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Franqueador não responde por dívidas trabalhistas de franqueado

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27 de junho de 2017, 9h19

O direito que o franqueador tem para impor exigências ao franqueado não caracteriza relação de subordinação ou de prestação de serviços. Com esse entendimento, a juíza Rita de Cássia Scagliusi do Carmo, da 10ª Vara do Trabalho de Campinas (SP), condenou três franqueadas a pagar verbas trabalhistas e horas extras a uma ex-funcionária, mas excluiu a alegada responsabilidade da franqueadora no caso. O cálculo deverá ser feito inclusive sobre os valores pagos “por fora”.

A ação foi movida contra quatro empresas, uma franqueadora e três franqueadas. A autora pediu cálculo de verbas trabalhistas devidas sobre os pagamentos feitos "por fora", acréscimo salarial por acúmulo de função, horas extras, adicional noturno, intervalo intrajornada, diferenças rescisórias e multa por demissão sem justa causa.

Ela afirmou que atuou como assistente financeiro entre junho de 2013 e fevereiro de 2016, quando foi despedida. Contou que antes da demissão, em janeiro 2015, foi promovida a gerente de marketing, recebendo parte do salário "por fora", trabalhando além do horário combinado e em mais de uma função, tudo isso sem compensação.

Disse por fim que, como assistente financeiro, recebia R$ 700 "por fora" e salário registrado de R$ 2 mil, mas, ao ser promovida, passou a ganhar R$ 2,5 mil de salário, mais R$ 796 não registrados na folha de pagamento.

A empresa que contratou a autora da ação afirmou que nunca houve qualquer acúmulo de função e que as horas extras não seriam devidas porque a ex-funcionária ocuparia cargo de confiança. Sobre os pagamentos “por fora”, explicou que os valores eram uma ajuda de custo para transporte.

As outras duas reclamadas afirmaram que a autora da ação nunca lhes prestou qualquer serviço. Já a franqueadora, representada pela advogada Karen Buzinkas, do Espallargas, Gonzalez & Sampaio, afirmou que sua inclusão no polo passivo da ação é ilegal, pois não há subordinação entre ela e as franqueadas.

Sobre a segunda e a terceira reclamadas, a autora esclareceu que essas empresas têm ligação por causa do parentesco entre seus donos. Por causa dessa proximidade, continuou, ela também cuidou de toda a parte burocrática dessas companhias. Em relação à franqueadora, disse que houve benefício direto do trabalho feito.

Para a juíza Rita de Cássia Scagliusi do Carmo, exceto a franqueadora, todas as outras rés devem responder solidariamente pelas dívidas trabalhistas. “Cuida-se, pois, de grupo econômico familiar, lembrando-se que pode se constituir das mais variadas formas, tendo em vista a intensa modernização das relações empresariais. Responderiam, a 2ª e 3ª rés, ainda que não tivessem se beneficiado diretamente dos serviços da reclamante”, explicou.

Especificamente sobre a franqueadora, a juíza detalhou que o contrato de franquia determina que o franqueado use a marca, o nome, os produtos e a tecnologia delimitados pelo franqueador, nada além disso. “Não havendo subordinação jurídica entre eles, nem tampouco entre aquele e os empregados deste.”

Segundo a magistrada, em contratos de franquia, as empresas são independentes, apesar das regras definidas no acordo. Complementou destacando que a contratação de funcionários não permite “que se estabeleça a relação triangular típica da terceirização”, pois o franqueador não se torna um tomador dos serviços.

“O direito conferido ao franqueador de impor exigências ao franqueado, que comercializará a marca e produtos, a circunstância não caracteriza relação de subordinação, nem tampouco de prestação de serviços para o franqueador. Não se trata, de forma alguma, de terceirização de serviços”, afirmou.

Exceção no excesso de trabalho
Em relação ao excesso de trabalho alegado pela autora, Rita de Cássia explicou que, mesmo não havendo previsão legal para acréscimo salarial por causa de múltiplas tarefas executadas pelo empregado, “o presente caso consuma a rara exceção — no meu entender — em que verificado efetivo acúmulo abusivo e prejudicial de tarefas que não se mostram exatamente conexas”.

Ela detalhou que há jurisprudência que reconhece esses acréscimos por causa do acúmulo de funções. “Que pressupõe, no entanto, atitude abusiva do empregador, que exige serviços indiscutivelmente próprios de outros cargos ou funções, imponha sobrecarga excessiva sobre o empregado, remunerando-o, ademais, inadequadamente, de forma a aumentar sua margem de lucro, às custas do maior esforço do empregado.”

Ao aplicar o entendimento ao caso, a juíza destacou ainda “que se tratou de alteração posterior do contrato; que a reclamante não deixou de cumprir as tarefas próprias do cargo anterior; que as tarefas acrescidas eram díspares em relação àquelas; que o acúmulo gerou elastecimento habitual da jornada de trabalho e que o salário da reclamante não era compatível com tamanha exigência que lhe foi imposta”.

“Sendo assim, por exceção, acolho a tese do reclamante e, por acúmulo de funções, condeno as reclamadas ao pagamento do acréscimo de 20% da remuneração — percentual que se mostra mais razoável e condizente do que o postulado —, a partir de janeiro de 2015, inclusive, e até a rescisão do contrato de trabalho”, finalizou.

Clique aqui para ler a decisão.

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