Ambiente Jurídico

O Acordo de Paris e a sustentabilidade na era do antropoceno

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6 de maio de 2017, 8h00

Spacca
A plenária da 21ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP 21) aprovou, em dezembro de 2015, em Paris — com anuência de 195 países, responsáveis por mais de 90% das emissões dos gases de efeito estufa na Terra —, um acordo de extensão global que, nos seus termos, apresenta efeitos legalmente vinculantes pela primeira vez. Ao contrário do Protocolo de Quioto, as nações decidiram de modo unânime pela assinatura de um documento. Os países comprometeram-se em organizar estratégias para limitar o aumento médio da temperatura da Terra bem abaixo dos 2°C, envidando esforços para atingir um aumento de 1,5°C até 2100, trazendo como referência inicial o período pré-industrial[1].

Será alocada a quantia mínima de U$ 100 bilhões por ano, a partir de 2020, para fundos verdes, até o ano de 2025, com a finalidade de custear projetos de adaptação e resiliência necessários para o enfrentamento dos efeitos das mudanças climáticas em curso pelos países em desenvolvimento. Referidos recursos deverão ser disponibilizados pelos Estados Unidos e pela União Europeia, com o encorajamento das demais nações para fazerem o mesmo. A China declarou, por exemplo, que vai contribuir com o Fundo Climático Verde da ONU com a quantia de U$ 3,1 bilhões.

Multinacionais, governos e investidores que participaram do evento como assistentes mostraram-se mobilizados pelo combate ao aquecimento global. Cerca de 500 investidores, que representam cerca de US$ 3,4 trilhões do PIB mundial, anunciaram que vão retirar suas aplicações e seus investimentos dos projetos calcados nos combustíveis fósseis[2]. Esse procedimento, chamado de divestment, tem sido objeto de grande debate também nas ricas universidades que compõem a Ivy League nos Estados Unidos. Alunos, ativistas e professores têm protestado contra o investimento de recursos por essas instituições de ensino em ações de companhias que produzem e exploram combustíveis fósseis, as quais não raras vezes fazem grandes doações para membros desta mesma Ivy League[3]. Empresas comprometeram-se com investimentos bilionários em desenvolvimento tecnológico para energia limpa e anunciaram metas com o balanço positivo de carbono em 2017 e o fim das emissões líquidas de gases em toda a cadeia de valor na próxima década, com o objetivo de alcançar a neutralidade nas emissões[4].

Pode-se afirmar que os pontos principais do acordo são: a) objetivos de longo prazo; b) descarbonização; c) metas nacionais de corte das emissões; d) financiamento aos países pobres; e) reparação dos danos; f) proteção de florestas e combate ao desmatamento.

Os objetivos de longo prazo eleitos no documento significam também viabilizar uma descontinuação no uso dos combustíveis fósseis até 2050. A descarbonização consiste em se atingir um pico de emissões tão logo quanto possível, para mais tarde os Estados implementarem as emissões negativas e a despoluição da atmosfera. Metas nacionais de emissões serão objeto de balanço e revisão em 2023. No ano de 2018, haverá um diálogo facilitador para sua avaliação. Não haverá intromissão nem punição internacional em caso de descumprimento das metas; os países ricos terão a obrigação de cumpri-las primeiramente.

O financiamento para medidas de adaptação, resiliência e produção de energia limpa a ser endereçado aos países em desenvolvimento será baseado no referido piso de US$ 100 bilhões anuais a partir de 2020, a ser custeado prioritariamente pelos países desenvolvidos, que terão de reportar aos demais países o cumprimento desse compromisso. Esse piso anual será rediscutido a partir de 2025.

De acordo com o artigo 4º, parágrafo 1º, do documento, para que seja alcançado o objetivo do limite de temperatura no longo prazo, as partes devem utilizar a melhor ciência disponível. Deve haver, na segunda metade do século, um rápido equilíbrio entre as emissões antropogênicas de gases de efeito estufa pelas fontes e a sua captura. Ou seja, cada tonelada de gás de efeito estufa emitida deve ser removida da atmosfera.

Importante que a COP 22, ocorrida em Marraquexe, seja um facilitador na concretização dos objetivos da COP 21, em especial no cumprimento de um roteiro para o financiamento climático dos países em desenvolvimento pelos países desenvolvidos e por investidores privados, absolutamente necessário para adoção de medidas de adaptação e resiliência, a fortiori porque houve queda no financiamento climático entre os anos de 2014 e 2015[5].

Segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas de 2014 (Fifth Assesment Report), o uso de combustíveis fósseis gera 32 gigatons de dióxido de carbono por ano. Outras fontes, como o vazamento de metano, as fábricas de cimento e outros processos industriais, são responsáveis por 5 a 7 gigatons de dióxido de carbono anuais. O desmatamento e a agricultura, especialmente a monocultura, adicionam 10 a 12 gigatons ao ano de dióxido de carbono na atmosfera. A soma dessas atividades humanas emite na atmosfera 49 gigatons de carbono. Os sumidouros de carbono, por sua vez, removem apenas 18 gigatons por ano, 8,8 vão para os oceanos e 9,2 para a terra. Para se alcançar o equilíbrio entre as emissões e a capacidade de absorção dos sumidouros de carbono, seria necessário acabar completamente com as emissões[6]. Como esse é um objetivo difícil e o acordo demonstrou-se abstrato, já que o objetivo de redução das emissões e o consequente limite de temperatura a ser atingido podem ocorrer em um período de tempo indeterminado — de 2050 até 2099 —, novas medidas precisam ser adotadas.

Em consonância com o World Resources Institute, para se atingir o objetivo previsto no artigo 2º do Acordo de Paris[7], é preciso trazer as emissões de dióxido de carbono referentes à produção de eletricidade para valores aproximados a zero e, também, elevar para cerca de 25% o número de veículos movidos por energia elétrica[8].

E o Brasil, como fica nesse cenário? De acordo com o próprio governo, o desmatamento na Amazônia aumentou 16% entre agosto de 2014 e julho de 2015[9]. Segundo fonte independente, o mês de fevereiro de 2015 teve um aumento de 282% no desmatamento na Amazônia se comparado ao mês de fevereiro de 2014[10]. O país possui uma economia calcada nos combustíveis fósseis e poucos investimentos orçamentários e científicos em energias renováveis. A participação da energia eólica[11] e solar é, em matéria de produção, muito pequena quando comparada aos países desenvolvidos, especialmente os países nórdicos. Cabe ao Estado brasileiro virar esse jogo e optar pela sustentabilidade. Será preciso governança e transparência na gestão dos recursos que serão alocados pelos fundos verdes ao Brasil, que necessita, por sua vez, superar a cultura da corrupção, do patrimonialismo e da má gestão dos recursos públicos por políticos e burocratas. O Estado e todos os setores da sociedade têm uma grande responsabilidade a assumir. A Amazônia é, em parte, brasileira, mas vital para toda a humanidade; é o pulmão do mundo.

Existe, com muitas omissões e imperfeições técnicas, a Lei 12.187/09, que cria a Política Nacional da Mudança do Clima. É preciso implementá-la onde for possível, suprindo suas evidentes omissões, complementando-a. Os instrumentos reconhecidamente mais eficazes para o combate às mudanças climáticas estão longe de ser implementados, mas precisam ser regulamentados, como a tributação, a precificação do carbono e o cap and trade (este último por uma legislação que possa lhe dar concretude)[12].

Soma-se a isso o fato de que os anos de 2014, 2015 e 2016, segundo a Agência Espacial Norte-Americana (Nasa), foram os que registraram as temperaturas mais altas, em ordem ascendente, desde o início das medições, em 1880, e, o mais grave, as temperaturas dos três primeiros meses do ano de 2017 foram mais altas do que as temperaturas registradas no primeiro trimestre de 2016, de acordo com recentíssimo artigo publicado pelo respeitável Yale Climate Connections[13], demonstrando o grande perigo pelo qual passam os seres humanos e não humanos que habitam a Terra em um cenário de desenvolvimento insustentável.

Oportunamente, o Instituto O Direito por um Planeta Verde promoverá a 22ª edição do Congresso Brasileiro de Direito Ambiental, que terá como tema “Direito e Sustentabilidade na era do Antropoceno: Retrocesso Ambiental, Balanço e Perspectivas”. Trata-se do congresso de Direito Ambiental mais importante da América Latina e será realizado em São Paulo, na Fundação Mokiti Okada, de 3 a 7 de junho. Terei, mais uma vez, a honra de participar do evento como palestrante no painel que terá como tema "Mudanças climáticas e as perspectivas do Acordo de Paris". Por esses motivos e fatos alarmantes, pode-se dizer que o 22º Congresso Brasileiro de Direito Ambiental é o evento mais aguardado do Direito Ambiental brasileiro para este ano.


[1] UNITED NATIONS. Disponível em: <http://unfccc.int/meetings/paris_dec_2015/session/9057.php>. Acesso em: 20.dez.2016.
[2] NICOLLETTI, Mariana; HISAMOTO, Bruno Toledo. Regras para um jogo colaborativo. Folha de S.Paulo, São Paulo, 17.dez.2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1720987-cop21-trara-avancos-no-combate-ao-aquecimento-global-sim.shtml>. Acesso em: 20.dez.2016.
[3] Ver: HARVARD UNIVERSITY. Fossiel fuel divestment statement. Cambridge, 2013. Disponível em: <http://www.harvard.edu/president/news/2013/fossil-fuel-divestment-statement>. Acesso em: 20.dez.2016 e, também, COLUMBIA UNIVERSITY. Statement on divestment. New York, 2015. Disponível em: <http://www.columbia.edu/content/statement-divestment.html>. Acesso em: 20.dez.2016.
[4] NICOLLETTI, Mariana; HISAMOTO, Bruno Toledo. Regras para um jogo colaborativo. Folha de S.Paulo, São Paulo, 17.dez.2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1720987-cop21-trara-avancos-no-combate-ao-aquecimento-global-sim.shtml>. Acesso em: 20.dez.2016.
[5] UNITED NATIONS CLIMATE CHANGE CONFERENCE 2016. COP22 Marrakech 2016. Disponível em: http://www.cop22-morocco.com. Acesso em: 2.mai.2017.
[6] INTERGORNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE. Fifth assesment report. Geneva, 2015. Disponível em: <https://www.ipcc.ch/report/ar5/>. Acesso em: 20.dez.2016.
[7] Emissões bem abaixo de 2°C e tentativa de limitá-las a 1,5°C.
[8] WORLD RESOURCES INSTITUTE. COP 21. Washington, 2015. Disponível em: <http://www.wri.org/our-work/project/cop-21>. Acesso em: 20.dez.2016.
[9] O desmatamento atingiu 5.831 Km2 segundo o próprio governo, com um aumento de 16% medido de agosto de 2014 a julho de 2015. GIRARDI, Giovana. Desmatamento na Amazônia aumenta 16% em um ano. Estadão, São Paulo, 26.nov. 2016. Disponível em: <http://sustentabilidade.estadao. com.br/noticias/geral,desmatamento-na-amazonia-sobe-16-em-um-ano-e-atinge-5831-km,1802729>. Acesso em: 20.dez.2015.
[10] DESMATAMENTO da Amazônia aumentou 282% em um ano. O Globo, Rio de Janeiro, 20 mar. 2015. Disponível em: <http://oglobo.globo. com/sociedade/sustentabilidade/desmatamento-da-amazonia-aumentou-282-em-um-ano-15653073#ixzz3v6bfxBZ3>. Acesso em: 20.dez.2016.
[11] Sobre as vantagens da energia eólica e a sua regulação nos Estados Unidos, ver: FIRESTONE, Jeremy; KEHNE, Jeffrey. Wind. In: GERRARD, Michael. The law of clean energy: efficiency and renewables. New York: American Bar Association, 2011. p. 361-368.
[12] WEDY, Gabriel. Brasil e governança pós-COP21. Zero Hora, Porto Alegre, 15 dez. 2015. Editoria de Opinião, p. 18.
[13] HAUSFATHER, Zeke. Worrisome first quarter of 2017 climate trends. Yale Climate Connections. Disponível em: www.yaleclimateconnections.org. Acesso em: 1.mai.2017. 

Autores

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    é juiz federal, doutor e mestre em Direito. Visiting Scholar pelo Sabin Center for Climate Change Law da Columbia Law School – EUA e professor coordenador de Direito Ambiental na Escola Superior da Magistratura - Esmafe/RS.

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