Sigilo incômodo

Folha de S.Paulo é condenada por chamar promotores de "três patetas"

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22 de março de 2017, 20h58

Embora ocupantes de cargos públicos possam ser alvo de críticas, o uso de expressão jocosa para ridicularizá-los atinge a esfera íntima do indivíduo, implicando infração ao direito fundamental à honra e à imagem. Assim entendeu a juíza Priscilla Bittar Neves Netto, da 32ª Vara Cível de São Paulo, ao mandar o jornal Folha de S.Paulo pagar R$ 90 mil a três promotores que pediram a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O trio Cássio Conserino, José Carlos Blat e Fernando Henrique de Moraes Araújo alegou dano moral com reportagem publicada em março do ano passado, três dias depois de apresentar denúncia contra Lula, Marisa Letícia e outras 14 pessoas por supostas irregularidades envolvendo um triplex em Guarujá, no litoral paulista.

Logo no início do texto, o jornalista Mario Cesar Carvalho utilizou sigilo da fonte ao dizer que, dentre especialistas consultados sobre a denúncia, alguns classificaram a acusação como “um lixo” e chamaram os promotores de “três patetas”.

A Folha disse que apenas publicou críticas e repercussões sobre o trabalho dos promotores, sem citar todos os entrevistados, e que apenas seguiu o exercício regular do direito de informar.

Para a juíza, porém, o jornal “ultrapassou o direito de crítica que decorre do Estado Democrático de Direito, esbarrando em ofensa pessoal aos profissionais”. Segundo ela, a comparação com os três patetas, “grupo cômico conhecido por suas ‘trapalhadas’, ensejou verdadeira desqualificação pessoal, colocando os autores em situação vexatória”.

A sentença, proferida nesta quarta-feira (22/3), diz ainda que o abalo moral é presumido, dispensando qualquer prova. “Não se pode negar (…) que o indevido constrangimento causado aos demandantes alterou sua normalidade psíquica, violando seus direitos da personalidade, porquanto, as ofensas proferidas na reportagem jornalística ultrapassaram os limites da liberdade de expressão”.

A ré foi condenada a pagar R$ 30 mil a cada um dos promotores. Ainda cabe recurso.

Denúncia fatiada
A notícia da Folha citava críticas de advogados, professores de Direito e membros do Ministério Público contra o conteúdo da acusação, considerado simplório. Nem todas os entrevistados tiveram o nome divulgado.

No mesmo dia da denúncia, os promotores pediram a prisão preventiva de Lula, alegando “ira contra as instituições do sistema de Justiça”, discursos inflamando a população e reclamações públicas contra medidas judiciais. Eles escreveram que as condutas do ex-presidente “certamente deixariam Marx e Hegel envergonhados” — confundindo Friedrich Engels com o alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel.

Conserino, Blat e Araújo incluíram Lula e seus familiares em acusação sobre irregularidades em imóveis que pertenciam a uma cooperativa. A denúncia dizia que a transferência de unidades da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop) para a empreiteira OAS prejudicou pessoas que esperavam a casa própria, enquanto o ex-presidente foi acusado de praticar lavagem de dinheiro ao ocultar a posse de um desses imóveis.

Os promotores entendiam que a denúncia não interferia no trabalho do Ministério Público Federal. A estratégia, no entanto, não deu certo. O juiz federal Sergio Moro acabou assumindo o trecho contra Lula por suposta relação com a operação “lava jato”, enquanto a juíza Maria Priscilla Veiga Oliveira, da 4ª Vara Criminal de São Paulo, aceitou o restante sobre supostas irregularidades envolvendo imóveis da Bancoop.

Cássio Conserino e Fernando Henrique de Moraes Araújo chegaram a acusar a juíza de fechar acordo ilícito para dividir as investigações. O Superior Tribunal de Justiça, porém, reconheceu o fatiamento.

Em janeiro deste ano, a defesa de Lula apresentou ação cível contra Conserino cobrando indenização de R$ 1 milhão por supostos ataques à imagem, à honra e à reputação do petista. O processo foi apresentado depois que o membro do Ministério Público compartilhou em seu Facebook publicação que chamava Lula de “encantador de burros”.

Clique aqui para ler a sentença.
1100573-64.2016.8.26.0100

* Texto atualizado às 21h35 do dia 22/3/2017 para acréscimo de informações e às 10h55 do dia 23/3/2017 para incluir a sentença.

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