Cofres vazios

"Cobrar grandes devedores não é bala de prata para resolver crise fiscal do Rio"

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7 de maio de 2017, 7h34

Spacca
O acordo de ajuda financeira que o estado do Rio de Janeiro firmou com a União vem sendo intensamente atacado por políticos, economistas heterodoxos e pela população. Segundo os críticos, em vez de prejudicar os fluminenses com o aumento da contribuição previdenciária e com a privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), o governo estadual deveria buscar recursos cobrando os grandes devedores da dívida ativa. Contudo, o procurador-geral do estado do Rio de Janeiro, Leonardo Espíndola, afirma que a proposta é uma ficção.

“O Rio de Janeiro recupera 1,3%,1,4% de seu estoque, que é de R$ 77 bilhões. (…) Só para se ter uma ideia, entre os 20 maiores devedores da dívida ativa há várias empresas que já fecharam, sem bens, outras que são detentoras de imunidade reconhecida pelo STF, como os Correios, e várias empresas envolvidas em atividades suspeitas na operação de distribuição de petróleo, como a refinaria de Manguinhos. Também tem grandes empresas que depositam o valor em juízo em execuções e disputam os processos por 15, 20 anos. Não há muito que se possa fazer para dar a celeridade necessária. É algo com que o estado tem que se preocupar, há muito que evoluir nesse sentido, mas ela não é uma bala de prata que resolverá o nosso problema”.

Segundo Espíndola, que foi secretário da Casa Civil do governo de Luiz Fernando Pezão (PMDB) por dois anos e vem participando das tratativas com a gestão de Michel Temer (PMDB), o compromisso celebrado em janeiro “não é o acordo dos sonhos do estado, mas é o acordo possível” para balancear as contas fluminenses.

A deterioração das contas não foi causada pelos incentivos fiscais, sustenta o procurador-geral. De acordo com ele, esse é um importante mecanismo para atrair empresas para o estado, que gera empregos e, na verdade, aumenta a arrecadação. Por isso, Espíndola teme que a proibição de o Rio conceder novos benefícios tributários afugente investidores e prolongue ainda mais o calvário da região.

Outra medida polêmica defendida pelo chefe da PGE-RJ é a reforma da Previdência. “A reforma precisa ser feita, sob pena de fracassarmos como nação”, declara. Para ilustrar seu ponto, ele aponta que 240 mil aposentados e pensionistas do estado do Rio de Janeiro recebem a mesma quantia que as áreas de segurança, educação e saúde, juntas.

Em entrevista à ConJur, Leonardo Espíndola – que é procurador do estado desde 2000 e comanda a instituição desde novembro – apresentou as metas de sua gestão, defendeu que membros das procuradorias também possam exercer a advocacia privada e disse ser favorável à plena autonomia da carreira.

Leia a entrevista:

ConJur — Quais são os objetivos da sua gestão como procurador-geral do Estado do Rio de Janeiro?
Leonardo Espíndola
— O objetivo principal de qualquer administrador público é tentar melhorar, ter uma instituição mais eficiente, mais inserida na sociedade e que demonstre a importância dela para a vida do cidadão. Em um momento de crise, é claro que a Procuradoria vai ter um papel importante. Como servidores públicos do estado do Rio de Janeiro, não podemos nos conformar com essa situação. Então a PGE tem que tentar incrementar o recebimento da dívida ativa, adotar medidas e incentivar seus processos principais para a recuperação de ativos. Nós temos que tentar evitar a judicialização desnecessária. Temos que voltar o trabalho do procurador para aquilo que efetivamente irá resgatar o equilíbrio fiscal dentro do estado do Rio de Janeiro. Creio que temos feito um bom trabalho nesse sentido. E temos que dar uma dimensão para a sociedade, que muitas vezes não consegue identificar com clareza qual o trabalho do procurador do estado. A nossa atuação viabiliza as políticas públicas do governo legitimamente eleito. Isso não há dúvida. Mas tentamos fazer com que as pessoas também enxerguem a PGE como uma defensora da sociedade.

ConJur — Quais são as ações mais importantes em que a PGE está envolvida no momento?
Leonardo Espíndola
— A procuradoria, como órgão central do sistema jurídico do governo, está envolvida em praticamente todas as ações. Nós temos uma atuação muito destacada nas operações de óleo e gás e discussões com a Agência Nacional de Petróleo (ANP), que são ações muito relevantes na fixação do preço de referência do barril de petróleo. Existe uma ação no Supremo Tribunal Federal cobrando da ANP a fixação de novos parâmetros do preço de referência do barril de petróleo, pois os critérios atuais encontram-se absolutamente defasados da realidade do mercado. Tem outra no STF que cobra a correção monetária que a União não tem pago ao estado do Rio de Janeiro na transferência de royalties de participação especial. São ações relevantes, que discutem valores na ordem de bilhões de reais. Em razão da importância de óleo e gás, nós temos um grupo da PGE que cuida particularmente dessas questões. Na área previdenciária, temos projetos de combate a fraudes no Rio Previdência, das pensões de filha maior de idade, legatários, viúvas… São projetos que foram desenvolvidos no Rio Previdência para auditar os pagamentos que são feitos, saber se esses pagamentos são feitos com o fundamento legal ou se está havendo algum tipo de fraude. Tem muita coisa. A PGE cuida desde a questão da torcida única no Maracanã até a recuperação dos ativos na operação “lava jato”, evitando arrestos da União. Temos evitado arrestos nas contas do estado por liminares que conseguimos com a ministra Cármen Lúcia. Teve a decisão dela que permitiu o aumento da alíquota do ICMS sobre diversos produtos. Conseguimos impedir o cancelamento do Bilhete Único, evitando que as concessionárias do serviço público de transporte de passageiros pudessem impedir a aceitação do Bilhete Único em razão de um atraso de repasse do estado. Agora entremos nessa briga do Planetário, na Gávea [Zona Sul do Rio], que quase foi a leilão devido a dívidas trabalhistas. Esse terreno pertence à Companhia Estadual de Habitação (Cehab). Como o Planetário está sendo afetado — e tem uma finalidade pública — nós queremos que o município do Rio faça uma permuta com o estado, de forma a preservar tanto o Planetário quanto a futura estação de metrô da Gávea.

ConJur — Como é a atuação da PGE na operação “lava jato”, que o senhor mencionou?
Leonardo Espíndola
— Nós temos uma interface permanente com a força tarefa da “lava jato”. Fizemos um acordo com o Ministério Público Federal e conseguimos R$ 250 milhões, que tinham sido recuperados por força de uma delação premiada, para pagar o 13º salário de 146 mil aposentados e pensionistas que ganhavam até R$ 3,2 mil. Além disso, a PGE tem acompanhado de perto as investigações lideradas pelo Ministério Público Federal no Rio e colaborado com o esforço de repatriação de recursos para o estado.

ConJur — É papel da PGE defender autoridades ou participar das investigações?
Leonardo Espíndola
— A missão constitucional da PGE é defender os interesses do estado do Rio de Janeiro. Nesse sentido, criamos, pela Resolução PGE 4.045/2017, a Comissão Especial de Auxílio ao Controle Interno, com a finalidade de estudar e apresentar proposta de adoção de medidas administrativas ou judiciais para o aprimoramento das ações de prevenção a atos lesivos à Administração Pública e à reparação de eventuais danos causados ao Erário.

ConJur — Como a PGE tem atuado para combater a atual crise econômica do estado do Rio de Janeiro?
Leonardo Espíndola
— O Rio de Janeiro vive uma crise sem precedentes em sua história. É um estado muito vinculado às atividades da indústria de óleo e gás. Houve uma queda no preço do barril de petróleo muito intensa a partir do final do ano de 2014. O preço do barril de petróleo chegou a US$ 120 e caiu para US$ 30. Isso representou uma queda acentuada de receitas para o Rio de Janeiro. Mas isso está longe de ser o único problema. Desde 2014, há um enfraquecimento das atividades da Petrobras no país inteiro. E o Rio de Janeiro sente ainda mais essa crise da Petrobras, não só porque a sede da estatal está no Rio, mas também porque as principais atividades de exploração e produção de petróleo da Petrobras estão no estado. Além disso, a Petrobras tem outros grandes empreendimentos no estado, como o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, em Itaboraí. Isso tudo impacta de uma maneira muito acentuada a nossa economia. Para se ter uma ideia, 30% do produto interno bruto do estado vem de petróleo e gás. E há, obviamente, um cenário de crescimento negativo nos últimos três anos no país. A procuradoria tem tido um trabalho destacado nesse momento delicado. Nós temos nos dedicado a contribuir, de alguma forma, com o assessoramento para a adoção de medidas estruturantes. São medidas estruturantes que, às vezes, são penosas para o servidor público, mas elas parecem ser necessárias. Aqui não vai nenhuma avaliação política, mas não há como se sair de uma crise dessa magnitude, onde nós temos um déficit de quase R$ 20 bilhões por ano no Rio. Só na previdência do estado do Rio de Janeiro arrecada-se R$ 5 bilhões com as contribuições previdenciárias e gasta-se R$ 18 bilhões, para 240 mil aposentados e pensionistas. R$ 18 bilhões é exatamente o mesmo valor do orçamento anual de saúde, segurança e educação para quase 17 milhões de habitantes do nosso estado. Então há uma disfunção previdenciária gigantesca, e que precisa ser corrigida.

Quando se apresenta essas medidas de aumento da contribuição previdenciária [de 11% para 14%, segundo o projeto em discussão na Câmara dos Deputados] obviamente nenhum servidor público gosta, mas, infelizmente elas parecem ser necessárias neste momento. O enfrentamento das questões relacionadas a servidores é um elemento necessário para a saída da crise. Claro que o Brasil precisa voltar a crescer, mas algumas medidas emergenciais duras precisam ser adotadas, para que a gente tenha um mínimo de equilíbrio entre o que se arrecada e o que se gasta. E hoje temos um total desequilíbrio. Diversas medidas foram adotadas nesse sentido. Nós entramos com uma ação no Supremo Tribunal Federal em fevereiro onde se buscava a antecipação do termo de compromisso que foi celebrado entre a União e o estado, pelo qual ficou acordado o plano de ajuste fiscal. Esse plano impõe uma série de medidas para o estado, como a venda de ativos, como a Companhia Estadual de Águas e Esgoto (Cedae), e o aumento da alíquota previdenciária dos servidores.

Nós fomos ao Supremo Tribunal Federal para mostrar que o estado não tinha condições de aguardar o desfecho de todo o trâmite da aprovação de uma série de medidas legislativas para receber a ajuda da União. No final de 2016, também fomos ao Supremo para pedir a liberação de um projeto de lei aprovado pela Alerj que autorizava o aumento de alíquotas de ICMS de diversas mercadorias pudesse ser cobrado no ano de 2017. Houve uma liminar no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que impedia esse aumento, sob o argumento de que teria havido um vício na tramitação desse projeto de lei. Dessa forma, a corte impediu a sanção dele pelo governador. Mas nós conseguimos, no dia 30 de dezembro de 2016, uma decisão que permitiu que o governador sancionasse o projeto de lei sob o argumento de que havia um perigo da demora, porque se essa lei não fosse sancionada em 2016, o aumento não poderia ser cobrado em 2017, em razão do princípio da anterioridade. E isso poderia representar uma perda de arrecadação de quase R$ 1 bilhão para o estado do Rio de Janeiro. Então, a PGE se mostra absolutamente decisiva nesse momento de crise.

ConJur — Muitos argumentam que em vez de vender a Cedae ou aumentar o percentual da contribuição previdenciária de servidores, o governo do Rio deveria intensificar os esforços em receber de grandes devedores fiscais que estão em dívida ativa. O que o senhor pensa dessa crítica?
Leonardo Espíndola
— A dívida ativa é um problema da federação como um todo. Para se ter uma ideia, o estoque da União em dívida ativa supera R$ 1 trilhão. E a recuperação desse estoque é de menos de 1%. Se o problema da dívida ativa fosse um problema exclusivamente do Rio de Janeiro, a União teria resolvido seu déficit fiscal com a recuperação desse R$ 1 trilhão. Só que isso é uma ficção. O percentual de recuperação da dívida ativa da União foi de 0,8% nos últimos anos, em média. O Rio de Janeiro recupera 1,3%,1,4% de seu estoque, que é de R$ 77 bilhões. É o segundo estado da federação em melhor posição na recuperação desse estoque, só perdemos para Minas Gerais. Mas claro que há muito a evoluir. Temos mantido um contato permanente com o TJ-RJ, que tem se mostrado preocupado com a recuperação desses ativos. Só para se ter uma ideia, entre os 20 maiores devedores da dívida ativa há várias empresas que já fecharam, sem bens, outras que são detentoras de imunidade reconhecida pelo STF, como os Correios, e várias empresas envolvidas em atividades suspeitas na operação de distribuição de petróleo, como a refinaria de Manguinhos. Também tem grandes empresas que depositam o valor em juízo em execuções e disputam os processos por 15, 20 anos. Não há muito que se possa fazer para dar a celeridade necessária. A recuperação da dívida ativa é importante, mas ela, infelizmente, não é uma solução mágica. É algo com que o estado tem que se preocupar, há muito que evoluir nesse sentido, mas ela não é uma bala de prata que resolverá o nosso problema.

ConJur — O que você pensa da reforma da Previdência que está em discussão no Congresso? Ela ajudaria a aliviar esse cenário do Rio?
Leonardo Espíndola
— A reforma previdenciária é decisiva para o futuro da nação. Às vezes há um debate um pouco míope a respeito das questões previdenciárias, quando se mexe em direitos, em prerrogativas, aumenta a idade da aposentadoria, aumenta a contribuição. Mas os números falam por si só. Ou se faz a reforma ou se condena uma nação toda ao suicídio. Os números do Rio de Janeiro são absolutamente escandalosos. São 240 mil aposentados e pensionistas que consomem o mesmo número de recursos que todo orçamento de segurança, saúde e educação. E não se pode, de forma alguma, punir o servidor aposentado ou pensionista, pelo contrário. Eles foram apenas beneficiados por normas postas pela nossa legislação. Então, a reforma precisa ser feita, sob pena de fracassarmos como nação.

ConJur — O que o senhor pensa da proposta do governo do Rio de vender créditos da dívida ativa?
Leonardo Espíndola
— É uma proposta positiva. É uma operação que está em curso, conduzida pela Companhia Fluminense de Securitização, e que busca, na verdade, antecipar o fluxo da dívida ativa. Nada mais é do que a alienação de um fluxo de recebíveis que entra para o Estado. Não se busca alienar a titularidade de execução ou transferir o estoque da dívida ativa. É uma tentativa importante para minimizar essa crise.

ConJur — A PGE tem participado da negociação com a União do plano de recuperação ajuste fiscal do Rio de Janeiro. Como o senhor avalia o plano?
Leonardo Espíndola
— Obviamente, não é o acordo dos sonhos do estado, mas é o acordo possível. Vai haver a suspensão da dívida por, pelo menos, três anos, a interrupção da execução das contragarantias da União, a abertura de crédito para que o estado possa saldar os seus compromissos, especialmente com os servidores públicos. Em contrapartida, o estado terá que adotar medidas de ajuste fiscal para que atinja um equilíbrio no fluxo de caixa, que hoje é insustentável.

ConJur — O acordo foi muito rigoroso com o Rio? Há medidas mais benéficas ao estado que poderiam ter sido incluídas?
Leonardo Espíndola
— Um acordo envolve concessões recíprocas de ambas as partes. O estado do Rio de Janeiro, sem dúvida alguma, encontra-se em uma posição fragilizada nesse momento. Foi o acordo possível. É claro que uma ajuda federal sem contrapartida seria o ideal, mas o governo federal também passa por dificuldades e tem que ajudar as outras 26 unidades da federação. Não é um plano de medidas simples e indolores. Não quando se fala de aumento da contribuição previdenciária, da venda de um ativo tão importante para o estado como a Cedae, do impedimento de se dar aumento por pelo menos três anos, pela proibição de se conceder novos incentivos fiscais. Talvez seja o maior ajuste fiscal já realizado por um estado da federação. Mas estamos em uma situação falimentar, e não há outra alternativa que não essa.

ConJur — Qual é o peso dos incentivos fiscais na crise do Rio?
Leonardo Espíndola
— Em 2016 foi publicado um relatório do Tribunal de Contas do Estado argumentando que o Rio teria concedido R$ 185 bilhões de incentivos fiscais entre 2007 e 2015, um número assombroso. E, obviamente, no estado de calamidade em que vivemos, com a comoção social que vivemos, esse número, por si só, causa uma perplexidade gigantesca. Isso foi objeto de uma ação civil pública do Ministério Público, onde foi deferida uma liminar impedindo que o estado concedesse novos incentivos fiscais sob o argumento de que eles são os causadores da crise do Rio. Mas isso não é verdade. Se fosse, seria muito simples o estado concordar com aquela liminar e simplesmente sair da crise.

O que nós estamos tentando agora para reverter essa decisão judicial é mostrar que os incentivos fiscais não são a causa da crise do estado. Primeiro, os números não são esses. 75% dos R$ 185 bilhões são o que nós consideramos o montante neutro. Ou seja, operações que não são suscetíveis de tributação por ICMS, não são operações de crédito. Logo, não são operações que poderiam ser passíveis de incentivo, porque elas não geram crédito nem tributação do ICMS, como o deslocamento de maquinários de um fabricante para o varejo e seu retorno. Essas operações são anotadas, são discriminadas no documento unificado de benefícios, mas elas não são suscetíveis de isenção. Só que elas foram colocadas na ação, e ficou a impressão de que esse seria o número certo. Dos 25% restantes, 15% desses números são benefícios autorizados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que são incentivos dados a todos estados da Federação. Ou seja, o Rio de Janeiro não age de forma diferente das outras 26 unidades da federação.

ConJur — Nem pode, pois o que foi aprovado no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) tem que ser aplicado.
Leonardo Espíndola
— Sim. O Rio até poderia criar mecanismos para não adotar os incentivos, mas eles teriam que ser aprovado unanimemente por todos os estados da federação. E o estado perde competitividade em relação aos demais se ele não internaliza os incentivos fiscais. 70% dos incentivos que foram concedidos unilateralmente pelo estado, em um universo de R$ 2,3 bilhões por ano, estão concentrados em 11 setores, como têxtil, farmacêutico, eletrônico, atacadista, de cosméticos, de joias. Em todos esses setores houve aumento de arrecadação e de empregos. É claro que há problemas, deve haver distorções, deve haver equívocos em incentivos concedidos, afinal, são centenas deles. Só que devido à forma como o tema foi colocado, e à consequente liminar do TJ-RJ [que proibiu incentivos fiscais no estado], o Rio de Janeiro está deixando de atrair novos investimentos. O estado acaba de perder a fábrica latas da Ambev que seria construída em Santa Cruz. Assim, o estado perde competitividade, perde a possibilidade de atrair novos investimentos.

Em razão dessa comoção popular que houve em relação aos incentivos, o estado aprovou uma lei em 2016 pela não se pode mais conceder incentivos unilateralmente, seja por resolução do Secretário da Fazenda, seja por decreto do governador, por decisão do Conselho de Políticas de Desenvolvimento. Qualquer incentivo fiscal dado pelo Estado tem que, obrigatoriamente, ser submetido à Alerj, o que gera uma transparência muito maior. Só que o Rio, com isso, perde por completo a sua competitividade e acaba afugentando empresas.

ConJur — Como o senhor avalia a guerra fiscal, e como extinguir ou reduzir as distorções que ela provoca?
Leonardo Espíndola
— O ideal seria que a guerra fiscal não existisse. Se não houvesse guerra fiscal no Brasil, o Rio de Janeiro, por sua posição geográfica, na região Sudeste, por ser uma área portuária importante, por ter um grande mercado consumidor, seria altamente beneficiado. Mas diante de uma realidade onde todos estados acabam praticando guerra fiscal para atrair empresas para os seus territórios, o Rio de Janeiro não pode ficar fora desse jogo. E é isso que, infelizmente, está acontecendo.

ConJur — A criação de mais varas especializadas em execuções fiscais no Rio aumentaria a eficácia da arrecadação pública?
Leonardo Espíndola
— Esse é um tema importante. Diversos outros estados têm duas varas de execuções fiscais. O Rio tem apenas uma. Então, a criação de mais uma vara seria algo positivo para melhorar a arrecadação.

ConJur — O Rio tem algum programa de negociação de execuções fiscais?
Leonardo Espíndola
— Nós temos projetos de pagamento ordinário, benefícios para o contribuinte que queira parcelar a sua dívida em até 60 vezes, pode-se fazer isso pela internet. Mas projetos de incentivo, nesse momento, não há. No Rio houve, em um passado recente, alguns programas de benefícios, mas existe também uma certa preocupação com que essas medidas. É preciso ter um espaçamento grande entre eles. Caso contrário, o contribuinte acaba entendendo que conceder benefícios a todo momento é uma prática ordinária do estado. Com isso, o contribuinte deixa de pagar seus tributos aguardando a vinda de um projeto de benefício fiscal, e não se pode criar isso no imaginário coletivo. Ademais, isso termina por afugentar ou punir aquele contribuinte que paga regularmente seus tributos. Então, é uma medida que deve ser utilizada com muita cautela pela Administração Pública, sob pena de se criar um efeito muito negativo para a arrecadação.

ConJur — Há quem aponte que as execuções fiscais são as grandes vilãs da morosidade do Judiciário. Tais críticos argumentam que como as execuções fiscais não possuem mais litígio, elas deveriam poder ser resolvidas extrajudicialmente. O que o senhor pensa dessa análise?
Leonardo Espíndola
— O Estado tem, sim, que caminhar para a consensualidade. É uma visão absolutamente moderna. Mas precisamos evoluir muito. A Lei de Execuções Fiscais (Lei 6.830/1980) é muito antiga, de 1980. Só no Rio de Janeiro há 100 mil execuções fiscais. Quase um terço de todo o acervo judicial da PGE é de execuções fiscais. Esse assunto precisa ser estudado e enfrentado pelos estados e pelo Judiciário, para que haja melhoria na arrecadação.

ConJur — O novo Código de Processo Civil dá bastante ênfase à conciliação e à mediação. Os procuradores do estado do Rio têm autonomia para negociar em cima de dinheiro público?
Leonardo Espíndola
— Nós temos alguns projetos específicos de conciliação. Temos a câmara de resolução de litígios da saúde, que é um projeto pioneiro no Brasil. Nele, juntamos no mesmo prédio, com financiamento da PGE, a Secretaria Estadual de Saúde, a Secretaria Municipal de Saúde, o Ministério da Saúde e a Defensoria Pública, que concentra quase que 80% das demandas relativas à saúde, como internações, entrega de medicamentos, internações cirúrgicas, e tentamos desjudicializar, ou seja, evitar que demandas cheguem ao Judiciário quando aquilo pode ser resolvido de maneira administrativa. Esse projeto foi inclusive premiado pelo Innovare. Nós estamos agora conversando com municípios que têm interesse na adoção desse projeto. Mais recentemente, passamos a desenvolver um projeto com a Secretaria de Educação em determinadas demandas nas quais o Judiciário já tenha pacificado seu entendimento, como a emissão de diplomas para alunos que frequentaram alguma escola que fechou ou pedidos de matrícula na rede pública. E temos o mesmo acordo com a Defensoria Pública, que acaba concentrando a grande maioria dessas demandas. Chama-se “Câmara administrativa de solução de conflitos”. Agora, aquelas demandas que envolvem valores mais expressivos são encaminhadas para autorização do governador. Nós temos uma outra parceria com a Defensoria Pública para vítimas em decorrência de ação policial, seja por excesso do agente, seja por bala perdida. Nós temos parâmetros de negociação, baseados na jurisprudência, firmados com a Defensoria Pública, para evitar que esses processos cheguem ao Judiciário.

ConJur — Um representante da OAB-RJ disse à ConJur há pouco tempo que períodos de crise fiscal, como o que Rio vem atravessando, fragilizam a defesa de contribuintes, porque o estado busca arrecadar a qualquer custo. O que o senhor pensa dessa avaliação?
Leonardo Espíndola
— Não existe isso. O estado não tem como arrecadar a qualquer custo. Vivemos em um Estado Democrático de Direito, com balizas legais muito claras. Arrecadar a qualquer custo seria, obviamente, rechaçado pelo Poder Judiciário. É claro que nos períodos de maior severidade econômica, o estado busca mecanismos de austeridade, de incremento de sua carga tributária. Há pouco, o Órgão Especial do TJ-RJ aprovou o Fundo Especial de Equilíbrio Fiscal, que permite a criação de um fundo voltado ao pagamento de despesas ordinárias do Estado. Assim, cada contribuinte que recebeu benefício fiscal terá que pagar 10% daquela vantagem econômica que está tendo. É uma cobrança temporária e extraordinária. Na verdade, o contribuinte recolhe 10% do que é o valor do seu benefício fiscal, mas isso depois será transformado em aumento do prazo daquele benefício. É uma lei de extremo bom senso, onde se pede uma pequena contribuição, onde se busca ter uma medida de justiça muito grande. E a PGE teve um papel muito importante para criar essa medida.

ConJur — Como o senhor avalia o uso de depósitos judiciais pelo governo do Rio para pagar suas contas?
Leonardo Espíndola
— Há questionamentos no Supremo Tribunal Federal em relação a esse tipo de utilização. Mas não são ilegalidades. São questionamentos em relação à legislação. Foi uma lei de iniciativa conjunta do presidente do TJ-RJ com o governador do estado do Rio, e aprovada pela Alerj. Nós entendemos que é uma prática legítima.

ConJur — Como está o pagamento de precatórios pelo Estado do Rio de Janeiro?
Leonardo Espíndola
— Até 2016, o estado estava integralmente em dia com o pagamento dos precatórios. Mas no ano passado o estado não pagou precatórios em razão da crise econômica. Inclusive, a PGE moveu uma ação no Supremo Tribunal Federal em razão disso. Entendemos que, dentro da ponderação dos interesses em jogo, e princípios do mesmo nível hierárquico, que não seria razoável o estado ter que pagar precatórios quando está devendo salários dos servidores.

ConJur — O senhor é a favor da PEC da Autonomia, que reconhece a autonomia técnica, administrativa, orçamentária e financeira das carreiras da advocacia pública?
Leonardo Espíndola
— Sem dúvida alguma. Ela é fundamental. A PGE já dispõe de uma grande autonomia. Todo custeio e investimento da PGE é arcado por um fundo que é composto por 5% das receitas dos cartórios judiciais. Então procuradoria não depende das fontes do Tesouro, da arrecadação ordinária do Estado para o pagamento de despesas ordinárias, fora o salário dos procuradores e servidores, que é pago pelo governo estadual. Isso permite que nós tenhamos uma situação administrativa bem organizada. Embora ainda não tenhamos duodécimos, como o Ministério Público, o Judiciário e a Defensoria Pública, na parte de custeio e investimento nós já temos uma certa independência em relação ao Poder Executivo. Mas o fortalecimento da advocacia pública é fundamental para uma melhoria das práticas do Estado Democrático de Direito.

ConJur — O senhor é a favor de advogado público também poder atuar na área privada?
Leonardo Espíndola
— Sem dúvida. Em 17 estados os procuradores podem advogar. A PGE sempre se notabilizou por ser a maior referência da advocacia pública do país. Nós temos grandes procuradores que também foram grandes advogados. Isso permitiu que a procuradoria atraísse grandes quadros. Não é por outra razão que os procuradores se encontram hoje em todas as Secretarias de Estado do Rio. E a grande maioria deles tem uma ótima qualificação, mestrado, doutorado. A possibilidade de exercer a advocacia privada sempre foi uma medida positiva para o nome da PGE.

ConJur — O senhor também advoga na área privada?
Leonardo Espíndola
— Sempre advoguei, mas o procurador-geral do estado do Rio de Janeiro não pode advogar, tem impedimento. Mas assim que eu deixar de ser procurador-geral, vou voltar a advogar.

ConJur — Tem quem pense que procurador do estado não deveria poder exercer cargos políticos. O que o senhor pensa dessa visão?
Leonardo Espíndola
— Eu não vejo nenhum tipo de impedimento. O presidente da República é um procurador do estado aposentado. A presidente do Supremo Tribunal Federal é uma procuradora do estado, também aposentada. São coisas naturais. Depende da afinidade com o político da ocasião. Isso não compromete a atuação do procurador. Quem exercer um cargo político, seja um cargo eletivo ou um cargo em algum governo, vai deixar de exercer o seu papel de procurador do estado naquele momento. Vai ter uma função mais administrativa, mais ligada a um governo. Mas a função de procurador do estado é advogado do estado, e não do governo. Eu não vejo nenhum tipo de comprometimento ou de violação. Isso é uma questão particular. Cada procurador deve avaliar se deve ou não exercer aquele tipo de cargo. Mas isso não compromete a atuação dele. Há procuradores do estado que já foram presidente do Conselho Federal da OAB, secretários de estados, deputados.

ConJur — Como a sua experiência como procurador do estado te ajudou quando o senhor integrou o governo de Luiz Fernando Pezão (PMDB)?
Leonardo Espíndola
— Ajudou muito, foi fundamental. Hoje, qualquer administrador público no Estado do Rio do Janeiro vai ter um procurador do estado trabalhando ao lado. Quando estive na Casa Civil, havia quatro procuradores do estado trabalhando comigo permanentemente. Todo secretário do Rio tem, na chefia da assessoria jurídica, um procurador do estado. Isso é uma imposição legal, e é muito importante para a uniformização do pensamento jurídico no estado do Rio de Janeiro.

ConJur — Essa obrigatoriedade também vale para órgãos da administração indireta do estado?
Leonardo Espíndola
— Isso ocorre em alguns entes, como Rio Previdência, Cedae, Detran. Mas nas chefias de assessorias jurídicas das secretarias é uma obrigação legal. Foi uma conquista importante para a procuradoria.

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