram essa jurisprudência, ao longo dos anos, também são responsáveis por esses precedentes, mas dificilmente essa benfazeja evolução teria ocorrido com tal dimensão sem a prestação jurisdicional qualificada e os grandes debates proporcionados pelo ministro Antonio Herman Benjamin.

Vejamos que o Superior Tribunal de Justiça tem adotado, nos dias atuais, uma jurisprudência que tutela o meio ambiente como bem jurídico autônomo. Em várias situações, isso pode ser verificado claramente. A primeira delas é o reconhecimento da inversão do ônus da prova processual contra o suposto poluidor/predador para que ele demonstre que a sua atividade não causa danos ao meio ambiente. Com efeito, por possuir melhores informações acerca da ação supostamente perigosa e ser o causador de riscos por sua atividade, deve o empreendedor comprovar que o meio ambiente e a coletividade não estão sujeitos a riscos ou a ameaças de dano. Nesse sentido, a jurisprudência tem entendido como aplicável o artigo 6º, inciso VIII, da Lei 8.078/90 em casos concretos[1] envolvendo matéria ambiental, visto que os direitos metaindividuais são tutelados por um complexo de normas processuais componentes de um microssistema que engloba as leis 4.717/65, 7.385/85 e 8.078/90[2].

No mesmo sentido, o STJ adotou a teoria do risco integral na verificação do dano ambiental. Basta a prova do dano e do nexo causal para que esteja presente o dever de indenizar. A corte superou a teoria do risco-proveito, porquanto não aceita excludentes da responsabilidade civil, como a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito e de força maior e a cláusula contratual que prevê a prerrogativa de não indenizar[3].

O STJ também reconheceu a imprescritibilidade da ação que visa à reparação do dano ambiental, tendo em vista as peculiaridades do dano que se espraia e supera limites de tempo e espaço. É uma posição que visa dar máxima eficácia ao princípio da reparação do dano ambiental e colocar um mecanismo à disposição do Estado, da coletividade e do indivíduo capaz de tutelar o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado em uma perspectiva intergeracional[4]. Objetiva-se a reparação e a restauração do bem ambiental a qualquer tempo e impedir atividades de desenvolvimento insustentáveis. Mister é abandonar o comodismo no que tange às áreas degradadas e superar a aceitação passiva de tais áreas como fatos juridicamente consumados.

Por fim, superando a teoria da falta do serviço, o Superior Tribunal de Justiça, entende que a responsabilidade do Estado por danos ambientais ocorre não apenas nos casos de ação estatal, mas de omissão, de acordo com a interpretação do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal de 1988[5]. A presença dos pressupostos da responsabilidade civil, dano e nexo causal, ensejam a imputação de responsabilização estatal nos atos comissivos e omissivos dos seus agentes em caso de danos ambientais.

A obrigação de restaurar o ambiente ou reparar o dano ambiental transmite-se ao proprietário adquirente do imóvel, mesmo que ele não tenha causado o dano. Esse é o posicionamento do STJ, que entende que a obrigação do adquirente do imóvel é de caráter propter rem. Esses precedentes estimulam o cumprimento da função social da propriedade no seu elemento e na sua acepção ambiental e estimulam o desenvolvimento ecologicamente sustentável[6], superando o individualismo civilista napoleônico e a lógica liberal burguesa do laissez passer e do laissez faire.

A condenação por dano ambiental, nos casos de responsabilidade estatal, pode ocorrer solidariamente entre o Estado e o poluidor; porém, para que a coletividade não seja duplamente onerada pelo dano ambiental, o STJ tem entendido que a execução deve se dar em primeiro lugar sobre os bens do poluidor privado, que lucra com a atividade, e apenas na ausência de recursos deve a execução prosseguir, de modo subsidiário, contra o Estado, como devedor-garante[7]. Nesses casos de litisconsórcio passivo, a decisão condena o ente estatal e o poluidor privado solidariamente, mas a execução é procedida com base na responsabilidade subsidiária do Estado, segundo a construção jurisprudencial.

Preocupou-se a corte, e com razão, com o princípio da reserva do possível e a escassez dos recursos estatais para reparar o bem ambiental danificado. Iníquo seria se a coletividade, já prejudicada para o pleno exercício do direito a sua sadia qualidade de vida, garantida pela Constituição Federal, tivesse ainda que pagar indenizações para reparar os danos ambientais a que não deu causa. Essa modulação na execução das decisões do STJ atende ao princípio do desenvolvimento sustentável, pois equilibra a proteção dos bens ambientais com a finitude e a escassez dos recursos do Tesouro.

Precedentes do STJ firmaram-se no sentido de tutelar ao máximo o bem ambiental dentro de uma perspectiva promotora do desenvolvimento sustentável. Danos causados ao meio ambiente podem ser reparados sem que para isso seja necessária uma violação a priori de direitos fundamentais individuais, como o direito à vida, à propriedade ou à saúde das pessoas. Do mesmo modo, são utilizados mecanismos processuais que visam permitir a aceleração na reparação dos danos ambientais e, por conseguinte, desestimular práticas que não se coadunam com o respeito ao meio ambiente e com o direito fundamental ao desenvolvimento sustentável na era das mudanças climáticas.

Certamente, o ministro Antonio Herman Benjamin agregou sua larga experiência acadêmica e prática na formação de uma jurisprudência extremamente positiva para as presentes e futuras gerações de brasileiros e, para além disso, para a tutela do meio ambiente como um fim em si mesmo, e não como mero objeto de irresponsáveis pretensões utilitárias.


[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agaresp 206.748. Relator: ministro Ricardo Villas Boas Cueva. Diário da Justiça da União, Brasília, DF, 27 mar. 2013. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia>. Acesso em 2.nov.2014.
[2] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 200400011479. Relator: ministro Luiz Fux. Diário da Justiça da União, Brasília, DF, 31 ago. 2006. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia>. Acesso em 2.nov.2014.
[3] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial 1.412.664. Relator: ministro Raul Araújo. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 11 mar. 2014. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25017000/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-resp-1412664-sp-2011-0305364-9-stj>. Acesso em 2.nov.2014.
[4] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 201002176431. Relator: ministro Castro Meira. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 4 fev. 2013. Disponível em: <http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:superior.tribunal.justica;turma.2:acordao;resp:2009-09-08;769753-1112299>. Acesso em 2.nov.2014.
[5] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.071.741/SP. Relator: ministro Herman Benjamin. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 16 dez. 2010. Disponível em: <http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:superior.tribunal.justica;turma.2:acordao;resp:2009-03-24;1071741-1075754>. Acesso em 2.nov.2014.
[6] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 201100461496. Relator: ministro Herman Benjamin. Diário da Justiça da União, Brasília, DF, 11 set. 2012. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia>. Acesso em 2.nov.2014.
[7] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 200801460435. Relator: ministro Herman Benjamin. Diário de Justiça da União, Brasília, DF, 16 dez. 2010. <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia>. Acesso em 2.nov.2014.

Autores

  • é juiz federal, doutor e mestre em Direito. Visiting Scholar pelo Sabin Center for Climate Change Law da Columbia Law School – EUA e professor coordenador de Direito Ambiental na Escola Superior da Magistratura - Esmafe/RS.

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