Dever de transparência

Leia o voto de Celso de Mello contra sigilo de áudios do STM da época da ditadura

Autor

21 de março de 2017, 7h01

Os estatutos do poder, em uma República fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério nem legitimar o culto ao segredo. Esse foi o entendimento do ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, ao votar contra o sigilo de áudios registrados em sessões promovidas na década de 1970 no Superior Tribunal Militar. Ele seguiu a relatora, ministra Cármen Lúcia, em julgamento do Plenário na quinta-feira (16/3).

U.Dettmar/SCO/STF
Celso de Mello declarou que STM gerou "óbice" ao conhecimento da verdade.
U.Dettmar/SCO/STF

A corte militar só permitia consulta a gravações de julgamentos públicos, mas foi obrigada a abrir inclusive as falas de ministros e sustentações orais durante sessões secretas. Para Celso de Mello, a limitação imposta pelo STM “constituiu óbice injusto à recuperação da memória histórica e ao conhecimento da verdade”.

O voto faz um contexto histórico do governo brasileiro desde o golpe militar de 1964, quando “mostrou-se fortemente estimulado pelo ‘perigoso fascínio do absoluto’” e adotou portarias e decretos reservados. Segundo o ministro, a Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988) “repudiou o compromisso do Estado com o mistério” e “dessacralizou o segredo”, restaurando o dogma republicano de 1946, sob o princípio democrático da publicidade.

Celso de Mello declara ainda que toda a sociedade tem direito de acompanhar, sem qualquer obstáculo administrativo, o esclarecimento de fatos ocorridos “em período tão obscuro de nossa história”. Esse direito de acesso, afirma, vale tanto a cidadãos como a meios de comunicação social e “qualifica-se como instrumento viabilizador do exercício da fiscalização social a que estão sujeitos permanentemente os atos do poder público”.

Entendimento contrário, na visão do decano, cria obstáculo “à busca da verdade e à preservação da memória histórica em torno dos fatos ocorridos no período em que o país, o nosso país, foi dominado pelo regime militar”.

Como o STF tem precedentes reconhecendo a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor constitucional (MI 284/DF) e já havia liberado a acesso dos áudios do STM a pesquisadores (RMS 23.036), ele também reconheceu a reclamação como instrumento adequado para questionar o comportamento do tribunal militar.

História
O caso teve início em 1997, quando o criminalista Fernando Fernandes solicitou ao STM registros sonoros para um estudo. O pedido foi negado, sob o argumento de que as gravações não integram os processos e são de uso interno do tribunal. Na época, ao descobrir sustentações orais do jurista Sobral Pinto, o advogado conseguiu copiar o material ao esconder um rolo de fita no banheiro do STM e buscá-lo mais tarde.

Fernandes recorreu ao STF (RMS 23.036), e a 2ª Turma liberou o acesso em 2006, por entender que a Constituição Federal só permite a restrição da publicidade dos atos processuais quando houver a necessidade de defesa da intimidade e da pessoa ou no interesse da sociedade e do Estado, o que não seria o caso dos autos. O problema, conforme reclamação do advogado, é que o STM só atendeu parcialmente a decisão, em relação às sessões públicas.

Clique aqui para ler o voto.
Rcl 11.949

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!