Conceito de crueldade

Leia voto vencido do TJ-SP contra sacrifício religioso de animais

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22 de maio de 2017, 10h15

O argumento de que o país é laico não pode permitir a crueldade e os maus-tratos contra animais em rituais religiosos, abrindo brecha na legislação penal já em vigor. Assim entendeu o desembargador Xavier de Aquino em julgamento sobre a validade de uma norma do município de Cotia (SP) que proibia o sacrifício com finalidade “mística, iniciática, esotérica ou religiosa”.

Por maioria de votos, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo declarou o texto inconstitucional, nesta quarta-feira (17/5). O relator, desembargador Salles Rossi, viu tentativa de restringir a liberdade de culto e considerou desproporcionais as multas fixadas pela Lei 1.960/2016, porque não há relatos de grande número de sacrifícios no município.

TJSP
Para Xavier de Aquino, morte lenta de animais já é sinônimo de maus-tratos.
TJ-SP

Em voto divergente, Xavier de Aquino escreveu que o problema não está na quantidade de animais mortos, e sim na forma como são abatidos. “Imaginem Vossas Excelências (…) terem suas jugulares cortadas a sangue frio aguardando a morte lenta, totalmente conscientes, como ocorre nos rituais”, afirma o decano da corte.

Segundo ele, o Decreto 24.645 definiu em 1934 o significado de maus-tratos e crueldade: “Não dar morte rápida, livre de sofrimentos prolongados, a todo animal cujo extermínio seja necessário para consumo ou não”. Embora o dispositivo já tenha sido revogado, Aquino afirma que seguem “atualíssimas” as “sábias palavras” sobre o tema.

O desembargador diz que permitir tal prática cria uma excludente de antijurisdicidade, porque a Constituição Federal equipara o ser irracional ao ser humano e determina que o poder público proteja a fauna e a flora.

ConJur
Grupos religiosos acompanham, em abril, início de julgamento sobre lei de Cotia.
ConJur

Razão e sensibilidade
Aquino diz ainda que a capacidade de os bichos sentirem e terem percepções conscientes do que lhes rodeia é estudada pela “senciência”. Pesquisadores dessa corrente já assinaram manifesto declarando que mamíferos, aves e até os polvos possuem consciência. “E quando falo de cientistas de Cambrigde não me refiro a cientistas neófitos. Estou citando excepcionais cientistas renomados, v.g., Philip Low e o físico Stephen Hawking, este último, aliás, que inspirou o filme A Teoria de Tudo, ganhador de um Oscar”, ressalta.

Ele entende que judeus, muçulmanos e adeptos de religiões afro-brasileiras “repensarão sobre a questão dos sacrifícios cruéis” ao conhecerem esses estudos. Para o decano, trata-se de uma questão de sensibilidade, que não pode fugir ao juiz. “O julgador deve estar atualizado, ser um homem do seu tempo, não um homem das cavernas, do tempo de antanho.”

O desembargador só concordou com o relator ao avaliar que municípios podem legislar sobre o assunto porque, em conjunto com outros entes federativos, têm o dever de cuidar do meio ambiente. O Psol, autor do pedido, alegava que a lei de Cotia usurpara competência da União. O acórdão ainda não foi publicado.

Clique aqui para ler o voto divergente.
ADI 2232470-13.2016.8.26.0000

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