Jogo processual

Com "lava jato", jurisprudência do Supremo criou limbo jurídico para preventivas

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29 de junho de 2017, 9h23

O Supremo Tribunal Federal está criando um limbo jurídico que impede alguns réus da operação "lava jato" de discutir suas prisões preventivas. Na terça-feira (27/6), o empresário Eduardo Meira foi o último exemplo dos entraves burocráticos à concessão de liberdade: teve um Habeas Corpus negado por ter dirigido o pedido contra o ministro Luiz Edson Fachin para que ele pautasse agravo apresentado contra outro HC denegado.

Dorivan Marinho/SCO/STF
Supremo criou limbo jurídico que impede alguns réus da operação "lava jato" de discutir suas prisões preventivas.

A questão é jurisprudencial. O Supremo só conhece de Habeas Corpus impetrados contra decisões de primeira instância se houver “flagrante ilegalidade”. O mesmo vale para pedidos contra decisões monocráticas de relator. Os HCs costumam ser barrados pela Súmula 691 do Supremo.

Mais recentemente, o tribunal passou a entender que não cabe Habeas Corpus contra decisões de seus ministros. Foi a nova interpretação dada pelo Plenário à Súmula 606 do STF, que veda a concessão de HC contra decisões das turmas do tribunal.

Foi o que aconteceu com Eduardo Meira em fevereiro deste ano. Logo depois a prisão dele foi confirmada pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, e ele impetrou novo HC. O ministro Fachin novamente negou o pedido por entender que, monocraticamente, ele só poderia conceder a ordem se visse “flagrante ilegalidade” na ordem de prisão, o que não era o caso.

A defesa, feita pelo advogado Fernando Araneo, sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados, agravou da decisão, mas ainda não conseguiu ver o pedido julgado. O HC denegado na terça havia sido impetrado para reclamar da demora de Fachin em pautar o agravo na 2ª Turma. Em outra decisão monocrática, o ministro Luiz Fux aplicou o novo entendimento da Súmula 606.

O advogado ainda havia invocado a demora injustificada na apreciação do pedido, o que violaria o princípio constitucional da razoável duração do processo. Fux rejeitou o argumento: “A complexidade do feito afasta o reconhecimento do excesso de prazo”.

Meira foi preso na mesma ocasião que José Dirceu. Em março, foi condenado a 8 anos de prisão por lavagem de dinheiro. Segundo sentença do juiz Sergio Moro, ele era dono de uma empresa de fachada usada para repassar dinheiro a Dirceu.

No dia 30 de maio deste ano, teve negado um pedido de extensão do HC concedido ao ex-ministro um mês antes. Seguiu-se o voto do ministro Dias Toffoli, para quem atender ao pedido seria usurpar a competência de Fachin para apreciar o agravo. O ministro Gilmar Mendes acompanhou o colega, mas alertou Fachin, relator do agravo de Meira, de que o réu já estava preso havia 13 meses.

Decisão indiscutível
O ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) passa por situação semelhante. Ele não tem prerrogativa de foro no Supremo, mas é investigado no mesmo inquérito aberto contra o presidente Michel Temer.

A acusação é de que Loures recebeu uma mala de dinheiro que seria destinado a Temer como propina para que ele ajudasse o Grupo J&F em processos no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A Procuradoria-Geral da República havia pedido a prisão preventiva de Loures, mas, como ele ainda estava no mandato, o pedido foi negado por Fachin: a Constituição só permite a prisão de parlamentares em flagrante ou depois do trânsito em julgado da condenação.

Uma semana depois, Osmar Serraglio (PMDB-PR), então ministro da Justiça, deixou o cargo e voltou para seu mandato de deputado federal. Loures era suplente dele e teve de deixar o cargo. O pedido de prisão foi reiterado pela PGR e aceito pelo ministro Fachin.

A defesa de Loures, feita pelo advogado Cezar Roberto Bitencourt, chegou a impetrar Habeas Corpus, mas o ex-deputado foi também jogado no limbo: são incabíveis HCs impetrados contra decisões de ministros do Supremo, com o adicional de que a ordem de prisão foi expedida por um ministro do STF. Portanto, afirma a defesa, o Supremo criou um mandado de prisão insindicável, até mesmo pelo próprio tribunal.

Jogo processual
O ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil Antonio Palocci e seu ex-assessor Branislav Kontic são exemplos eloquentes do que a jurisprudência pode fazer com a liberdade de réus. Ambos foram presos em setembro de 2016. Palocci foi condenado nesta semana a 12 anos de prisão por lavagem de dinheiro — e negocia delação premiada. Branislav foi absolvido por falta de provas e já está solto.

Antes de tudo isso, no entanto, eles impetraram Habeas Corpus no Supremo contra suas prisões preventivas. Tiveram os pedidos negados pelo ministro Luiz Edson Fachin. A defesa recorreu, por meio de um agravo regimental.

Pouco tempo antes, Fachin havia ficado vencido na 2ª Turma em três Habeas Corpus ligados à mesma investigação. Entre eles o de José Dirceu. Diante do agravo de Palocci e de Branislav, apresentado pelos advogados José Roberto Batochio e Guilherme Octávio Batochio, Fachin decidiu enviar o caso diretamente ao Plenário, sem passar pela 2ª Turma.

A defesa adotou a mesma estratégia que Fernando Araneo: impetrou HC para tentar obrigar o ministro Fachin a pautar o caso. Entre os argumentos, José Roberto Batochio alega que Fachin tenta pular a turma porque sabe que ficará vencido, e no Plenário teria mais chances de manter os réus presos.

No fim de maio, o ministro Fachin assumiu a presidência da 2ª Turma. Portanto, passou da condição de apenas relator dos casos ligados à operação “lava jato” para ser também o responsável pela pauta de julgamento do colegiado. Enquanto isso, os casos não são julgados.

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