Apropriação do Estado

Foro especial evita que políticos virem troféus de luta corporativa, diz Aragão

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14 de março de 2017, 16h22

O foro por prerrogativa de função é o saco de pancadas do momento. Jornalistas, magistrados e (alguns) políticos atacam diariamente o mecanismo. Segundo os críticos, a distinção permite que as autoridades detentoras do “privilégio” demorem a ser condenadas e, muitas vezes, acabem tenho as acusações contra elas prescritas.

José Cruz / Agência Brasil
Eugênio Aragão diz que foro privilegiado tem falhas, mas é preferível a manter autoridades em lutas corporativas.
José Cruz / Agência Brasil

Mas para o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, o chamado foro privilegiado tem uma função importante à democracia: a de garantir o devido processo legal a ocupantes de cargos públicos, evitando que eles sejam condenados a qualquer custo em meio a uma disputa local por privilégios.  

Em artigo, o ex-integrante do governo Dilma Rousseff afirma que, para a maioria dos que têm foro por prerrogativa de função, as vantagens superam as desvantagens. “O benefício mais importante é latente: a crônica disfuncionalidade dos tribunais no trato de ações penais originárias, razão da enorme morosidade processual e, não raro, da prescrição da punibilidade”.

No entanto, ele questiona a equiparação do foro privilegiado à impunidade. A seu ver, se as cortes superiores querem punir alguém, elas o fazem sem grande demora. “O Supremo Tribunal Federal já mostrou que o empenho maior ou menor com os processos é proporcional à intensidade da vontade de estigmatizar os acusados”.

Na Ação Penal 470, o processo do mensalão, a corte agiu com eficiência, diz Aragão. Com base na imprensa e no clamor popular, e não na Constituição, o Supremo jogou a imparcialidade “pelo ralo” e “promoveu o linchamento político de lideranças históricas do Partido dos Trabalhadores”, critica.

Por outro lado, na visão de Eugênio Aragão, o STF não demonstrou vontade de lidar com ilegalidades da operação “lava jato” e do processo de impeachment de Dilma.

“O jeito estrambólico de agir do juiz Sergio Moro, na coleta e na valoração da prova; suas iniciativas atentatórias à dignidade e à presunção de inocência de investigados; a publicidade autorizada de escutas ilegais com evidente escopo político – tudo isso não faz sequer cócegas na consciência jurídica do STF. A denegação de todos os pedidos da defesa da presidenta Dilma Rousseff, que, atendidos, permitiriam afastar qualquer dúvida sobre o complô podre que se produzia no Congresso contra a democracia, provam o escasso respeito da cúpula do Judiciário ao voto popular”.  

Ainda assim, o ex-ministro defende a manutenção do foro por prerrogativa de função. Ele destaca que no processo penal não há a paridade de armas que existe no processo civil. O Estado tem muito mais força do que o acusado. No entanto, “o que está em jogo no equilíbrio de forças dentro do processo penal é muito mais do que o destino do investigado ou do acusado; é o resguardo do delicado tecido institucional que faz com que um Estado mereça esse nome e seja aceito com a submissão dos governados a seu poder de império”.

Conforme Aragão, a luta corporativa de integrantes do Ministério Público e do Judiciário transforma, muitas vezes, as investigações criminais e processos penais contra políticos “em verdadeiros picadeiros de circos armados para o gáudio da ‘opinião pública’, claro, tudo mascarado com invólucro 'republicano' e 'tecnicista', a travestir o atuar político dos atores do complexo judiciário. A defesa é enfraquecida para dar lugar a uma acusação protagonizada por pretensos super-heróis, com o eficaz amparo do magistrado”.

E essa tendência é muito mais forte na primeira e segunda instâncias do que nos foros por prerrogativa de função, avalia. Isso porque a cúpula do Judiciário está em pé de igualdade com os políticos. “Por isso, creem-se seguros e acima do bem e do mal, nada tendo que temer quanto à manutenção de seu estatuto público”.

A situação é diferente nas instâncias inferiores, no olhar do ex-ministro da Justiça. “Na base do Poder Judiciário, a garantia de privilégios é uma luta diária contra desafetos poderosos, fatalmente emergentes no manuseio de conflitos de interesses. É, também, uma guerra contra outras corporações que disputam atribuições e competências, para se alavancarem na relação com os governantes”.

Nesse ambiente, políticos ficam reféns dessas lutas corporativas e viram joguetes em uma luta de caciques pelo controle do poder estatal, cita. E isso não ocorre quando há o foro por prerrogativa de função, afirma Eugênio Aragão.

“Por mais seletivo que seja, o foro por prerrogativa de função não tem a mesma propensão de fazer do agente público investigado um troféu para a massa atrasada, manipulada pela mídia comercial e com pouca capacidade de fazer um exame crítico. Na cúpula do Judiciário, o conflito é quase sempre mais escancarado: é assumidamente político e se trava amiúde com meios políticos, dos quais os atores da cúpula entendem muito bem”.     

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