Olhar Econômico

A Organização do Tratado do Atlântico Norte veio para ficar

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

2 de março de 2017, 8h00

Spacca
João Grandino Rodas [Spacca]Dentre as organizações em que os Estados Unidos da América participa e que sofreram invectivas do então candidato à presidência, figura a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN ou NATO), organização internacional intergovernamental de natureza político-militar, com sede em Bruxelas  [1].

O desfecho da Segunda Grande Guerra, mormente em razão do modo como a Europa foi “liberada”, colocaria em campos opostos dois, até então aliados: os Estados Unidos da América e a União Soviética. Em razão da chamada Guerra Fria, surgiram duas alianças militares de defesa coletiva, sob a forma de organizações internacionais: a OTAN, com o objetivo de conter a chamada agressão soviética e o Pacto de Varsóvia, para defesa coletiva.

Tendo em vista que o Tratado de Bruxelas, de 17 de março de 1948, concluído pela Bélgica, França, Luxemburgo, Países Baixos e Reino Unido, seria insuficiente para proteger a Europa, líderes europeus conseguiram a adesão dos Estados Unidos. Daí resultou o Tratado do Atlântico Norte, assinado em Washington, D. C., em 4 de abril de 1949, que além dos já citados membros do Tratado de Bruxelas, teve como partícipes: Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, Itália, Islândia, Noruega e Portugal.

O Tratado do Atlântico Norte, cujo preâmbulo afirma o desejo de todos os povos de viver em paz, de garantir a liberdade e os princípios democráticos, resolveram unir esforços para a defesa coletiva e a preservação da paz e da segurança, possui quatorze artigos. O artigo 4º estabelece a consulta entre os membros, sempre que houver ameaça à integridade territorial, à independência política ou a segurança de qualquer das partes. Por força do artigo 5º, “ataque armado contra uma ou mais [Parte(s)] na Europa ou na América do Norte será considerada como ataque contra todas”, possibilitando “a cada uma, no exercício do direito, individual ou coletivo, de autodefesa, reconhecido pelo artigo 51 da Carta das Nações Unidas [2], assistir a Parte ou Partes atacadas, tomando, imediatamente, de modo individual ou juntamente com outras Partes, as ações consideradas necessárias, incluindo o uso de força armada, para restaurar ou manter a segurança no Atlântico Norte”. Conforme o artigo 10, o Tratado está aberto à adesão de Estado Europeu, que possa contribuir para a segurança do Atlântico Norte e seja, para tanto, convidado, unanimemente, pelos membros. Por seu turno, o artigo 13 regulamenta a retirada de Estado-Parte, prescrevendo tal possibilidade após tenha o tratado vigorado por vinte anos, desde que seja dado aviso prévio de um ano. O governo dos Estados Unidos é o depositário do tratado, conforme o artigo 14.

A OTAN começaria a materializar-se militarmente, em 1950, quando, em razão da Guerra da Coreia, se formou o Supreme Headquarters Allied Powers Europe (SHAPE) e os primeiros planos militares foram postos em prática. A partir de então, as operações multiplicaram-se e novos membros foram aceitos: Grécia e Turquia (1952), Alemanha Ocidental (1955) e Espanha (1982). Retiraram-se e posteriormente voltaram à Organização: França e Grécia. Aquela, durante a presidência de De Gaulle, em 1959, como protesto pelo papel secundário da França na OTAN, em que pontificavam os Estados Unidos, alinhados ao Reino Unido, retirou seu efetivo militar da esfera da Organização e determinou a retirada das forças norte-americanas estacionadas em seu território; tendo voltado a participar de maneira plena, inclusive sob o comando militar integrado, somente em 2009, no governo de Nicolas Sarkozy. A Grécia, saiu, em 1974, em razão da invasão de Chipre pela Turquia, tendo retornado em 1980. No auge da guerra fria, a OTAN possuía 16 Estados-membros, concentrando enorme poderio militar.

A escalada, inclusive atômica, da OTAN, o fato de a União Soviética não ter sido aceita como membro nessa organização (1954) e a aceitação da Alemanha Ocidental como membro da OTAN, provocaram a conclusão, em 14 de maio de 1955, do Tratado de Amizade, Cooperação e Assistência Mútua, mais conhecido como Pacto de Varsóvia, pela Albânia, Alemanha Oriental, Bulgária, Checoslováquia, Hungria, Polônia, Romênia e União Soviética.

O receio das consequências catastróficas de um encontro das forças das duas organizações levaram a várias cuidados de ambas as partes, de que a declaração da OTAN, em 1978, é um exemplo. Explicitou-se o objetivo dessa Organização como sendo a manutenção da segurança e a busca da détente, que significava fazer com que as defesas de ambos os lados estivessem empatadas, de modo a desencorajar um ataque. Entretanto, ao redor do mundo houve inúmeros enfrentamentos de fundo ideológico, fomentados pelos dois grandes, atuando nos bastidores e, por isso, conhecidas como guerras por procuração (by proxy), que podem ser exemplificadas pela Guerra da Coreia (1950/1953) e pela Segunda Guerra da Indochina (1953/1975).

A mudança do status quo mundial, provocada pela queda do muro de Berlim e pelas revoluções ocorridas nos países do bloco oriental, em 1989, causou a dissolução do Pacto de Varsóvia (formalmente declarado extinto em 1991) e a reforma da OTAN, que além das preocupações militares, agregou finalidades humanitárias e políticas, como ações contra o tráfico de pessoas e antipirataria. Contudo, as ocorrências na Ucrânia, a partir de 2014, com envolvimento russo, reacendeu, de certa forma, seus objetivos iniciais.

Durante a Guerra Fria, quando operante o Pacto de Varsóvia, a OTAN não realizou operações militares. Findo tal período, várias intervenções se sucederam: na Bósnia Herzegóvina (1992/1995), em Kosovo (1998/1999), no Afganistão (2001/2014), no Golfo do Aden (Operação antipirataria – 2009) e na Líbia (2011).

O crescimento do número de membros da OTAN, pós-Guerra Fria, iniciou-se com a entrada da República Federal da Alemanha (antiga Alemanha Oriental), em 1990; tendo prosseguido com Hungria, República Checa, Polônia, em 1999; e Bulgária, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Latvia, Lituânia e Romênia, em 2004. O total atual de membros é de vinte e oito Estados; enquanto que três Estados se preparam para se tornar partícipes: Bósnia e Herzegóvina, Montenegro e República da Macedônia. O aumento de membros da OTAN, principalmente pela adesão de antigos Estados-Partes do Pacto de Varsóvia tem sido visto pela Rússia como atitude inamistosa e continuidade da Guerra Fria, objetivando isolá-la. Daí ter-se tornado tabu, a participação da Ucrânia na OTAN.

O relacionamento internacional da OTAN é intenso, incluindo programas bilaterais, como o Partnership for Peace; bem como Diálogos, que pode ser exemplificado com o Diálogo Político com o Japão, iniciado em 1990; e os Diálogos Mediterrâneos com Israel e países norte-africanos, em curso desde 1994.

O Papel dos Estados Unidos na OTAN tem sido de extrema importância, desde as origens da organização internacional, que sem eles não teria existido. A presença desse Estado na Organização fez com que se operasse a uniformização no mundo ocidental, da terminologia das práticas militares, da sinalização para as aeronaves e do alfabeto fonético, tendo por parâmetro os usos norte-americanos. Seu papel é primordial, tanto que a saída da França da OTAN deveu-se à pouca atenção dada a ela pelo Estados Unidos, ao menos no sentir francês. Os Estados Unidos financiam 75% dos gastos militares da OTAN, que correspondem a 70% do dispêndio mundial com segurança; enquanto que os demais membros gastam não mais que 2% de seu produto interno bruto com defesa. Os Estados Unidos é um dos três membros da OTAN, que também são membros permanentes do Conselho de Segurança das ONU (com direito de veto), além de serem países, oficialmente, detentores de armas nucleares.

Se, de um lado, os Estados Unidos são, praticamente, imprescindíveis para a OTAN; não é desprezível a importância da OTAN para os Estados Unidos. Desde que o uso da força foi banido, internacionalmente, como modo de solução de litígios, pelo Pacto Briand-Kellog (1928) e pela Carta das ONU, um meio legítimo de usá-la é com base nos Capítulos VI e VII da Carta da ONU, em especial do artigo 51. A única vez que o artigo 5º do Tratado da OTAN foi invocado na história da Organização, foi para dar legitimidade ao envio de tropas para o Afeganistão, depois do ataque sofrido pelo Estados Unidos, em 11 de novembro de 2001.

O breve histórico da OTAN que acaba de ser feito, não o foi, meramente, para refrescar o conhecimento acerca da organização. Serve ao propósito de demonstrar que sua construção vem sendo feito por quase sete décadas, com o apoio de muitos Estados e com dispêndio, em termos de trabalho e de numerário, de várias gerações. Não será uma pessoa ou um grupo de pessoas que, poderá, em curto espaço de tempo, reduzir a escombros tudo o que foi feito.


1 Rodas, João Grandino, No mundo atual, nenhum Estado pode ser uma ilha, Revista Eletrônica Consultor Jurídico, de 2 de fevereiro de 2017; Haverá futuro para os tratados internacionais TPP e TTIP?, Idem, de 16 de fevereiro de 2017.
2 Artigo 51 – “Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos Membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais.”

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    é professor titular da Faculdade de Direito da USP, juiz do Tribunal Administrativo do Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (SELA) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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