Direito de processar

Estelionato judicial é crime impossível, decide juiz federal de São Paulo

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3 de maio de 2017, 7h07

Estelionato judicial é um crime impossível, já que enquadrar pessoas por esse pressuposto faz com que a população se sinta ameaçada de buscar a Justiça. Esse foi um dos entendimentos que fizeram o juiz Silvo Luis Ferreira da Rocha, da 10ª Vara Federal Criminal de São Paulo, absolver Luiz Augusto do Valle de Lima. Trata-se da operação reluz, na qual uma série de empresários foram acusados de formar um esquema de contrabando de cigarros.

Dez anos após a operação, Valle de Lima foi absolvido dos crimes de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e estelionato judicial. As investigações começaram em Porto Alegre e configurariam uma derivação da operação chamada de bola de fogo, que investigava os crimes de contrabando, descaminho de cigarros e lavagem de dinheiro.

A investigação derivada foi chamada de operação reluz e incidiu sobre grupo sediado na região Sudeste, representada pela empresa Fenton, localizada no Rio de Janeiro, que era acusada de fraudar o Fisco estadual com o subfaturamento do valor das notas fiscais do fumo que era remetido para a fábrica.

Defensor de Valle Lima no caso, o advogado Carlos Alberto Pires Mendes, do escritório Maronna, Stein & Mendes Advogados, afirmou que seu cliente passou por enorme sofrimento devido ao julgamento moral pelo que passou na última década.

“Nosso cliente foi vítima de um verdadeiro linchamento moral. Durantes anos, viu-se obrigado a responder ação penal ilegítima e destituída de justa causa. A sentença absolutória, da lavra de um ilustre Magistrado Federal, titular de Vara Especializada em lavagem de dinheiro, vem, em boa hora, resgatar sua reputação e crença no Poder Judiciário, cuja função é garantir aquilo que de mais caro temos na democracia: o respeito a liberdade e à presunção de inocência”, afirma Mendes.

Estelionato judiciário
A teoria do estelionato judiciário afirma ser crime entrar na Justiça para obter uma decisão que prejudique um terceiro, que não está no processo. O juiz Ferreira da Rocha descartou a possibilidade de punir alguém por isso, um tipo penal que, segundo ele, sequer está contemplado no artigo 171 do Código Penal.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é de não admitir a figura do estelionato judicial, porque, por conta do direito ao acesso à Justiça. “Não apenas pelo caráter dialético do processo, que possibilita o exercício do contraditório, mas, também, pelo fato de o magistrado decidir de acordo com o seu livre convencimento, de modo que ele não estaria vinculado aos argumentos apresentados pelas partes”, afirmou o juiz.

Divergência de Moro
Quanto à acusação de quadrilha, o juiz disse que a denúncia prescreveu. Em relação à lavagem de dinheiro, Ferreira da Rocha disse que não ficou comprovado delito anterior, o que é uma pré-condição para se condenar alguém por lavagem.

O julgado ressaltou que existem duas correntes de pensamento sobre o crime anterior na lavagem de dinheiro — umas delas é defendida pelo juiz Sergio Moro, responsável por julgar processos da “lava jato” na primeira instância, e é dessa que Rocha discorda.  

“O delito de lavagem pressupõe a existência de delitos que a antecedem. Autores, como Gustavo Henrique Badaró, sustentam que essa pressuposição configura relação de prejudicial de modo que a independência processual e de julgamento das infrações penais antecedentes (art. 2º, II, da Lei 9.613/98) não significa que a ação penal pode ser instaurada sem indícios suficientes da existência da infração penal antecedente (art. 3º, 1º) e a condenação possa ocorrer sem a prova da existência da infração penal antecedente. Outros, no entanto, como Sergio Fernando Moro, sustentam que a prova do delito antecedente pode ser indireta, circunstancial ou indiciária, desde que afaste qualquer dúvida razoável”, explicou. 

Ação Penal 0007294-24.2007.403.6181

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