Garantismo na lei

"Advogados deviam estar felizes, pois falta de provas deixa criminosos impunes"

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24 de junho de 2017, 14h05

No Brasil, é muito comum que pessoas cometam crimes mas não sejam condenadas, porque não foi possível achar as provas. E os advogados deveriam estar felizes com isso, afirma o chefe da Procuradoria Regional da República da 5ª Região, Marcelo Alves Dias de Souza. Para ele, a impunidade é uma realidade muito mais frequente do que a condenação de inocentes.

O procurador do Ministério Público Federal rasga elogios à operação "lava jato", mas isso não torna menores os erros da Polícia Federal, do MPF, dos juízes e da imprensa em relação ao caso. 

“Nós estamos vivendo períodos completamente estranhos no Brasil. Vazou há um tempo uma conversa de dona Marisa, esposa falecida do ex-presidente (Lula), com o filho. Conversa essa que não tinha ligação nenhuma com o processo. Um absurdo, sem cabimento”, diz.

Mas ele acredita que o balanço é bastante positivo, por ser um movimento novo, ainda em fase de aprendizado. “Espero que tenha um caráter pedagógico para gerações futuras, porque eu tenho impressão que essa geração de agora está perdida mesmo, tanto a geração da política, quanto a geração do empresariado. É uma geração que eu acho que não tem mais jeito”.

Marcelo Alves Dias de Souza é favorável à aplicação de penas alternativas, quando possível. E tem consciência de que prender por muito tempo o pequeno traficante não resolve o combate ao crime organizado, uma vez que seus "superiores" rapidamente o substituem. 

Em entrevista à ConJur, ele falou ainda sobre os desafios da PRR-5, a troca de informações com outras instituições e a adaptação da entidade ao novo Código de Processo Civil.

Dias de Souza era procurador-chefe substituto até dezembro de 2016, quando o procurador chefe da PRR-5 deixou o cargo voluntariamente, por motivos pessoais, para retornar a seu estado de origem, a Paraíba.

Ele ingressou no Ministério Público Federal há 20 anos, na Procuradoria da República na Paraíba. Tem mestrado em Direito Processual Civil , pela PUC-SP (2004) e doutorado em Direito, pela King's College de Londres (2013). 

Leia a entrevista:

ConJur – O número de funcionários é suficiente para a demanda da PRR-5?
Marcelo Alves Dias  de Souza –
A estrutura física é boa, os servidores são muitos bons. As administrações passadas foram excelentes, então peguei a casa arrumada. É claro que nós temos deficiência de pessoal. Se existissem mais procuradores e servidores, seria melhor. Mas a crise pela qual passa o país não permite isso, então tem que trabalhar com a condição que nós temos. E com a condição que nós temos, eu acredito que nós fazemos um bom trabalho.

ConJur – Há vagas abertas?
Marcelo Alves Dias  de Souza –
 De servidores sempre tem, mas são poucas e vão sendo preenchidas na medida do possível. Tinham três cargos de procuradores abertos, mas foram  providos por promoção. Dois tomaram posse em junho e o terceiro deve chegar em setembro.

 ConJur – E quais são as principais dificuldades?
 Marcelo Alves Dias  de Souza –
 Na parte administrativa, acho que o principal desafio será conseguir que a procuradoria funcione com a qualidade que funciona com muito menos dinheiro. Porque a tendência é 2017 com pouco dinheiro, 2018 menos ainda e 2019 a previsão é de quase desastre. Na parte institucional, acho que o maior desafio do Ministério Público hoje é o combate à corrupção. É conseguir dar uma resposta, para que a sociedade enxergue que estamos tratando com seriedade, estamos conseguindo combater a corrupção. A criminalidade, eu diria que é a prioridade um, mas temos outras prioridades. A procuradoria está atenta ao meio-ambiente, ao direito das minorias, aos direitos do consumidor, nós estamos atentos a tudo isso, mas na agenda do dia, temos que tentar um combate mais efetivo à criminalidade. Entre elas a do colarinho branco.

ConJur – A Procuradoria conversa com outros órgãos para trocar informações? Como isso funciona?
Marcelo Alves Dias  de Souza –
 Sim, nosso principal contato é com o Tribunal Regional Federal da 5a Região. Tem também a Polícia Federal, que faz as investigações para o Ministério Público Federal. Nós temos contato com as outras procuradorias da República. Esses dias também esteve aqui o pessoal do Ibama. Eu pedi para agendar uma visita à delegacia do patrimônio da União, para também tratar de assuntos relativos a essa área. Há parcerias com as universidades: nós realizamos há pouco tempo um filme em conjunto com a Universidade Católica de Pernambuco contando a história de um procurador da República daqui do Pernambuco que foi assassinado em razão da atividade. O único caso no Brasil de procurador da República que foi assassinado em razão da sua atividade. A gente procura interagir com outras instituições.

ConJur – E tem contato entre as procuradorias para combate ao crime organizado?
Marcelo Alves Dias  de Souza –
 Sim. A PGR em Brasília, evidentemente tenta harmonizar o trabalho das procuradorias. Aliás, a PGR busca, nem sempre é possível, harmonizar todo o trabalho do Ministério Público Federal. E a gente troca experiências. As decisões administrativas que eu tomo aqui, quando estou na dúvida, são consultando o que foi feito nas outras regionais.

ConJur – O CPC 2015 ajudou a pacificar a jurisprudência?
Marcelo Alves Dias  de Souza –
 Ajudou com certeza. O CPC 2015 trata bastante da temática dos precedentes. Mas isso vem antes do CPC. A Constituição foi formada para criar súmula vinculante.

ConJur – Os procuradores já se adaptaram ao CPC 2015?
Marcelo Alves Dias  de Souza –
 Estamos em um momento de transição. Eu, toda vez que pego um processo, vejo se o recurso foi interposto já sob a luz do CPC 2015. Está mudando a concepção, claro. A doutrina que nós temos hoje é criada à luz do CPC passado, mas estamos adaptando para o CPC 2015. A gente não pode jogar fora a história. 

ConJur – Tem alguma crítica ou sugestão para o CPC 2015?
Marcelo Alves Dias  de Souza –
Tenho muitas críticas, a lista é grande. Vou dizer a primeira: o código passado era muito bom, mas o Brasil tem uma mania de mudar a lei em vez de mudarem as pessoas e a mentalidade. Na matéria de precedentes, por exemplo, parece ter sido feito por pessoas que não têm a vivência prática dos tribunais, criando obrigações praticamente impossíveis de serrem cumpridas pelo juiz. Tem uma lá que diz: "Não se considera fundamentada a decisão se todos os precedentes não forem analisados pelas partes, acolhendo ou afastando". É impossível um juiz fazer isso. Ele vai passar zilhões de anos analisando um caso. Faltou um pouco de vivência prática da academia, que conhece a teoria, mas não sabe como funciona a pauta dos tribunais. Não tenho a menor dúvida que o código deu uma proteção exagerada à advocacia privada. Então tem críticas, mas paciência, acho que foi feito com a melhor das intenções.

ConJur – Advogados reclamam que o MP apresenta ações de improbidade sem provas suficientes. É uma dificuldade do órgão?
Marcelo Alves Dias  de Souza –
Se tem ação de improbidade sem provas suficientes, eles deveriam estar satisfeitos. Porque vai ser julgado ao final como improcedente, não é para eles reclamarem. No Brasil, o percentual de pessoas que são absolvidas por falta de prova é infinitamente superior àquelas alegações, que às vezes até acontece, de alguém que foi condenado sendo inocente. É muito mais fácil no Brasil a impunidade. É gravíssimo alguém ser condenado sendo inocente, mas esse percentual é mínimo. Eu posso até cometer um erro num dado momento, mas eu tenho um verdadeiro pavor de pedir a condenação de uma pessoa que é inocente. E é muito raro disso acontecer na Justiça brasileira. Agora o que é muito comum, e os advogados deviam estar felizes, é que muitas pessoas cometem crimes, mas não são condenadas, porque não foi possível achar as provas. Sobretudo, esses crimes de colarinho branco e de corrupção, em que ninguém passa recibo.

ConJur – E chegou algum desdobramento da operação “lava jato” na 5ª região?
Marcelo Alves Dias  de Souza –
 Coincidentemente chegou um para mim. Foi o envolvimento da Queiróz e Galvão, construtora que é daqui. Em uma das obras da Petrobras, uma refinaria que tinha aqui. É curioso… O juiz de primeiro grau declinou falando que o caso já estava sendo apurado em Curitiba pelos procuradores de lá e pelo Sergio Moro. Os acusados recorreram para serem julgados aqui, mas eu dei parecer para que fosse realmente para Curitiba, por uma questão técnica. Os fatos daqui estavam imbricados, completamente ligados, aos fatos que estavam sendo apurados lá. A instrução era una, para não ter decisões divergentes. Defendi a de que esse caso deveria ser apurado lá, porque estava extremamente relacionado à questão da “lava jato”. Houve recurso e o Pleno confirmou. E o processo foi para lá.

ConJur – Qual a sua opinião sobre a operação “lava jato”? Dessa movimentação que está no país?
Marcelo Alves Dias  de Souza –
 A ideia é excelente, é impossível alguém ser contra o combate à corrupção. O trabalho tem sido, em 99% dos casos, bem feito, tem dado sucesso. E se for fazer um balanço, claro, erros acontecem, erros na Polícia Federal, erros na Procuradoria, no Poder Judiciário, na imprensa, que divulga errado, dá uma atenção ao fato que não era para ser dado. Claro que erros acontecem. Mas o balanço é bastante positivo. E vamos aprendendo, é algo inédito no país. E espero que tenha um caráter pedagógico para gerações futuras, porque eu tenho impressão que essa geração de agora está perdida mesmo, tanto a geração da política, quanto a geração do empresariado. É uma geração que eu acho que não tem mais jeito.

Mas o país não vai parar, nós temos gerações que estão vindo aí, de 15, 20, 30 anos. Se Deus quiser, vamos sair da crise também, porque é uma mistura da “lava jato” com uma crise moral e política que nós estamos vivendo, com uma crise econômica. Mas acho que a gente sai, porque todos os indicadores são favoráveis. A pior coisa que pode se ter é, dentro dessa crise, alterar a Constituição. Eu acho que nós não seremos irresponsáveis até esse ponto. Acho que a Constituição, como lei, serve de segurança.v

ConJur – O senhor acredita que tem como controlar o vazamento de informações de operações?
Marcelo Alves Dias  de Souza –
 O vazamento é inadmissível. Completamente errado. O mais grave é o vazamento deliberado de informação para beneficiar ou prejudicar alguém. Quem vazou deve ser punido. Há o vazamento também não deliberado, aquele por negligência. Nós estamos vivendo períodos completamente estranhos o Brasil. Vazou um tempo desse uma conversa de dona Marisa, esposa falecida do ex-presidente (Lula), com o filho, conversa essa que não tinha ligação nenhuma com o processo. Um absurdo, sem cabimento. Quem vazou tem que apurar e punir quem vazou. Vazou uma conversa entre o jornalista Reinaldo Azevedo e a irmã do Aécio Neves. Uma conversa que nada tinha a ver com a operação “lava jato”. O jornalismo não funciona, não sobrevive se não tiver a fonte, por isso em todos os Estados democráticos se tenta preservar o sigilo da fonte. Eu não sei nesses dois casos se o vazamento foi proposital. No caso, para prejudicar o Lula e a família dele e no outro para prejudicar o jornalista e a irmã do Aécio Neves. Sendo proposital ou não, tem que averiguar. O fato é que houve uma negligência enorme.

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