O tamanho do STJ e a institucionalização da jurisprudência defensiva
18 de março de 2017, 8h10
Por que estou contando isso?
Porque, mais uma vez, reformas “quantitativas” surgem como a solução para o problema da “avalanche de recursos”. Na última quinta-feira (16/3), a ConJur noticiou que a Câmara dos Deputados aprovou a PEC 209/12, relativa à admissão de recursos especiais pelo STJ. Agora, o texto segue para o Senado. A proposta, que conta com o entusiasmado apoio da presidente da corte, ministra Laurita Vaz, prevê a criação de um filtro nos recursos especiais. Caberá ao recorrente demonstrar a relevância das questões de direito infraconstitucional discutidas no caso. O recurso poderá ser recusado por 2/3 dos ministros que compõem o órgão competente para o julgamento. Isso significa que, além do juízo de admissibilidade nos tribunais a quo, o recebimento dos recursos especiais — cujo seguimento é, hoje, negado monocraticamente — será realizado pelas turmas, que poderão escolher o que julgar. Na verdade, a referida PEC traz a mesma ideia da repercussão geral — cuja validade ainda é debatida no âmbito do próprio STF —, porém no plano da legalidade. O próximo passo será a súmula vinculante no STJ… Isso para não falar da proposta — rejeitada na Câmara — segundo a qual as causas com valor inferior a 200 salários mínimos não seriam passíveis de recurso especial.
Trata-se, em suma, de mais uma barreira para não se prestar a jurisdição, ou seja, mais um obstáculo, mais um entrave, mais uma forma de o tribunal decidir-que-não-irá-se-decidir. O propósito da PEC não é julgar menos para julgar melhor. A questão é meramente quantitativa. Nada mais importa. O que se pretende é simplesmente julgar menos. A jurisdição vem substituída pela gestão do capital. É o Direito a reboque da Economia, como alertam Alexandre Morais da Rosa e Alfredo Copetti. Chegamos, por meio de uma emenda constitucional, à “institucionalização da jurisprudência defensiva”. Tempos sombrios. Tudo isso após o Código de Processo Civil estabelecer os provimentos de obediência obrigatória… Paradoxal, não?
Lembro que, em 2001, logo na primeira edição de Jurisdição Constitucional e Hhermenêutica (Ed. Livraria do Advogado), cuja revisão tive o prazer de realizar, Lenio Streck já questionava por que não expandir o número de cadeiras no STJ? Ora, se a missão do tribunal da cidadania é uniformizar a interpretação da legislação infraconstitucional — e isso envolve 27 tribunais estaduais e cinco tribunais federais —, por que não o reestruturar de maneira que ele possa melhor atender a tal demanda?
A título meramente ilustrativo, na Itália — que é um país cujas dimensões são menores do que o estado do Maranhão e sua população não supera os 60 milhões de habitantes —, a Corte de Cassação, cuja função equivale à do STJ, é composta de 302 juízes (leia aqui).
A nossa Constituição, em seu artigo 104, dispõe que o STJ é composto de, “no mínimo”, 33 ministros. Isso significa que, por meio de lei, poder-se-ia aumentá-lo, por exemplo dez vezes? Sim. Ainda assim, seria menor do que o TJ-SP, que conta com mais de 360 desembargadores… Na verdade, a matemática é bastante simples: digamos que, a cada ministro, sejam distribuídos em torno de mil recursos por mês. No ano passado, por exemplo, o STJ recebeu 330 mil processos. Todos reclamam desse número! Ora, ninguém tem dúvida de que julgar com qualidade é impossível nesses termos. Agora, apenas por um instante, imaginemos que o STJ fosse composto de 330 ministro. Isso resultaria numa distribuição de cem processos mensais para cada ministro. Será que, com essa média, os ministros conseguiriam examinar, caso a caso, todos os recursos e decidir de forma verdadeiramente fundamentada?
Voltando à lição de Ovídio Baptista, o acesso à Justiça não deve ser reduzido ao plano das estatísticas. Quem sabe a FGV faz uma pesquisa sobre a qualidade das decisões de primeiro grau e seus índices de confirmação nas instâncias superiores? Difícil essa, não? Alguém contestaria: “Mas como verificar o grau de qualidade das decisões?”. Essa é uma questão hermenêutica que envolve uma outra compreensão acerca da crise de paradigma pela qual passa o Direito brasileiro. De todo modo, uma coisa é certa: tempo e estudo possibilitam a prolatação de decisões melhor fundamentadas. E essa é uma boa razão para nos perguntarmos se devemos insistir em reformas meramente quantitativas? Quando nos preocuparemos, de verdade, com a qualidade da jurisdição? Talvez seja um bom momento para pararmos de nos ocupar com a “solução dos problemas” e pensarmos um pouco mais sobre os “problemas das soluções”.
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