"Ação controlada"

Áudio de conversa de Temer com Joesley reacende discussão sobre flagrante armado

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18 de maio de 2017, 20h15

Agora que foi divulgada a conversa do presidente da República Michel Temer com o presidente do frigorífico JBS, Joesley Batista, começa a discussão sobre se a gravação realmente incrimina o presidente. Juristas apontam que Joesley, como delator, agiria como braço do Estado, instigando o presidente ao crime — o que caracteriza o flagrante preparado, que não é aceito como prova. Já a Procuradoria-Geral da República afirma que se trata de "ação controlada", perfeitamente legal. 

O juiz federal Ali Mazloum explica a diferença: a ação controlada envolve o flagrante esperado, que é quando a polícia sabe previamente que um crime vai acontecer e se posiciona para o flagrante, podendo retardar a prisão para ver o crime se consolidar.

No entanto, não é isso que ele diz ver no caso de Temer: “Em tese, parece-me que foi criada uma situação ilegal, assemelhada ao que a doutrina denomina ‘flagrante preparado’, isto é, o agente é colocado como um mero protagonista inconsciente de uma peça teatral, de um espetáculo”.

Advogados ouvidos pela ConJur deixam claro que investigados não poderiam ser incentivados por agentes do Estado a cometer crimes. A questão foi bastante discutida no caso de Sérgio Machado, delator da "lava jato" que gravou as próprias conversas. A utilização das chamadas gravações clandestinas (quando um dos interlocutores grava a conversa sem avisar o outro) só deve ser aceita, segundo especialistas em Direito Penal, em dois casos, sempre em defesa própria: para a preservação de direitos (um acordo verbal, por exemplo) ou para se proteger de uma investida criminosa (como uma extorsão).

O jurista Ives Gandra Martins, no entanto, aponta que o Supremo Tribunal Federal passou a validar tal atitude ao determinar a prisão do ex-senador Delcídio do Amaral com base na gravação feita pelo filho do ex-gerente da Petrobras Nestor Cerveró. A corte alterou uma jurisprudência até então pacificada sobre a ilicitude de flagrantes previamente montados pelas autoridades.

Reprodução
Temer foi acusado de pedir a compra do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha.
Gandra Martins Divulgação

“Depois do Delcídio passamos a ter uma aceitação do Supremo de que, se o Ministério Público pedir, deixa de ser prova ilícita” diz Ives Gandra.

Delcídio foi gravado oferecendo ajuda a Cerveró, inclusive apresentando um plano de fuga ao Paraguai, para que ele não firmasse acordo de delação premiada. Depois da prisão, Delcídio ficou sem partido e foi cassado pelo Senado com 74 favoráveis e nenhum contra de um total de 81.

O juiz Ali Mazloum afirma, no entanto, que, mesmo na chamada ação controlada, não se pode criar a situação do flagrante preparado. De acordo com o magistrado, no flagrante preparado, como há a produção do resultado pelo Estado, incide o chamado "crime impossível".

Para Bruno Silva Rodrigues e Rafael Serra de Carvalho, do escritório Bruno Rodrigues Advogados, o problema é que esse "novo método de reconstrução da verdade, longe de revelá-la, pode provocar incorreções, afinal, o contexto processual não comporta apenas uma narrativa homogênea".

Daniel Bialski, advogado criminalista e sócio do Bialski Advogados, considera a questão controvertida. “Se ficar evidenciada a indução e provocação pré-ordenada, efetivamente se poderá recorrer à Súmula 145 do STF e se desclassificar os elementos sob o enfoque de prova proibida de ser usado por ter sido obtida de forma ilícita”.

O dispositivo citado por Bialski define que não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.

Sem prisão
O especialista em Direito Penal Leonardo Pantaleão, afirma que, caso seja comprovado o crime de Temer — pedido de pagamento a Cunha para manter o silencia do ex-parlamentar que está preso desde 2016 —, ele não poderá ser preso. “Neste tipo de delito não é previsto o cerceamento físico com a pena de prisão. Tratar-se-ia de um ato de atentado à probidade administrativa, com sanções específicas.”

Já Bialski tem entendimento totalmente oposto. Para ele, Temer pode sim ser alvo de prisão cautelar caso fique caracterizada tentativa de obstrução da coleta de provas. “Essa é uma das hipóteses do artigo 312 do Código de Processo Penal, quando fala dos requisitos da custódia”, afirma.

O advogado criminalista e constitucionalista Adib Abdouni lembra que a Constituição Federal define que o presidente da República só poderá ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal após a autorização prévia, por dois terços dos membros da Câmara dos Deputados. “É relevante observar que enquanto não sobrevier sentença condenatória, o chefe do Poder Executivo Federal não estará sujeito à prisão”, diz.

De acordo Sylvia Urquiza, sócia do Urquiza, Pimentel e Fonti Advogados, a denúncia de que Temer teria pedido a compra do silêncio de Cunha pode ser considerada ato que motivasse o afastamento do peemedebista da presidência. ”O processo de impeachment diz respeito a infrações político-administrativas que constituam crime de responsabilidade e, dessa forma, poderia ser instaurado, em tese, já que a obstrução da Justiça seria causa de quebra de decoro”, conclui.

Relembre o caso de Delcídio
Delcídio apareceu em gravações oferecendo R$ 50 mil por mês à família de Cerveró para que o executivo não assinasse um acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal. Se optasse por assinar, Delcídio pedia que nem ele nem o dono do banco BTG Pactual, André Esteves, que também foi preso, fossem mencionados na delação.

Delcídio também garantia que Cerveró sairia da prisão. Ele contou que já havia conversado com os ministros Teori Zavaschi e Dias Toffoli, já estava com um café marcado com o ministro Luiz Edson Fachin e falaria com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e com o então vice-presidente Michel Temer para que procurassem o ministro Gilmar Mendes.

Dessa forma, ele garantia uma maioria na 2ª Turma para a concessão de um Habeas Corpus. E concedido o HC, Delcídio também já havia preparado um plano de fuga para a Espanha, por meio do Paraguai, em um jato.

As reuniões foram gravadas pelo filho de Cerveró, Bernardo, que procurou a PGR depois de ter dito perder a confiança no advogado do pai, Edson Ribeiro (que também teve a prisão decretada por estar envolvido nas negociações de Delcídio). A gravação das reuniões, então, passou a fazer parte do acordo de delação premiada de Cerveró.

Em depoimento a um dos responsáveis pela operação “lava jato”, Cerveró disse que seu filho gravou a reunião que levou Delcídio do Amaral à prisão “com sugestão do próprio procurador”. Logo depois, no entanto, ele trocou olhares com seus advogados e mudou a versão: disse que o procurador apenas alertou que, sem provas, a acusação de que o ex-senador conspirava sua soltura não teria validade.

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