Notícia enganosa

Bancas promovem ações coletivas por manipulação da bolsa nos EUA

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7 de maio de 2017, 12h01

Dezenas de bancas americanas se mobilizaram para mover ações coletivas contra um grupo de empresas e jornalistas (ou redatores) que publicaram notícias falsas em sites financeiros para inflar o valor de ações negociadas em bolsa. As bancas se lançaram à caça de investidores lesados, em todo o país, desde que a Comissão de Valores Mobiliários (SEC – Securities and Exchange Comission) dos EUA apresentou denúncia à Justiça, em 10 de abril, contra esse grupo.

Além das notícias não serem corretas, as empresas e os jornalistas esconderam o fato de que eram “matérias pagas” — e não notícias jornalísticas normais, que são publicadas sem ônus para as fontes. Foram notícias enganosas, que resultaram em grande prejuízo para os investidores no mercado financeiro.

A empresa ImmunoCellular Therapeutics, por exemplo, divulgou uma série de notícias falsas em sites financeiros, incluindo uma no site Seeking Alpha, de janeiro de 2012, que anunciava o desenvolvimento de uma droga experimental (ICT-107) para o tratamento do câncer — um sinal de grande prosperidade pela frente.

Em poucos meses, as ações da companhia dispararam. O preço da ação subiu de US$ 42,80, antes da divulgação da notícia, para US$ 155,20 — um aumento de 263%. Mas, em dezembro de 2013, a divulgação dos resultados de um estudo clínico da ICT-107 foi decepcionante. O valor da ação despencou. Na semana passada, valia US$ 2,23.

No total, a SEC acusou 27 empresas e indivíduos: três empresas de capital aberto, sete empresas de comunicação, dois CEOs, seis diretores das empresas e nove jornalistas. As empresas mais visadas pela SEC foram a ImmunoCellular Therapeutics e a Lidingo, que cuidou da produção das notícias.

Uma das funções da Lidingo foi contratar os jornalistas para redigir as notícias que, mais tarde, foram editadas pelos executivos das empresas. A Lidingo só contratou jornalistas que concordaram em declarar, falsamente, que escreveram sem qualquer ônus para as empresas. Em alguns casos, eles usaram pseudônimos.

Os executivos da ImmunoCellular Therapeutics e da Lidingo também decidiram em que datas as notícias seriam publicadas e em que sites. Foram publicadas notícias falsas nos sites Benzinga, Wall Street Cheat Sheet, TheStreet, MarketPlayground, Investor Village, Investing.com, Forbes e Seeking Alpha.

Dos 27 acusados, 17 já acertaram as contas com a SEC. Pagaram multas de US$ 2.200 a quase US$ 3 milhões, de acordo com o Financial Times. Falta, agora, acertar as contas com os investidores que sofreram prejuízos consideráveis. Aí entram na história os escritórios de advocacia.

Curso da ação coletiva
Pelo menos uma ação coletiva já foi protocolada em um tribunal da Califórnia, segundo o site THE D&O DIARY. Todos os demais escritórios apenas lançaram uma página na internet convocando investidores interessados em participar da ação.

Para saber quantas bancas estão envolvidas na promoção de ações coletivas, basta pesquisar no Google com as palavras “[nome da empresa] + class action”. A lista é grande.

Conforme os candidatos aparecem, cada escritório escolhe um investidor para liderar a ação em nome de todos os participantes — e dar seu nome ao processo: “Fulano vs empresa”.

Em um certo ponto, um tribunal federal, provavelmente em Nova York (ou Califórnia), será eleito para agrupar todas as ações coletivas. E o juiz responsável irá, em primeiro lugar, decidir se aceita a ação coletiva. Tecnicamente, ele vai “certificar” — ou não — a ação coletiva.

Ele vai examinar, por exemplo, se a queixa de todos os demandantes é a mesma contra o(s) mesmo(s) demandado(s). Muitas vezes, não aceita. Por exemplo, uma ação movida por empregadas contra o Walmart por discriminação sexual se revelou um emaranhado de queixas que os juízes teriam dificuldade em deslindar.

A Suprema Corte, que teve a palavra final, decidiu que o caso não poderia ser ajuizado como uma ação de natureza coletiva, porque as mulheres não tinham razões suficientes em comum para atuar como uma classe monolítica.

Se o juiz aceitar a ação, irá então escolher um escritório de advocacia para liderar a promoção da ação e defender os interesses de todos os demandantes. À notícia de que o processo está pronto para ir a julgamento, se segue o anúncio de que ele não vai a julgamento — na maioria dos casos.

As empresas preferem chegar a um acordo, para evitar os custos do contencioso, bem como para evitar a trabalheira que dá e a perda do tempo que deveria ser dedicado aos negócios. E os escritórios de advocacia agradecem, porque podem coletar cerca de 33% (em média) do valor do acerto, sem ter de enfrentar um contencioso.

Esse curso é praticamente o mesmo que seguiu a ação coletiva, movida nos EUA por investidores, contra a Petrobras (descrita pela ConJur aqui e aqui).

Notícias falsas
A expressão fake news (notícias falsas) foi popularizada pelo presidente Donald Trump, porque ele a usou muitas vezes na campanha eleitoral e continua usando até hoje, embora não seja em seu sentido real. Trump rebate como fake news todas as notícias que lhes são desfavoráveis, independentemente de serem falsas ou verdadeiras.

No entanto, as fake news são um problema real — e muito mais sério — quando relacionadas ao mercado financeiro. De uma maneira geral, uma das formas de os investidores orientarem seus investimentos é a leitura de notícias sobre o desempenho das corporações, sobre aquisições e fusões e sobre o lançamento de algum produto com sucesso garantido no mercado.

Produzir notícias falsas é a maneira mais fácil de manipular o mercado. Por isso, o país tem leis rigorosas — e a Comissão de Valores Mobiliários tem regras bem rígidas — para impedir que os investidores sejam enganados por notícias temperadas por falsidades — como publicar uma notícia paga como se fosse uma notícia jornalística.

De uma maneira geral, as corporações produzem press releases, que são, primeiramente, divulgados em sites de press releases e, depois, em sites de outras publicações. Nesses casos, fica claro para o investidor que se trata de um press release corporativo e de não uma notícia que nasceu na editoria econômica de alguma publicação.

Além disso, esses press releases trazem no pé uma nota, chamada forward-looking statement (geralmente traduzido como “declarações prospectivas”) ou safe harbor statement (declaração de isenção de responsabilidade), para proteger os investidores contra maus entendimentos.

Nessas declarações, as empresas apresentam diversas advertências aos investidores, como as de que as declarações do press release contêm muitos riscos e incertezas, que podem fazer com que os resultados no futuro difiram substancialmente das atuais suposições da administração da empresa e que o investidor não deve colocar confiança indevida nessas declarações — entre muitas outras advertências.

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