Direito fundamental

Estado não pode alegar falta de recursos ou riscos ao sistema para negar remédio

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11 de março de 2017, 11h43

O Estado não pode usar listas de medicamentos previamente autorizados para fornecimento pela rede pública ou o custo de um remédio sobre todo o sistema para justificar a negativa de entrega de uma substância a um cidadão. Assim entendeu o juiz federal Tiago Bitencourt, da 2ª Vara Federal Cível em São Paulo.

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Estado não pode usar equilíbrio do sistema de saúde pública como justificativa para negar o fornecimento de remédios.

A decisão garantiu o fornecimento de aspartato de ornitina a uma pessoa com encefalopatia hepática, doença que causa deficiência no funcionamento do fígado. Por não estar na lista de medicamentos do SUS elaborada pelo governo federal, a substância tinha sido negada ao cidadão.

Acionada na Justiça, a União alegou que não houve justificativa que a responsabilizasse pelo fornecimento do medicamento, pois a prescrição deveria ser feita por médicos da rede estadual de saúde. Alegou ainda que é impossível oferecer saúde pública a toda população e, ao mesmo tempo, atender necessidades exclusivas de alguns cidadãos.

Já o governo de São Paulo afirmou que os portadores da doença poderiam solicitar o remédio pela via administrativa. Por esse “caminho”, continuou, um comitê técnico avaliaria o pedido, nos termos da Resolução SS-54, devidamente formalizado pelo medico do paciente.

No entanto, todos os argumentos foram negados por Bitencourt. O juiz federal destacou em sua decisão que, conforme estipula o artigo 196 da Constituição Federal, o Estado é responsável, além da prevenção e de precaução, também de cuidar da cura da população. “Ou seja, deve ele atuar posteriormente a moléstia, tal como bem postula o MPF”, disse.

O magistrado explicou ainda “que o direito social é autoaplicável”, ou seja, mesmo que dependa da análise das normas criadas pelos legisladores e da ação do executor da política pública, seu não atendimento caracteriza omissão.

Bitencort detalhou que as listas governamentais de medicamentos devem ser vistas como exemplificativas, e não limitadoras. “O Estado Constitucional não admite a taxatividade de direitos fundamentais e, assim, veda a limitação absoluta de outras medidas curativas que não aquelas estabelecidas na legislação e na regulamentação pertinentes, ou seja, o direito fundamental à saúde não pode ser integral mente delineado pelas listas.”

Descumprimento que justifica
Para o juiz federal, não faz sentido o estado alegar falta de recursos ou riscos ao sistema de atendimento em casos nos quais é preciso fornecer medicamentos específicos e mais caros, sendo que tantas disposições constitucionais ainda não foram atendidas.

“Ainda que tenha preço elevado, nada indica que seu fornecimento inviabilize a prestação de serviços públicos essenciais. Aliás, tendo em vista que o Brasil conseguiu a proeza, ou melhor, deu-se ao luxo, do não-exercício da importantíssima competência tributária relativa ao Imposto sobre Grandes Fortunas (art. 153, VII, da CF/88) […] fica muito difícil, para não dizer hipócrita, falar em custo excessivo aos cofres públicos”, crítica o juiz.

Ele cita também como incongruência o fato de que iates, aviões e helicópteros não são tributados anualmente ao mesmo tempo que carros populares sofrem incidência de IPVA. “Não bastasse isso, tem-se que o preço corrente do fármaco em questão e ate bem mais baixo do que outros que costumam ser postulados, custando, conforme rápida pesquisa na internet em farmácia anunciante, algo em torno de R$ 285,27”, finalizou o julgador.

Clique aqui para ler a decisão.

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