Questão da OAB

Ajuizar ações idênticas não permite multa a advogado por litigância de má-fé

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25 de março de 2017, 6h44

O advogado não pode ser punido no processo em que supostamente atua como litigante de má-fé, ainda que incorra em falta profissional. Eventual conduta desleal praticada pelo profissional deve ser apurada em processo autônomo, nos termos do artigo 32 do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994).

Amparada neste entendimento, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, livrou um advogado de pagar multa por litigância de má-fé e de indenizar o Instituto Nacional do Seguro Social, por ajuizar novamente uma ação já julgada improcedente. A condenação ficou restrita à parte autora que, além de 1% de multa, pagará mais 20% do valor atualizado da causa previdenciária, a título de reparação.

Além disso, o colegiado determinou a expedição de ofício à OAB gaúcha, para dar ciência do ocorrido no processo. Cabe à seccional, agora, decidir se instaura ou não algum procedimento contra o profissional no seu Tribunal de Ética e Disciplina. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 7 de março.

Ação duplicada
Segundo o processo, o autor ajuizou ação previdenciária no Juizado Especial da 25ª Vara Federal de Porto Alegre, para obter o restabelecimento do benefício de auxílio-doença e/ou aposentadoria por invalidez, alegando doença incapacitante para o trabalho.

Em sentença de abril de 2013, o juiz federal substituto Eduardo Rivera Palmeira Filho negou o pedido, já que a doença apontada pela perícia não é incapacitante para a atividade do autor. “Não há na ação prova robusta que firme a convicção no sentido oposto ao da prova pericial. Portanto, a parte autora não faz jus.”

O autor e seu advogado não impugnaram a sentença improcedente na Turma Recursal do JEF, como facultado pelo código processual, mas ajuizaram uma nova ação, em julho de 2013, com as mesmas partes e mesma causa de pedir — desta vez na 3ª Vara Cível da Comarca de Cachoeirinha. A vara, pertencente à Justiça Comum do Rio Grande do Sul, recebe ações previdenciárias por conta da competência delegada.

Em caráter liminar, o juiz de direito João Luís Pires Tedesco concedeu a antecipação de tutela, o que obrigou o INSS a restabelecer o benefício de auxílio-doença, cessado desde outubro de 2012.

“Em que pese a perícia apresentada pelo requerido [INSS] gozar de presunção de legitimidade, pode ser afastada por prova robusta em sentido contrário, o que entendo ser o caso dos autos. Há prova inequívoca resultante de atestado médico acostado na folha 21, datado de 25.02.2013, além de outros exames e documentos trazidos com a inicial, demonstrando, em sede de cognição sumária, que o requerente encontra-se incapacitado para o trabalho devido a transtornos do ombro”, entendeu o juiz.

Quase dois anos depois, no julgamento de mérito, entretanto, o desfecho foi diferente. A juíza Anabel Pereira, em sentença proferida em 25 de março de 2015, anotou que já havia ação idêntica ajuizada e julgada na Justiça Federal, como alegou o INSS. Ela observou também que o autor omitiu este fato. “Assim, tem-se a existência de coisa julgada, o que determina a extinção do feito sem resolução do mérito”, arrematou.

Recurso do INSS
O INSS então interpôs recurso de Apelação na 5ª Turma do TRF-4, que também julga os recursos de demandas previdenciárias originários da competência delegada. Na peça, a autarquia federal requereu a imposição de multa, por litigância de má-fé, e indenização de 20% sobre o valor da causa, para parte e advogado, além do aumento dos honorários de sucumbência.

O relator da apelação, desembargador Roger Raupp Rios, afirmou ser “incontroversa”  a intenção da parte autora (e seu procurador) de se beneficiarem com a reprodução de ação idêntica à anterior, julgada improcedente, em potencial prejuízo à autarquia previdenciária. Ele ressaltou que a atual ação foi ajuizada poucos meses após o trânsito em julgado da primeira, sem que a petição inicial trouxesse este registro. Simplesmente, nada foi reportado sobre a existência da demanda anterior.

Para o desembargador, os elementos trazidos aos autos comprovam a intenção dolosa da parte. Assim, nos termos do que dispõe o artigo 18 do Código Civil de 1973, aplicável à época, a parte acabou penalizada por litigância de má-fé — pagamento de 1% sobre o valor atualizado da causa.

“De mais a mais, considerando que o ajuizamento malicioso da presente ação causou prejuízo à autarquia previdenciária, que teve de pagar o benefício por força da antecipação de tutela concedida, condeno o autor a indenizar o INSS pelos prejuízos sofridos, no percentual de 20% sobre o valor atualizado da causa”, complementou no acórdão.

O pedido de condenação do advogado, por outro lado, acabou indeferido, em função da jurisprudência já pacificada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Registra a ementa do acórdão do REsp 1.439.021/SP, relatado pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: “Somente as partes (autor, réu ou interveniente) podem praticar o ato que se repute de má-fé, a teor do disposto no artigo 16 do Código de Processo Civil, de modo que os danos eventualmente causados pela conduta do advogado deverão ser apurados em ação própria.”

Clique aqui para ler a sentença do JEF da 25ª Vara Federal de Porto Alegre.
Clique aqui para ler a liminar da 3ª. Vara Cível de Cachoeirinha.
Clique aqui para ler a sentença de mérito da 3ª. Vara Cível de Cachoeirinha.
Clique aqui para ler o acórdão da 5ª. Turma do TRF-4.

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