Opinião

Enquanto não houver lei, toda prisão preventiva deve ter prazo de duração

Autor

  • Marcelo Nobre

    é advogado pós-graduado em Direito Societário pela GVLAW ex-conselheiro nacional de Justiça (CNJ) e ex-conselheiro e diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) e da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp).

26 de maio de 2017, 17h11

Artigo publicado originalmente na edição desta sexta-feira (26/5) do jornal O Estado de S. Paulo.

John Stuart Mill, numa máxima do utilitarismo, disse que “liberdade consiste em fazer o que você deseja”. Cecília Meireles poetizou que “liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”. Será que de fato a liberdade é conceito assim de simples apreensão?

Seja como for, a melhor possibilidade de compreender o que é a liberdade se dá justamente quando o ser humano a perde, no momento em que ele é aprisionado, no dia em que a sua liberdade de mover-se no mundo é tolhida.

Examinar a prisão é assunto dos mais delicados. De um lado está o Estado a exercer o seu dever de punir os crimes, afastar o perigo que o criminoso representa; e, do outro, a pessoa que compulsoriamente perderá a liberdade para pagamento do delito que tenha cometido, no caso da condenação, ou do delito objeto de investigação, nos casos de prisões cautelares ou processuais.

O que de concreto se observa hoje, em todos os terrenos sociais, são pessoas clamando por justiça e a justiça representada especialmente pela prisão. O risco que a imprudência no desejo de punir ocasiona é grave. Ao atacar as garantias de um indivíduo, singelamente considerado, põe-se sob ameaça todo o Estado Democrático de Direito. A leitura que se pode fazer é a de um sentimento de acerto de contas, um gosto de vingança experimentado por todos quando a prisão de “figurões”, de políticos e de empresários se efetiva. E isso ainda que seja uma prisão cautelar, processual, não decorrente de uma condenação.

Nesses momentos, em que o clamor popular aponta totalmente para um lado do horizonte, é que as instituições jurídicas devem ser trazidas à tona, com vigor e equilíbrio, a fim de restabelecer limites razoáveis e proporcionais às retribuições que a sociedade espera quando se supõe a prática de um delito.

O juiz Sergio Moro disse, recentemente, que, “embora drástica, a prisão preventiva serviu para interromper a carreira criminosa de Paulo Roberto Costa, Alberto Youssef e Fernando Soares, entre outros, além de interromper, espera-se que em definitivo, a atividade do cartel das empreiteiras e o pagamento sistemático pelas maiores empreiteiras do Brasil de propinas a agentes públicos”. Nota-se que o próprio Moro reconhece a drasticidade da prisão preventiva, embora indique motivos relevantes considerados por ele para decretar tais prisões.

Não há discordância quanto à prisão preventiva em si, se decretada dentro dos fundamentos legais e factuais. Tratamos aqui de uma das áreas obscuras, que submergem em determinados momentos da História, quando se evidenciam abusos, excessos, equívocos e desequilíbrios que podem facilmente fazer ruir as estreitas fronteiras que asseguram a cada um de nós os direitos básicos e fundamentais da vida, sob a segurança do Estado.

Nenhum tipo de excesso encontra justificativa num sistema de Direito, ainda mais num país que viveu episódios plenos de obscuridade, em tempos em que abundantemente grassaram o desrespeito e a afronta ao ser humano.

Além do mais, hoje nos defrontamos com grave ausência de previsão legislativa no tocante ao prazo da prisão preventiva. É preciso fixar limites para algo que não tem limites na lei. Essa é uma das ilhas que submergem do inconsciente coletivo, podendo nos conduzir à clareza de decisões judiciais conscientes e constitucionais, ou à obscuridade dos abusos, da ofensa aos direitos da pessoa investigada ou denunciada pela prática de delitos.

A prisão preventiva é uma prisão cautelar, decretada pelo juiz diante dos pressupostos e requisitos estabelecidos em lei. Trata-se de uma modalidade de “prisão sem a existência de uma pena”, de natureza eminentemente processual. O juiz só poderá decretá-la a requerimento do Ministério Público, do querelante ou da autoridade policial, para atender à lei.

Deixemos claro que não há questionamento sobre a decretação das prisões preventivas quando fundamentadas no nosso ordenamento jurídico. O que se questiona é o absurdo de se aceitar prender um cidadão, sem que a prisão tenha um prazo. Não havendo lei a definir o prazo da prisão, o juiz deve fazê-lo já na primeira hora, assim que a decreta, com todas as justificativas que a validam.

Essa é uma solução razoável enquanto a lei não estabelecer o prazo da prisão preventiva, até para acelerar a instrução processual e balizar a própria atividade judicial. Não significa que, vencido o prazo fixado e sendo ainda necessária a prisão, não possa o juiz prorrogá-la. Mas aí diversos aspectos entram em discussão: a duração do processo, a razoabilidade do prazo para a prisão, todas as garantias aos indivíduos, a fim de que não sofram excesso ou coerção ilegal por conta de prisão por prazo excessivo ou injustificado.

Ainda que a prisão preventiva seja um instituto legítimo, deve-se questionar a forma como vem sendo aplicada na concretude dos processos penais, seja nos casos dos investigados por crimes de corrupção de alto poder aquisitivo, seja nos de presos pobres que compõem a maior parte da massa carcerária brasileira.

Conquanto não haja dúvida de que, na ausência de previsão legal em relação ao prazo da prisão, seja necessário ao Poder Judiciário decretar a prisão preventiva, também não há dúvida de que a liberdade humana é um bem da maior magnitude a ser considerado, o que exige que toda prisão tenha um prazo de duração definido.

O que se conclui é que tanto devemos programar-nos para estabelecer ou prestigiar um novo modelo de conduta para todo cidadão brasileiro como escrever as leis que fixem os limites da restrição de liberdade, para que não sejam suprimidas garantias já conquistadas e perfeitamente incluídas em nosso acervo de tutela jurídica sacramentada no ordenamento, depois de muita luta e muitas perdas.

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