Prancha, câmera, ação

Filmar baleias não é crime de molestamento de cetáceos, decide TRF-4

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13 de maio de 2017, 7h20

A Lei 7.643/87, que prevê até cinco anos de prisão para quem "molestar" baleias e golfinhos, é exemplo clássico dos exageros penais. O Ministério Público Federal quis levá-la ainda mais longe ao denunciar um homem que filmou baleias sob o argumento de que sua proximidade mudou a rotina dos animais. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região não deixou.

De acordo com a corte, é preciso que fique clara a intenção de molestamento para que haja condenação, existindo a possibilidade de danos ou ofensas a estes animais, e não o simples contato ou proximidade de banhistas.

A 4ª Seção do TRF-4 acolheu Embargos Infringentes e de Nulidade e, assim, absolveu um fotógrafo catarinense que filmou duas baleias francas (que são quase todas pretas, com uma mancha branca na barriga) numa área de preservação do litoral do município de Palhoça (SC). Como os animais são protegidos, por se encontrar em processo de extinção, ele acabou denunciado por "molestamento de cetáceos".

O relator do recurso da corte, desembargador Victor dos Santos Laus, seguiu o voto da desembargadora Cláudia Cristofani, que havia absolvido o réu por atipicidade da conduta. Conforme Laus, o contexto fático-probatório mostra uma situação peculiar, que não se confunde com as hipóteses do tipo penal.

Cláudia Cristofani disse que o réu, usando um capacete com câmera, aproximou-se das baleias sem intenção de molestá-las ou de prejudicá-las, mas apenas de admirá-las. Tanto que, no vídeo (veja abaixo), em estado de êxtase, agradeceu a Deus por estar na presença destes animais e pela ‘‘natureza maravilhosa’’.

O caso
O fato que deu início à persecução penal ocorreu no dia 15 de setembro de 2011, dentro da Unidade de Conservação Federal da APA da Baleia Franca, no município de Palhoça (SC). Morador no local, o fotógrafo avistou duas baleias e, com a filmadora, foi ao encontro delas, usando uma prancha de surf. Este encontro rendeu um vídeo de 11 minutos, postado no YouTube no dia 19 de setembro.

A imprensa local registrou a façanha, o que rendeu ao fotógrafo multa de R$ 5 mil, aplicada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, pois a baleia franca (Eubalaena australis) integra a lista de Espécies Ameaçadas de Extinção no Brasil. O MPF, no entanto, disse vislumbrar indícios de "molestamento de cetáceos".

O processo
O juiz Marcelo Krás Borges, da 6ª Vara Federal de Florianópolis, julgou improcedente a denúncia, por entender que o réu, "maravilhado" com as baleias, só pretendia filmá-las. E tal se justifica, pois, além de surfista, é ativista ambiental e tem vários trabalhos publicados, retratando as belezas naturais de Santa Catarina.

"Apesar de a proximidade das baleias ter alterado a rotina dos animais, tenho que não houve a intenção de molestar ou causar qualquer ofensa. Trata-se de caso diferente, que não pode ser tratado da mesma maneira de um barco que chega perto e toca nas baleias. Constata-se que agiu ingenuamente o réu, aproximando-se com a intenção de admirar os animais, não havendo a incidência do tipo penal", julgou.

O MPF apelou ao TRF-4. A 7ª Turma da corte, por maioria, deu provimento à Apelação, condenando o autor a dois anos de reclusão, substituindo a pena pelo pagamento de um salário mínimo, 10 dias-multa e prestação de serviços à comunidade. Para o desembargador Márcio Rocha, voto condutor da decisão, a corte tem manifestado cautela na aplicação do princípio da insignificância em matéria ambiental, dado o interesse coletivo envolvido e o cunho preventivo conferido à tutela do meio ambiente.

Neste julgamento, a desembargadora Cláudia Cristofani ficou isolada, pois votou pela absolvição do réu, por considerar a conduta penalmente atípica.

A defesa do réu ingressou, então, com embargos infringentes e de nulidade na 4ª Seção do TRF-4, para fazer prevalecer o voto da desembargadora. O colegiado, formado por magistrados da 7ª e 8ª Turmas, com o objetivo de uniformizar a jurisprudência em matérias de Direito Penal, acolheu o recurso.

Veja o vídeo:

Clique aqui para ler a sentença.

Clique aqui para ler o voto divergente.

Clique aqui para ler o acórdão da 4ª Seção do TRF-4.

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