Opinião

Reforma trabalhista pode acabar com o empregador único

Autor

  • Fabio Medeiros

    é sócio de Machado Associados Advogados e Consultores mestre em Direito das Relações Sociais e especialista em Direito do Trabalho pela PUC-SP.

21 de junho de 2017, 6h42

A chamada reforma trabalhista, em discussão no Congresso Nacional — Projeto de Lei da Câmara 38/2017 —, ameaça a atual possibilidade de as empresas de um mesmo grupo econômico serem, legalmente, consideradas “empregador único” do empregado e, dessa forma, poderem exigir trabalho para qualquer empresa do grupo durante a mesma jornada de trabalho, com um único contrato de trabalho e mesma remuneração. Preocupa-nos o fato de que pouco ou nada a esse respeito tem sido discutido pelos legisladores e pela sociedade, mesmo diante de importantes consequências jurídicas e financeiras para os contratos de trabalho em curso.

Assim, se aprovadas as alterações propostas para o parágrafo 2º, artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, a atual solidariedade passiva (cumprimento de obrigações pelo empregador) e ativa (exigência de trabalho pelo empregador) das empresas de um grupo econômico “para os efeitos da relação de emprego”, passará a ser apenas quanto às “obrigações decorrentes da relação de emprego” (solidariedade passiva), como demonstra o comparativo abaixo com os nossos destaques:

CLT PLC 38/2017
Art. 2º, § 2º — “Sempre que uma ou mais empresas, tendo embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas”. Art. 2º, § 2º — “Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego”.

Ora, dizer que empresas são solidárias quanto aos “efeitos da relação de emprego”, no nosso entender, abrange toda e qualquer responsabilidade ativa e passiva decorrente do contrato de trabalho, sejam às obrigações trabalhistas, seja o Direito da empresa, como empregadora, dirigir a prestação pessoal de serviço mediante a exigência de trabalho. Por isso mesmo, inclusive, o Tribunal Superior do Trabalho assim interpreta por meio de sua Súmula 129:

“CONTRATO DE TRABALHO. GRUPO ECONÔMICO (mantida) — Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. A prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário.” 

Mas enunciar que as empresas de um grupo econômico trabalhista serão “responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego”, ao nosso ver, restringe tal solidariedade apenas às obrigações do empregador, sem abranger o Direito dele dirigir a prestação de serviços de empregados do grupo econômico. Assim, se, por um lado, o empregado continuará podendo exigir judicialmente o cumprimento de obrigações decorrentes da relação de trabalho por qualquer empresa do grupo econômico, por outro lado, com a nova redação proposta para o Art. 2º, § 2º da CLT, a empresa deixará de poder (I) exigir que seu empregado preste serviços para outras empresas do grupo e/ou (II) exigir que empregado de outra empresa do grupo lhe preste serviços.

Importante lembrar que, nos dias atuais, negócios geralmente são estruturados com o envolvimento de várias empresas atuando de forma coordenada em estruturas como a das holdings e outros tipos de empresas legalmente constituídas. É muito comum e natural, portanto, que o empregado trabalhe tanto para seu empregador direto quanto para as empresas que pertencem ao grupo econômico, com um único contrato de trabalho e uma remuneração, até porque o trabalho abrange as mesmas funções e a mesma jornada de trabalho. Assim, um empregado da área contábil que hoje presta à sua empregadora direta serviços contábeis também pode, com um único contrato, prestar o mesmo serviço para as demais empresas do grupo econômico. Mas como ficaria essa situação se o artigo 2º, parágrafo 2º da CLT for alterado pela reforma em curso? Esse é apenas um dos muitos exemplos de como a alteração em análise poderá afetar muitos empregados e empregadores.

Também não resistiria à reforma trabalhista a citada Súmula 129 do TST, que consolida o entendimento da Justiça do Trabalho no sentido que basta um contrato de trabalho para o trabalho do empregado em uma mesma jornada poder ser exigido por qualquer empresa do grupo. Isso porque, caso o novo parágrafo 2º do artigo 8º da CLT na forma do PLC 38/2017 também seja aprovado, súmulas e outros enunciados de jurisprudência do TST não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei. Empregados, portanto, poderiam se recusar a prestar serviços para empresas que não são suas empregadoras diretas, uma vez que essa não seria uma obrigação prevista em lei? Empregadores poderiam interpretar esse tipo de recusa como ato de insubordinação, que inclusive é causa para dispensa do empregado por justa causa?

Entendemos, logicamente, que as alterações que aqui comentamos não afetariam contratos de trabalho que já contenham cláusula expressa prevendo o trabalho para as várias empresas do grupo econômico durante a mesma jornada de trabalho, mediante a mesma remuneração e contrato único. Afinal, segundo o artigo 444 da CLT, que não deve ser alterado pela reforma trabalhista em curso, “as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho”.

Já os contratos de trabalho em curso que não prevejam o grupo econômico empregador único, entretanto, deverão ser avaliados com muita cautela, principalmente em função do artigo 468 da CLT, cuja norma deve ser mantida assim como é hoje após presente reforma trabalhista: “Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia”. Sendo assim, seria interpretada como legal a alteração de um contrato de trabalho vigente para prever o grupo econômico como empregador único, mesmo na hipótese em que o empregado aceita? Ou a alteração nesse tipo de condição somente seria possível com o consentimento do empregado e correspondente remuneração adicional?

Diante de todas as complicações jurídicas que poderão surgir com o novo artigo 2º, parágrafo 2º da CLT, para ao final abarrotar ainda mais a Justiça do Trabalho com novas ações trabalhistas, entendemos que o melhor caminho para todos seria a manutenção da redação atual daquele enunciado, pois ele já garante aos empregados os bons efeitos da responsabilidade solidária passiva das empresas do grupo econômico, bem como dá aos empregadores a segurança jurídica necessária para o uso da solidariedade ativa na direção da prestação de serviços dos empregados de empresas dos grupos econômicos por eles integrados. Mas, para que a reforma trabalhista avance sem mais demoras e retornos à Câmara dos Deputados em razão de mudanças no PLC 38/2017 pelo Senado Federal, o mais célere e eficaz será o veto presidencial às mudanças propostas ao artigo 2º, parágrafo 2º da CLT.

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    é sócio de Machado Associados Advogados e Consultores, mestre em Direito das Relações Sociais e especialista em Direito do Trabalho pela PUC-SP.

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