Saída constitucional

Operadores do Direito e políticos discutem o que fazer se Michel Temer cair

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18 de maio de 2017, 15h28

O manual sobre o que fazer no caso de o presidente da República e seu vice deixarem os cargos está na Constituição. Mas diante da possibilidade concreta disso acontecer, os mundos jurídico e político entraram em conflito sem saber para onde ir. Operadores do Direito apontam conflitos entre o artigo 81 da Constituição Federal e o artigo 224 do Código Eleitoral. Já a política ensaia soluções que consigam manter seu poder de controle sobre o processo, mas que não incendeie a opinião pública.

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Temer é acusado, em delação premiada homologada pelo STF, de incentivar o pagamento de R$ 500 mil ao ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para que não fizesse acordo de delação.
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No final das contas, essa discussão se resume à forma como será escolhido um substituto de Michel Temer: eleição direta com participação de todos os eleitores; indireta em que apenas parlamentares podem votar e se candidatar; ou indireta só com parlamentares votando, mas em que pessoas de fora do Congresso possam se candidatar.

O artigo 81 da Constituição Federal diz que, em caso de vacância dos cargos de presidente e vice, “far-se-á eleição 90 dias depois de aberta a última vaga”. Se essa vacância acontecer durante a segunda metade do mandato, as eleições devem ser indiretas e ocorrer em até 30 dias depois da última vaga, “na forma da lei”, segundo o parágrafo 1º do artigo.

A lei nunca foi editada, e o prazo é curto para solução tão complexa. A certeza é que, pelas regras constitucionais, o eleito assume o cargo apenas para completar o mandato dos cassados. A esse sistema se soma a decisão do Supremo Tribunal Federal de que réus em ações penais com denúncia recebida pela corte não podem ocupar a linha sucessória da Presidência da República. Não é um entendimento trivial. Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), são investigados no STF e podem se tornar réus.

Em 1945, a situação era diferente, mas a solução foi parecida. Naquele ano, Getúlio Vargas foi deposto, e uma Junta Militar pediu que o então presidente do Supremo, ministro José Linhares, conduzisse o processo de transição. Ele convocou eleições diretas, e Eurico Gaspar Dutra foi eleito em 1946. Linhares, então, voltou ao tribunal.

Hoje, a regra constitucional não permite eleições diretas nos casos de dupla vacância da Presidência da República. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, deputado Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), já anunciou nesta quinta-feira (18/5) que o colegiado vai discutir uma proposta de emenda à Constituição que estabelece a possibilidade de eleições diretas no caso de vacância da Presidência da República.

É uma tese impopular entre constitucionalistas. Fora dos círculos jurídicos, avalia-se que, qualquer que seja o contorno técnico que se dê à solução, se ela resultar em eleições diretas, terá maior aceitação popular do que eleições indiretas. Difícil é convencer a classe política a abrir mão do controle sobre o processo e sobre o resultado dele — e a aceitar o resultado depois.

Foro adequado
Difícil também é evitar que o Supremo seja o dono do processo. O conflito entre a Constituição e o Código Eleitoral, por exemplo, está em duas ações de inconstitucionalidade já prontas para serem julgadas e que aguardam apenas a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, escolher um dia para incluí-la em pauta. O ministro Luís Roberto Barroso é o relator de ambas.

As duas alegam a inconstitucionalidade dos parágrafos 3º e 4º do artigo 224 do Código Eleitoral. Eles estabelecem que devem ser feitas eleições diretas em qualquer caso de cassação de mandato ou indeferimento de registro de candidatura pela Justiça Eleitoral. A única exceção é se isso acontecer a menos de seis meses do fim do mandato.

Em uma das ADIs, de autoria da Procuradoria-Geral da República, a Clínica de Direitos Fundamentais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro pede que o Supremo aplique a mesma regra prevista no Código Eleitoral aos casos de dupla vacância da Presidência da República. Em petição assinada pelo constitucionalista Daniel Sarmento, a entidade afirma que a interpretação seria a mais adequada ao princípio democrático e à representação popular.

De acordo com a peça, as exceções aos princípios fundamentais da Constituição devem ser interpretadas de maneira restrita. E o artigo 81, diz Sarmento, é uma dessas exceções. “O Congresso Nacional recebe seus poderes do povo”, afirma a petição. “Por isso, não há óbice para que a instituição 'restitua' ao povo, do qual é mandatária, o exercício de parcela desse poder, no que concerne à tomada das decisões políticas fundamentais da Nação.”

Palavra final
A petição da Uerj é motivada pela ação que corre no TSE que investiga se a chapa Dilma-Temer cometeu crimes durante as eleições de 2014. Caso a corte entenda que houve ilegalidades, Temer será cassado.

Mas sempre cabe recurso ao Supremo, que pode conceder a tutela cautelar para manter o presidente no cargo enquanto o processo tramita. Foi o que acontece com o casal João e Janete Capiberibe, ex-senador e ex-deputada, em 2011. Eles tiveram os mandatos cassados pelo TSE e ajuizaram um recurso extraordinário no Supremo, com pedido de efeito suspensivo.

O relator, ministro Eros Grau, concedeu a tutela cautelar monocraticamente, e o casal manteve os mandatos. Depois, o Plenário do STF negou provimento ao recurso, e ambos foram cassados de seus cargos.

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