Tribuna da Defensoria

Condenação de verbas de sucumbência no processo coletivo em favor da Defensoria

Autor

  • Edilson Santana Gonçalves Filho

    é defensor público federal. Foi defensor do estado do Maranhão. Autor dos livros Defensoria Pública e a Tutela Coletiva de Direitos – Teoria e Prática A Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais – sua vinculação às relações entre particulares e Dicionário de Ministério Público. Especialista em Direito Processual.

20 de junho de 2017, 9h15

O artigo 98 do Código de Processo Civil lista despesas que não serão exigidas do beneficiário da justiça gratuita, conceituando-o como aquele com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios.

No microssistema coletivo, a gratuidade da justiça é prevista nos artigos 87 do Código de Defesa do Consumidor e 17 e 18 da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública – LACP). Encontramos previsão, ainda, no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) e no Estatuto do Idoso (Lei 10.471/03). A regra é a dispensa do adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas para o ajuizamento da ação pelo legitimado coletivo, isentando, ainda, do pagamento de verba sucumbencial, salvo em caso de comprovada má-fé.

A isenção prevista nos artigos 87 do CDC e 17 e 18 da LACP (dispensa do adiantamento de verbas para a prática de atos processuais) não se confunde com aquela concernente à condenação em verbas de sucumbência. A última diz respeito a condenação ao final do processo em caso de improcedência da demanda ou sentença terminativa.

Nos termos dos artigos 87, caput, do CDC e 18 da LACP, somente haverá condenação da associação autora em honorários de advogados, custas e despesas processuais se comprovada má-fé. Caso contrário, não há que se falar em condenação. Trata-se, portanto, de isenção condicionada a existência ou não de má-fé, a qual exige, para sua configuração, a presença de dolo, já que o que se busca punir é o ato doloso e não apenas aquele desidiosos ou ignorante.

Assim, mesmo no caso, por exemplo, de ação coletiva ajuizada sem qualquer possibilidade de acolhimento do seu pedido ou se julgada improcedente por falta de provas, não estará configurada a má-fé e, por conseguinte, incidirá a regra geral relativamente à isenção. A demanda simplesmente infundada não é suficiente para a condenação, ao contrário do que previa a redação original da Lei da ACP, já que a questão envolve um exercício regular de direito[1].

Há debate acerca do alcance da regra, considerando que a lei faz expressa referência tão somente as associações, havendo parcela considerável da doutrina que defende ser extensível a todo e qualquer legitimado ativo, o que se mostra mais razoável, isonômico e consentâneo com o propósito das leis (maior proteção e efetividade pelo processo coletivo). Neste sentido, posiciona-se Daniel Amorim Assumpção Neves[2], Fredie Didier e Hermes Zaneti[3]; posicionamento que vem sendo acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça[4]. Assim, somente se faz possível a condenação em caso de comprovada má-fé.

Havendo litigância de má-fé, portanto, o autor poderá ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios, das despesas processuais e no décuplo das custas, conforme prevê a lei. No caso de a associação ser a autora, a responsabilidade será solidária entre seus dirigentes e a própria demandante.

Lado outro, a lei não veda a condenação do demandado em ação coletiva. Assim, sendo o processo coletivo julgado procedente, caberá a condenação do réu ao pagamento das verbas de sucumbência (honorários de advogados, custas e despesas processuais). Há precedente do Superior Tribunal de Justiça, todavia, com relação a ações ajuizadas pelo Ministério Público, no sentido de que não pode o Parquet beneficiar-se de honorários quando for vencedor na ACP, por não ser o membro do Ministério Público advogado, sendo que os honorários sucumbenciais a estes pertencem (Artigo 23 da Lei 8.906/94) e por simetria ao entendimento de que a condenação do MP ao pagamento de honorários advocatícios somente é cabível na hipótese de comprovada e inequívoca má-fé[5]; ou seja, não cabe a condenação da parte vencida ao pagamento de honorários advocatícios em favor do Ministério Público.

Os critérios adotados podem ser também aplicáveis à Defensoria Pública, pela mesma razão. Contudo, com relação a esta a questão deve ser analisada com temperamentos.

Embora a figura do defensor público também não se confunda com o advogado[6], há expressa previsão para o órgão de executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, prevista expressamente no artigo 4º, XXI da Lei Complementar 80/94, que serão revertidos ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores. Ou seja, a verba não é destinada ao defensor público, possuindo destinação voltada ao aprimoramento e fortalecimento do próprio serviço de assistência jurídica gratuita, direito fundamental que deve ser prestado pelo Estado, motivo pelo qual deve a instituição receber tratamento peculiar neste ponto.


[1] Neste sentido: “não se compatibiliza com o espírito da lei de regência, no caso da improcedência da Ação Civil Pública, atribuir-lhe a litigância de má-fé (artigo 17, Lei ant., combinado com o artigo 115, Lei 8.078/90), com a condenação em honorários advocatícios” (REsp 152447 / MG. Primeira Turma. J. 28.08.2001).

2 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de processo coletivo. 3º ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 490.

3 DIDIER JR, Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 4v. 11. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 384.

4 Neste sentido, ao menos quanto a Ações Civis Públicas propostas pelo Ministério Público: STJ. AgRg nos EDcl no RECURSO ESPECIAL 1.120.390. Primeira Turma. DJE 22.11.2010; STJ. EREsp 895.530-PR, Rel. Min. Eliana Calmon, julgados em 26/8/2009.

5 STJ. Primeira Seção. EREsp 895530 / PR. DJe 18/12/2009; Segunda Turma. AgRg no REsp 1386342 / PR. DJe 02/04/2014; REsp 1422427/RJ, Segunda Turma, Julgado em, DJE 18/12/2013.

6 Acerca da distinção entre o advogado e o defensor público: ROCHA, Jorge Bheron. Defensor público não é e nunca foi um advogado. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2017-abr-04/tribuna-defensoria-defensor-publico-nao-nunca-foi-advogado. Acesso em 14.06.2017.

Autores

  • é defensor público federal e especialista em Direito Processual, além de coautor do livro "Dicionário de Ministério Público" e autor de "A Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais — Sua Vinculação às Relações entre Particulares".

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