Usina de ideias

Do Uber à pipoca no cinema, Justiça paulista julga 5 milhões de casos

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7 de março de 2017, 9h32

Reportagem especial do Anuário da Justiça São Paulo 2017, que será lançado nesta quarta-feira (8/3) no Tribunal de Justiça de São Paulo.

Vai de Uber ou vai de táxi? São Paulo foi das primeiras metrópoles brasileiras a enfrentar a novidade do aplicativo de transporte remunerado de pessoas por veículos particulares. E coube ao Tribunal de Justiça paulista solucionar a invasão de novas tecnologias no dia a dia dos cidadãos. O Órgão Especial julgou inconstitucional lei do município de São Paulo que proibia o uso do Uber. Para o relator da ação, desembargador Francisco Casconi, a norma é uma ofensa aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. “Esse tipo de serviço não pode ser prejudicado por interesses classistas”, advertiu.

Como essa, foram muitas as decisões tomadas pela Justiça de São Paulo de impacto para a sociedade num ano de grande atividade judicial. Em agosto de 2016, a conseguiu concluir 376 mil processos na fase de conhecimento e movimentou 7 milhões de ações, aumento de 17% em relação ao mesmo mês de 2015. Um recorde.

Juntas, primeira e segunda instâncias proferiram 4,8 milhões de decisões em 2016. Há três anos, a Justiça paulista consegue impedir o crescimento do seu estoque — que, apesar disso, ainda é de 20,9 milhões de casos pendentes.

 

Na segunda instância, a criação de câmaras extraordinárias deu grande impulso ao julgamento de processos antigos. Na Seção de Direito Privado e na Seção de Direito Criminal, os integrantes desses colegiados já analisam casos de 2014. São raros os processos que deram entrada há mais de três anos. Se continuarem nesse ritmo, em dois anos os desembargadores poderão se dedicar exclusivamente às ações que deram entrada no ano corrente. Já a primeira instância está longe de atingir essa meta. Em 2016, recebeu 5,8 milhões de casos e decidiu 4,8 milhões.

Mas não foram só quantidades que a corte produziu em 2016. O tribunal deu sua contribuição na questão do direito ao esquecimento, que tem causado grande controvérsia no Brasil e no mundo. O que se discute é se publicações antigas, mesmo sendo verdadeiras, devem ser apagadas da internet a pedido de pessoas que se sintam atingidas em sua honra por acontecimentos do passado. No Superior Tribunal de Justiça tem prevalecido tese do ministro Luis Felipe Salomão de que a tutela da dignidade da pessoa na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.

 

A corte paulista entendeu de forma diferente. Em primeiro grau, o juiz atendeu a um pedido para retirar do ar notícias de sites jornalísticos que apontavam o autor da ação como um skinhead envolvido em atos de violência, sob a alegação de que “o tempo apagou o interesse jornalístico nos fatos narrados”. Ao julgar o recurso, a 10ª Câmara de Direito Privado reformou a sentença. O desembargador César Ciampolini entendeu que “o material jornalístico censurado pela sentença atacada é de evidente interesse público e, por conseguinte, fonte de informação histórica valiosa”. De acordo com o relator, eliminar material licitamente publicado na internet equivaleria “a ir a uma hemeroteca e destruir exemplares ali arquivados”.

Na área criminal, o tribunal firmou posição no sentido de que ninguém pode ser punido por fugir do local de trânsito. Segundo o desembargador Souza Nery, relator do recurso julgado pela 6ª Câmara Criminal Extraordinária, punir quem se afasta do local do acidente de trânsito contraria o princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Para ele, o artigo 305 do Código de Trânsito Brasileiro, que tipifica a fuga do local do acidente como crime, contraria o princípio constitucional que garante a cada um o direito de não se incriminar.

Teve repercussão nacional a decisão que anulou a sentença contra 74 policiais militares pelas mortes de 111 presos durante a operação para controlar rebelião no Carandiru, em 1992. Para a 4ª Câmara Criminal, a denúncia falhou e deixou de descrever quais crimes foram cometidos por cada um dos acusados. O relator, desembargador Ivan Sartori, votou pela absolvição dos réus, por entender que os policiais agiram em legítima defesa, seguindo ordens de seus superiores.

O TJ-SP também entrou na controvérsia sobre a legalidade de o consumidor poder ou não levar para a sala de cinema o seu  saquinho de pipoca adquirido fora do estabelecimento exibidor do filme. Confirmando decisão já antiga do Superior Tribunal de Justiça, a corte paulista entendeu que os proprietários não podem impedir o espectador de consumir na sala o que bem lhe aprouver. Para o relator da ação, obrigar o consumidor a comprar apenas os produtos ofertados pela empresa dona da sala seria venda casada. Vender ou não vender pipoca pode parecer questão sem maior relevância, mas a causa já chegou ao Supremo Tribunal Federal.

Do Uber à pipoca — e em muitas outras decisões que serão analisadas ao longo deste Anuário —, o Tribunal de Justiça de São Paulo tem demonstrado que continua sendo uma das mais importantes usinas de ideias jurídicas do país. Ao mesmo tempo se aparelha com recursos e métodos para enfrentar a demanda, que não para de crescer. A gestão do tribunal escolheu como principais metas padronizar procedimentos e diminuir a distância entre a própria instituição e seus usuários. Treinamentos internos, novas regulamentações administrativas e estudos de plataformas tecnológicas se tornaram regra no biênio comandado pelo desembargador Paulo Dimas Mascaretti.

Antônio Carreta/TJ-SP
Pereira Calças: "A preocupação do Judiciário não deve ser apenas a celeridade sob o ponto de vista do cronômetro".
Jorge Rosenberg

O corregedor-geral da Justiça, desembargador Manoel Pereira Calças, faz referência à mitologia grega para explicar o momento atual: segundo ele, a preocupação do Judiciário não deve ser apenas a celeridade sob o ponto de vista do cronômetro, representado pelo deus Chronos, mas também com o Kairós, ou seja, o momento oportuno para se desenvolver iniciativas.

Assim, cumprida a proposta da administração anterior de tornar os processos 100% digitais na origem, o foco agora é possibilitar que as ferramentas eletrônicas sejam bem executadas e aprimoradas. A corte planeja lançar em 2017 um aplicativo para usuários acessarem, pelo celular, serviços digitais do tribunal. Outra novidade será o portal de custas, que vai centralizar numa mesma plataforma todas as informações que envolvam taxas e depósitos judiciais. A comunicação entre o Judiciário e o banco será toda eletrônica, e as partes poderão consultar saldos e extratos de contas judiciais pela internet.

Começou a funcionar, em 2016, um cadastro geral para interessados em atuar como perito, tradutor, intérprete, administrador judicial em recuperações judiciais, liquidante e inventariante dativo, por exemplo. Se esses profissionais precisavam antes fazer inscrições individuais e apresentar currículos em diferentes comarcas, circunscrições e regiões judiciárias, passaram a se registrar uma única vez, por meio do Portal de Auxiliares da Justiça. O banco de dados fica disponível para todos os juízes, com um histórico das atividades dos que já foram nomeados anteriormente.

Gedeaogide/TJ-SP
Presidente Paulo Dimas Mascaretti prioriza a capacitação de servidores para estimular mudanças e melhorar a produtividade.
Antônio Carreta/TJ-SP

Paralelamente, o projeto Justiça Bandeirante passou a treinar funcionários de todo o estado para seguirem modelos operacionais e conhecerem integralmente os recursos tecnológicos disponíveis. Mais do que promover cursos de capacitação, o objetivo é estimular mudanças nas rotinas de juízes, cartórios e gabinetes para melhorar a produtividade.

O tribunal também se orgulha do projeto Cartório do Futuro, em andamento desde 2013, que unifica cartórios de varas de mesma matéria jurídica, com núcleos especializados por área: equipes de cumprimento, de movimentação, de atendimento e administrativa. O diferencial da iniciativa é padronizar tarefas cartorárias e profissionalizar os funcionários, permitindo mais agilidade na prestação jurisdicional e realocando pessoal para auxiliar os juízes – na era digital, os processos ficam mais tempo no gabinete, à espera de decisão, sem depender de tantas rotinas de cartório.

São quatro Unidades de Processamento Judicial instaladas, todas na Capital. A próxima UPJ ocupará todo o 9º andar do Fórum João Mendes e agrupará da 21ª à 25ª varas cíveis centrais. Para 2017, há ainda a perspectiva de instalar mais duas UPJs no João Mendes. Campinas deve ser a primeira cidade do interior com um Cartório do Futuro. Os planos da Presidência do TJ-SP incluem pelo menos uma unidade em cada uma das dez regiões administrativas do estado. A experiência já foi “exportada” para os tribunais de Justiça da Bahia e do Pará.

Ainda na área de tecnologia, o TJ-SP aderiu à última versão do Modelo Nacional de Interoperabilidade (MNI), seguindo prazo definido pelo Conselho Nacional de Justiça para o Sistema de Automação da Justiça (SAJ) “conversar” com outras plataformas de processo eletrônico do país. A corte passou a ampliar o diálogo do SAJ tanto dentro de suas instalações (entre varas e centrais de mandados e também entre o primeiro e segundo graus) como externamente (integração com o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a Procuradoria-Geral do Estado, a Secretaria de Administração Penitenciária, a Fundação Casa, prefeituras).

Luiz Silveira/Agência CNJ
Em 2016, 46% das audiências de custódia em São Paulo resultaram em prisão preventiva. 
Luiz Silveira/CNJ

Esse diálogo também deve ser ampliado para tentar conter a judicialização da saúde: em dezembro de 2016, Paulo Dimas Mascaretti assinou termo de cooperação sobre um canal para troca de informações entre a corte, o governo estadual, o Ministério Público e a Defensoria Pública. A ideia é que pedidos de remédios e tratamentos sejam analisados primeiro por um comitê de especialistas ligados à Secretaria da Saúde. Se o caso for levado à Justiça, os dados estarão disponíveis em plataforma compartilhada entre os signatários do acordo.

Mesmo em período de orçamento enxuto, o presidente espera que os deputados aprovem projetos de lei principalmente voltados para o primeiro grau. As propostas incluem a criação de varas e cartórios em 18 comarcas congestionadas e cargos de assistentes jurídicos de juízes. Quando não for possível implantar novas estruturas, a alternativa apresentada é contar com o cargo de juiz auxiliar, que seria escalado para atuar em varas já existentes.

O relacionamento com o setor privado, para conter o número de litígios, levou o TJ-SP a vencer o Prêmio Conciliar é Legal 2016, do CNJ, na categoria Tribunal Estadual. Desde 2015, companhias se comprometem a reduzir o número de processos em que aparecem como parte e, em troca, usam o selo Empresa Amiga da Justiça. As mais de 20 participantes são monitoradas e, caso descumpram a meta no período de um ano, perdem esse reconhecimento.

Outra experiência considerada positiva na corte são as audiências de custódia, que garantem ao preso em flagrante o direito de ser ouvido por um juiz em até 24 horas. A iniciativa começou em fevereiro de 2015 e um ano depois seguia em ritmo industrial: saltou de 75 no primeiro mês para 1.780 em fevereiro do ano seguinte. Em 2016, foram ouvidas 22.393 pessoas na Capital, das quais 12.056 (54%) foram liberadas – o que pode envolver fiança e medidas alternativas – e 10.337 (46%) tiveram prisão preventiva decretada. O modelo passou a ser adotado por outros tribunais em capitais do país e, por ordem do CNJ, estendeu-se a municípios do interior. No Judiciário paulista, a expansão começou em maio de 2016, na Grande São Paulo, e continuou no segundo semestre em cidades como Santos, Jundiaí, Campinas e Ribeirão Preto. O cronograma do tribunal fixou seis fases, a última delas prevista para agosto de 2017.

Durante o recesso forense, entre os dias 20 de dezembro 2016 e 6 de janeiro de 2017, as audiências de custódia tiraram “férias” no TJ-SP. O tribunal publicou norma vedando a realização do expediente nesse período, medida que foi criticada por defensores públicos e privados. Ao menos seis TJs mantiveram as audiências. Em dezembro, a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, determinou que a comarca de Teresina mantivesse as audiências de custódia durante o recesso.

Fiscais da Justiça
Uma das novidades em 2016, o Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas (Numopede) foi criado para levantar conflitos de massa, traçar perfil dos principais litigantes e centralizar o recebimento de denúncias por práticas fraudulentas reiteradas em processos. A Corregedoria-geral da Justiça, que antes recebia informações de forma difusa, passou a contar com um canal específico para registrar suspeitas de fraude e “coibir a utilização predatória da jurisdição”.

O núcleo identificou, por exemplo, que um só advogado respondia por 30% de ações individuais contra bancos em uma unidade judicial, envolvendo exibição de documentos, declaração de inexistência de débito e consignação em pagamento. Também constatou que são comuns pedidos de uma mesma parte fragmentados em diversas ações.

Foi encontrada ainda coincidência em 120 ações que tentavam obrigar planos de saúde a cobrir cirurgias para corrigir hérnias de disco. Eram semelhantes os pedidos formulados, os advogados envolvidos e os médicos solicitantes de materiais específicos, fornecidos por empresas situadas no mesmo endereço.

Com base nesse levantamento, a Corregedoria recomendou a juízes cautela no processamento de ações similares. Também enviou cópias do relatório para o Conselho Regional de Medicina, o Ministério Público e a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil adotarem providências.

O Numopede periodicamente disponibiliza informações a juízes e desembargadores para que encaminhem denúncias a órgãos de investigação, suscitem incidentes de resolução de demanda repetitiva (IRDRs) ou sugiram mecanismos para resolver os conflitos mais rapidamente (como mutirões de conciliação e tentativas de mediação pré-processual).

Juízes assessores da Corregedoria fazem monitoramento constante, mediante informações extraídas do Sistema de Automação da Justiça (SAJ) e também por meio de informações fornecidas pelo e-mail [email protected], preservando-se a identidade dos informantes.

Relatório divulgado em dezembro, quando o Numopede completou dois meses, informa que 10 mensagens enviadas ao e-mail deram origem a expedientes de monitoramento. Um trabalho sobre o seguro DPVAT definiu recomendações para juízes (medidas simples, como solicitar ao autor que indique o seu número de CPF e  inclua o boletim de ocorrência na inicial).

Já uma análise sobre conflitos envolvendo instituições financeiras serviu como base para firmar parceria com o banco Itaú: o Foro Regional de Santo Amaro passou a explicar os principais problemas praticados pelos advogados contratados pela empresa na hora de peticionar. Dessa forma, procura-se poupar o tempo de servidores e juízes e também otimizar o trabalho da própria parte interessada.


Patrocinadores do lançamento do Anuário da Justiça São Paulo 2017

IEPTB-SP Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil – Seção São Paulo
Warde Advogados
OAB-SP
Marcelo Leonardo Advogados

Apoiadores do evento:

Galil e Macabu Advogados
Cesar Asfor Rocha Advogados

Anunciantes:

Adib Abdouni Advogados
Advocacia Fernanda Hernandez
Affonso Ferreira Advogados
Antonio de Pádua Soubhie Nogueira Advocacia
APAMAGIS – Associação Paulista de Magistrados
Arns de Oliveira e Andreazza Advogados Associados
ASBZ Advogados
Bialski Advogados Associados
BMA – Barbosa, Müssnich, Aragão
Bottini & Tamasauskas Advogados
Bradesco S.A.
Braga Nascimento e Zilio Advogados Associados
Brandão Couto, Wigderowitz & Pessoa Advogados
Burg Advogados
Cesar Asfor Rocha Advogados
Chiarottino e Nicoletti Advogados
Dal Pozzo Advogados
Dannemann Siemsen Advogados
Décio Freire & Associados
Decoussau Tilkian Advogados
Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados
D'Urso & Borges Advogados Associados
Fernando Fernandes Advogados
Fidalgo Advogados
Galil e Macabu Advogados
Hasson Sayeg, Novaes, Venturole e Andrade Advogados
Heleno Torres Advogados
Hyundai Caoa
IEPTB-SP Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil – Seção São Paulo
Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP
Instituto Vertus
Kuntz Sociedade de Advogados
Leite, Tosto e Barros Advogados
Loeser e Portela Advogados
Lucon Advogados
Machado Meyer Advogados
Marcelo Leonardo Advogados
Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados
Mesquita Ribeiro Advogados
Moraes Pitombo Advogados
OAB-SP
Paolletti, Dias, Naves & Carvalho Sociedades de Advogados
Pinheiro Neto Advogados
Pires Advogados Associados
Porto Farias e Advogados
Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados
Rocha, Marinho e Sales Advogados
Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados
Sergio Bermudes Advogados
Sociedade São Paulo de Investimentos
Teixeira, Martins Advogados
Tofic Simantob Advogados
Toron, Torihara e Szafir Advogados
TozziniFreire Advogados
UNIP – Universidade Paulista
Warde Advogados

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