Olhar Econômico

Direito precisa compreender a mudança trazida pela agricultura digital

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

11 de maio de 2017, 18h10

Spacca
Primeiramente surgiam os fatos sociais, seguindo-se sua regulamentação pelo Direito. A observação dessa dinâmica levou os romanos a cunharem a máxima ex facto oritur jus. (dos fatos nasce o Direito).  Como acontecimentos novos surgem sem cessar, mormente no mundo atual, novas regras jurídicas são sempre necessárias. Dentre tais fatos novos, sobreleva-se a agricultura digital.

Em razão da inovação tecnológica grande parte das plantadeiras, pulverizadores, colheitadeiras e tratores possuem capacidade para armazenar e monitorar dados sobre as operações que realizam. Os equipamentos mais sofisticados tecnologicamente não necessitam operador e são dotados de sensores que armazenam dados relativos ao seu rendimento, topografia e composição de solo. Abre-se assim aos agricultores modernos a indispensabilidade de administrar grande número de insumos, informações e condições de campo, com o intuito de maximizar os ganhos de suas lavouras. Mais do que tudo, entretanto, pode-se aquilatar o potencial não explorado de produtividade.

Por seu turno, o progresso da ciência de dados permite a descoberta de oportunidades e quais os benefícios poderão ser obtidos. Exemplificativamente, a integração de informações sobre a ocorrência de pragas possibilitaria a prevenção de doenças ou sua precoce descoberta, permitindo combate com menor custo, maior eficácia, além da utilização mais coerente de insumos agrícolas

A agricultura digital combina grandes fontes de dados, modelos, e informações sobre as culturas para fornecer ao agricultor automação, um controle mais preciso das operações de campo, bem como a possibilidade de geração de insights em cada operação realizada. Para atingir esses resultados, a agricultura digital compreende o uso de equipamentos, softwares, e big data. Portanto, nessa espécie de agricultura são utilizados dados cuja escala, diversidade e complexidade requerem o uso de arquitetura de dados específica, técnicas, algoritmos, e análises para poder gerenciá-los e extrair valor por meio do conhecimento oculto existente a partir deles.

É improvável que a agricultura digital substitua métodos tradicionais de monitoramento e aconselhamento agronômico, pois visa fornecer um novo conjunto de ferramentas para ajudar a melhorar o exercício dessas atividades. Certamente, ela auxiliará o agricultor a acelerar a adoção natural de novas práticas culturais e tecnológicas para atingir os benefícios agregados à agricultura. Atualmente, a coleta e integração de dados em uma nuvem já permite ao agricultor facilitar a gestão do que acontece no campo, bem como o acesso remoto das respectivas informações.

Se Malthus, em sua época, pudesse prever os desenvolvimentos modernos, em que se inclui a agricultura digital, suas previsões, certamente, teriam sido diferentes. Hodiernamente, o agricultor conta com ampla gama de soluções e pode contribuir para alimentar o mundo, cuja população é crescente. Os dados fornecidos pelas ferramentas digitais, possibilitam aos agricultores aprimorar práticas agrícolas e conservar recursos naturais. A evolução da infraestrutura de captação, armazenamento e processamento de dados vem possibilitando que instituições e empresas, servindo-se da agricultura digital, façam com que agricultores possam utilizar ferramentas digitais para a entrega de serviços no campo.

A agricultura digital situa-se na confluência de novas tecnologias[1] e seu potencial econômico é tema de análises e discussões, fundamentadas, quer no valor que a utilização das ferramentas digitais agrega no campo e pode ser percebida pelo agricultor; quer no aumento de velocidade da inovação na agricultura.

Pesquisa realizada pelo The Goldman Sachs Group, Inc.[2], aponta para a existência de aumento potencial de 70% na produtividade das lavouras, permitindo a criação de um mercado de US$ 240 bilhões para tecnologias agrícolas até 2050. Isso em função de  fatores como novas tecnologias, perdas resultantes da utilização incorreta de insumos agrícolas, assim como da expectativa de crescimento da população mundial comparada com a disponibilidade de terras agrícolas.

A partir da década de 70 do passado século, o crescimento na produtividade das lavouras deveu-se, em grande parte, pela utilização de sementes híbridas (biotecnologia). Atualmente, um conjunto de novas tecnologias começa a ser disponibilizado nas propriedades agrícolas, com a capacidade de elevar mais uma vez a produtividade a patamares sem precedentes.

Nesse cenário, na identificação e avaliação dos possíveis impactos econômicos que as novas tecnologias para a agricultura poderiam ter sobre a produtividade global destacam-se:

Áreas de novas tecnologias

Mercado potencial

Potencial aumento de produtividade

Adubação de precisão

US$ 65 bilhões

18%

Plantio de precisão 

US$ 45 bilhões

13%

Redução na compactação dos solos

US$ 45 bilhões

13%

Pulverização de precisão

US$ 15 bilhões

4%

Irrigação de precisão

US$ 35 bilhões

10%

Para possibilitar a concretização dessas previsões até 2050, grandes desafios precisam ser superados: desde a necessidade de infraestrutura adequada; acesso a dados que poderão ser obtidos com a colaboração de drones, satélites e sensores; até dificuldades para a aquisição de produtos e serviços. Para o agricultor, o valor pode ser criado a partir do planejamento da cultura a ser implementada no campo, em atividades como a escolha da semente a ser plantada. Dessa forma, observa-se que os investimentos realizados para a conectividade, captação, agregação e análise de dados, bem como para vendas e assistência técnica aos agricultores nessa nova realidade passam a fazer sentido, na medida em que novas tecnologias começam a ser utilizadas com sucesso pelo agricultor, ajudando a aumentar a produtividade e a preservar recursos naturais.

Na senda de toda essa mudança e para fazer com que ela se possa realizar, é necessário que o direito acompanhe e facilite tal empreitada. São fatos novos que exigem regulamentação apta. Sendo universal o fenômeno que vimos descrevendo, ele vem sendo estudado e tratado por inúmeras entidades com as mais diversas características e objetivos. Aqui no Brasil, precisamos participar cada vez mais de todo esse afã, com o intuito de discutir e influenciar, tanto o Direito em elaboração, quanto a interpretação do Direito, porventura aplicável, já existente.

 


[1]  Ver Rodas, João Grandino, “Normativa ambiental e relativamente nova e indispensável“ e “Corrida pelas plantas biofábricas exige incentivo à pesquisa”,  Revista Consultor Juridico, respectivamente 13 e 27 de abril de 2017.

[2]Goldman Sachs. Equity Research, 13 de julho de 2016. Disponível em: < http://docdrop.org/static/drop-pdf/GSR_agriculture-N1sH6.pdf>. Acesso em 7 de maio de 2017.

Autores

  • é professor titular da Faculdade de Direito da USP, juiz do Tribunal Administrativo do Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (SELA) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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