Dupla função

Magistrado pode julgar ação penal em que homologou delação premiada

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23 de março de 2017, 19h08

O fato de um juiz homologar acordo de delação premiada e tomar os respectivos depoimentos não o impede de processar e julgar ação penal contra pessoa citada na delação. Esse foi o entendimento da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao rejeitar pedido de Paulo Roberto Krug, condenado no caso do Banestado.

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5ª Turma do STJ entendeu que a atuação de Sergio Moro ao homologar delações do caso Banestado não gerou impedimento.
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Para o colegiado do STJ, a atuação do juiz Sergio Moro ao homologar delações do caso Banestado não gerou impedimento e está de acordo com as limitações impostas pelo artigo 252 do Código de Processo Penal. Os ministros explicaram ainda que o ordenamento jurídico não permite a participação do magistrado na negociação da delação.

O recurso foi interposto por Krug após a confirmação da condenação em segundo grau, que reduziu a pena definida por Moro na primeira instância: 11 anos e 9 meses. Para tentar anular a decisão, ele argumentou que o magistrado estaria impedido e, portanto, não poderia ter julgado a ação.

Segundo a defesa, Sergio Moro participou dos acordos de delação premiada de Alberto Youssef e Gabriel Nunes Pires e teve contato com os delatores em procedimento sigiloso, feito antes mesmo da distribuição formal dos autos. Esse conjunto de fatos tornaria o juiz impedido para atuar na subsequente ação penal, que culminou com a condenação de Krug e de outros réus.

Para o relator do caso no STJ, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, os casos de impedimento de magistrado são devidamente detalhados no artigo 252 do CPP e os argumentos da defesa não se enquadram em nenhuma das hipóteses da lei. Explicou ainda que a atuação do juiz nas delações foi para verificar a legalidade, validade e voluntariedade dos acordos.

O ministro disse também que a juntada de documentos decidida por Moro não extrapolou os limites legais porque apenas complementou a atividade probatória das partes, sem prejuízo para a defesa. “Não faz presumir que tenha desempenhado (o juiz) função equivalente à de um membro do Ministério Público Federal ou delegado da Polícia Federal, ao revés, sua atuação decorrera de imposição legal para fins de homologação do acordo de colaboração premiada a fim de constatar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, sem a qual o respectivo acordo não surtiria os efeitos almejados pelos colaboradores”, explicou.

O ministro lembrou que o fato de o juiz ter homologado a delação premiada não compromete sua imparcialidade, pois sua intervenção não ocorreu em processo antecedente envolvendo o réu e ele não emitiu juízo de valor sobre as acusações naquele momento. Se assim fosse, disse Fonseca, “processos conexos onde houvesse confissão espontânea e delação de corréus não poderiam jamais ser julgados pelo magistrado, implicando causa obrigatória de separação de processos”.

Lei não prevê, mas deveria
Advogados consultados pela ConJur foram unânimes ao afirmar que, apesar de a lei não prever esse impedimento, ele deveria existir. A criminalista Conceição Giori, sócia do Oliveira Campos & Giori Advogados, explica que essa situação é idêntica à do magistrado que defere busca e apreensão na investigação, depois recebe a denúncia e condena o réu. “Será que esse magistrado teria isenção para anular sua própria medida?”

O também criminalista Daniel Bialski, do Bialski Advogados Associados, conta que existem anteprojetos legislativos de reforma que proíbem o juiz da fase pré-processual de julgar a causa. “A atuação é repartida, passando a avaliação do mérito para um juiz instrutor que prosseguirá na ação penal e no julgamento de primeiro grau”, detalha.

“Indiscutivelmente, não se pode garantir que o juiz que defere procedimentos iniciais e, ainda, defere uma delação tenha a mesma imparcialidade de um juiz que sob o crivo do contraditório irá — com isenção — julgar a causa”, opina Bialski.

Para Daniel Gerber, do Daniel Gerber Advocacia Penal, o juiz da causa não pode participar da formação da prova, apenas “validá-la, e até mesmo valorá-la superficialmente em situações que exigem a adoção de medidas cautelares”.

Mas, apesar das críticas e sugestões, diz Adib Abdouni, advogado constitucionalista e criminalista, as hipóteses previstas no artigo 252 do Código de Processo Penal não se aplicam ao magistrado que homologou a delação premiada. “Não há, portanto, obstáculo jurídico que o impeça de julgar o colaborador, haja vista que ausente — naquele ato judicial antecedente — a emissão de juízo de valor sobre o seu conteúdo, posto que limitado apenas à análise da presença dos requisitos legais de sua validade (regularidade, legalidade e voluntariedade)”, explica. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

HC 221.231

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