Opinião

Ancine erra ao tentar regulamentar mercado de games, que são softwares

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12 de março de 2017, 11h07

À luz da crescente representatividade econômica do setor de games, recentemente foi colocada em consulta pública pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) a análise de impacto regulatório sobre o setor de jogos eletrônicos no país[1].

Em síntese, o relatório disponibilizado analisa a cadeia de valor do mercado de jogos, comparando-a com as cadeias de setores do audiovisual; avalia a oferta e demanda de jogos eletrônicos no mercado brasileiro; mapeia as iniciativas em políticas públicas voltadas ao setor no país; e discorre sobre os aspectos tributários aplicáveis às empresas do setor.

Entendemos que essa proposta de regulamentação do setor de jogos eletrônicos pela Ancine deve ser cuidadosamente analisada. Por mais que a agência tente aproximar os jogos eletrônicos do conceito de obras audiovisuais, entendemos que essa compatibilização não é adequada, tendo em vista que a legislação define o termo obra audiovisual como sendo o produto da fixação ou transmissão de imagens.

Por outro lado, uma das características inerentes à modalidade dos jogos eletrônicos é a interação com o jogador por meio de um grupo de instruções utilizadas em um dispositivo específico, assim entendemos que estes se enquadram no conceito de software – e não de uma obra audiovisual.

O conceito de software no Brasil está previsto na Lei 9.609, de 19 de fevereiro de 1998, a qual dispõe que o termo “programa de computador” é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.

Nesse sentido, para que um bem seja classificado como software é necessária a presença de alguns requisitos, quais sejam: (i) a existência de um grupo de instruções codificadas ou não; (ii) a utilização de um dispositivo de informação e processamento automático; e (iii) a certificação de que esses dispositivos operem de maneira específica e de acordo com objetivos delimitados.

Apesar disso, caso persista a equivocada aproximação entre os jogos eletrônicos e o conceito de obras audiovisuais e seja concretizada a regulamentação dessa atividade pela Ancine, podem haver impactos para as empresas do setor. Entre eles, destacamos a possibilidade de vir a ser cobrada a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) sobre o registro de títulos de jogos eletrônicos e quando do pagamento, emprego, crédito, remessa ou entrega de importâncias ao exterior.

Por fim, importante mencionar que o rol de competências legalmente previstas para a Ancine[2] é restrita à regulação da indústria cinematográfica e videofonográfica, não havendo qualquer menção ao mercado de jogos eletrônicos.

Portanto, para que a Ancine regulamente além do setor audiovisual o setor de jogos eletrônicos, entendemos ser necessária a elaboração de nova legislação sobre o assunto. No mesmo sentido, entendemos que eventual cobrança de Condecine sobre jogos eletrônicos, sem a devida previsão legal, seria uma afronta ao princípio da legalidade.


[1] Análise de Impacto Regulatório 1/2016/SEC.
[2] Artigo 7º da Medida Provisória 2228-1 de 6 de setembro de 2001.

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    é consultora da área tributária do Pinheiro Neto Advogados, bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialista em Direito Tributário pela PUC-SP e Direito do Entretenimento pela New York University, com MBA em Gestão Econômica e Financeira pela Fundação Getulio Vargas.

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    é associada da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados.

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