Processo por difamação

Jornalista é condenado à prisão por chamar entidade de "chinfrim" e "mequetrefe"

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27 de maio de 2017, 8h52

Pena de prisão é o regime adequado a pessoas que usam “manto de jornalista” para atingir a honra alheia, de forma contínua. Assim entendeu a 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo ao condenar um jornalista a 8 meses e 10 dias de prisão, em regime semiaberto, por críticas publicadas contra a Associação dos Construtores, Imobiliárias e Administradoras do Grande ABC.

O colegiado reconheceu continuidade delitiva e, por maioria de votos, negou trocar a pena por restritiva de direitos. A 4ª Câmara, conhecida por raramente decidir em favor dos réus e apelidada por advogados de “câmara de gás”, proferiu a decisão em 11 de abril, no mesmo dia em que anulou condenação de policiais militares pela morte de presos do Carandiru.

Entre fevereiro e julho de 2013, o jornalista Daniel Lima publicou no site Capital Social nove textos sobre a associação sediada na Grande São Paulo. Ele declarou que a entidade “nada faz para os associados”, e a chamou de “mequetrefe”, “inútil”, “chinfrim”, “especulativa”, “antimoral”, “antiética” e “mambembe”, entre outros termos.

A associação reclamou de difamação à Justiça, como pessoa jurídica, alegando que as afirmações são injustas e podem afastar novos filiados. Já Lima, em sua defesa, respondeu que o processo “pinçou” palavras sem considerar o contexto de mera crítica literária e jornalística. Ele se definiu como profissional da imprensa contundente e autor de textos “fortes”.

O juízo de primeiro grau, porém, o condenou à prisão por difamação. O relator do recurso no TJ-SP, desembargador Edison Brandão, manteve a pena por considerar que o réu ofendeu a honra da associação e transbordou os limites constitucionais da liberdade de expressão. Como Lima assumiu os termos utilizados, o desembargador disse que o conjunto probatório demonstrou intenção de macular a imagem da autora.

“Ficou claro que o réu, agindo sob o manto de jornalista, se vê no direito de dizer e escrever o que bem entender, ainda que com isso atinja a honra alheia. Durante seu longo interrogatório, ao invés de buscar se defender ou justificar as palavras ofensivas, limitou-se a repeti-las e trazer novas acusações sobre pessoas alheias aos fatos, insinuando que Milton Bigucci [diretor da entidade], por conta de seu poder econômico, tem influência, inclusive, no Poder Judiciário”, escreveu o relator.

Perigo de reiteração
Ainda segundo o desembargador, o regime prisional “mostrou-se adequado como resposta jurisdicional apta à reprovação das condutas do réu, bem como para buscar impedir a reiteração criminosa”.

Ele afirmou que, apesar de o réu ser primário, agiu “com mesmo modus operandi e no mesmo local, aproveitou-se das condições do crime antecedente para prosseguir praticando novos crimes” e demonstrou “personalidade avessa ao ordenamento jurídico”. O relator afirmou também que a defesa em nenhum momento argumentou contra a pena de prisão, limitando-se a discutir supostas nulidades.

Em voto divergente, o desembargador Euvaldo Chaib concordou que as manifestações do réu “ultrapassaram o mero conteúdo jornalístico ou opinativo”, mas considerou desproporcional mandá-lo para o regime semiaberto no lugar de penas restritivas de direito, como prestação de serviço à comunidade. O entendimento, porém, ficou vencido.

A defesa agora tenta modificar o acórdão por meio de embargos infringentes (nova análise quando julgamentos não são unânimes) e recurso no Superior Tribunal de Justiça. Enquanto isso, uma liminar do ministro Nefi Cordeiro, do STJ, já afastou a execução provisória da pena.

Prisão por ofensa
O advogado Alexandre Marques Frias, defensor de Daniel Lima, considera a condenação um tipo de censura para conter a independência de jornalistas. Ainda segundo ele, a dosimetria da pena ultrapassou o mínimo legal, pois o juízo de primeiro grau aumentou a base em 50%.

A organização Repórteres sem Fronteiras já defendeu em outros casos a descriminalização dos crimes contra a honra, por entender que eventuais ofensas devem ser tratadas na esfera cível.

No ano passado, o jornalista baiano Aguirre Talento foi condenado a 6 meses e 6 dias de prisão, em regime aberto, por ter publicado que o Ministério Público estadual havia pedido a prisão de empresários suspeitos de delitos ambientais — na verdade, só havia apresentado denúncia — o que na prática dava no mesmo, já que a denúncia, aceita e acatada em seus termos implicaria a prisão dos acusados. Talento é um profissional respeitado e a condenação foi considerada injusta.

Clique aqui para ler o acórdão.
3006996-96.2013.8.26.0554

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