Opinião

PL que limita honorários em precatórios é mais um ataque à advocacia

Autor

  • Gamil Föppel

    é advogado professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia) pós doutor em Direito Penal pela USP doutor em Direito pela UFPE e membro das comissões de Reforma da Lei de Lavagem de Dinheiro do Código Penal e da Lei de Execução Penal nomeado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.

19 de junho de 2017, 7h26

O Projeto de Lei 7.626/2017 acaba por ter desagradáveis surpresas negativas, tendo passado ao largo de uma necessária discussão entre todos os atores sociais envolvidos e, principalmente, que são diretamente afetados por essas medidas: mais uma afronta à advocacia. E mais uma afronta sem devida e esperada reação.

Mais um ataque à advocacia, mais um ato com a finalidade (vã) de sufocar profissionais que se dedicam a lutar incansavelmente pelo direito dos outros. E mais um ataque sem as necessárias e devidas respostas.

Com efeito, o Projeto de Lei 7.626/2017, que rapidamente tramitou na Câmara dos Deputados, em regime de urgência, de autoria do Poder Executivo, mais especificamente do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, “dispõe sobre os recursos destinados aos pagamentos decorrentes de precatórios e de Requisições de Pequeno Valor federais”.

Em sua redação original, tal como enviada ao Poder Legislativo, seguindo orientação sugerida pela Advocacia Geral da União (Parecer 04/2016/ASSE/CGU/AGU), propunha o cancelamento dos precatórios e requisições de pequeno valor, em razão da inércia dos credores em levantar os valores depositados em instituição financeira oficial, dentro do prazo de dois anos.

Ademais, tratava da possibilidade de o Poder Judiciário contratar, com dispensa de licitação, instituições financeiras integrantes da administração pública federal, para a operacionalização da gestão dos recursos relativos ao pagamento de precatórios e requisições de pequeno valor federais.

Outrossim, disciplinava os valores correspondentes à remuneração das disponibilidades dos recursos depositados, descontada o montante devido ao beneficiário, como receita a ser recolhida em favor do Poder Judiciário.

Ocorre que, em substitutivo apresentado na Comissão de Finanças e Tributação, que acabou por ser aprovado como redação final do projeto de lei, já encaminhado ao Senado Federal, para além de se estabelecer algumas possíveis destinações específicas aos valores depositados e não recolhidos, sugeriu-se uma (escancaradamente injusta) alteração significativa no texto inicialmente apresentado: a impossibilidade de que sejam destacados em precatórios da União em favor de entes públicos, honorários advocatícios contratuais em montante superior a 2% do principal:

Art. 4º. Fica vedado o destaque, em montante superior a 2% do principal, de honorários advocatícios contratuais em precatórios cujos credores da União sejam entes públicos da Administração Direta, Indireta e Fundacional.

Isso mesmo: projeto de lei ordinária pretende estabelecer valor máximo para destaque de honorários advocatícios. A propósito, torna-se oportuno verificar a pseudo justificativa do absurdo substitutivo:

Isso porque vários municípios brasileiros têm celebrado contratos com bancas de advogados, com percentual elevado apenas com intuito de executar o precatório, em prejuízo das finanças públicas. Já existem, inclusive, recomendações do Ministério Público no sentido de evitar contratos com honorários abusivos e questionáveis.

Com todas as licenças de estilo, criou-se um cenário de leviana presunção de culpa em relação a todos aqueles que advogam para o Poder Público: desde a recalcitrante tentativa de se criminalizar a contratação direta de advogados (insistindo com exigência de procedimentos licitatórios no mais das vezes incompatíveis com a atividade advocatícia — fundada que é na confiança entre patrono e constituinte), agora passando pela absolutamente draconiana limitação ao destaque dos honorários advocatícios contratuais no patamar de 2% do principal, passando, ainda, pela questionável iniciativa (com ameaça não velada) de querer envolver o Ministério Público como fiscal de honorários advocatícios: intolerável…

A limitação materialmente inconstitucional — lei não pode estabelecer valores máximos de honorários advocatícios —, de um lado, olvida o caráter autônomo e alimentar das verbas honorárias, inclusive daquelas estabelecidas em contrato (assemelhando-se, portanto, das de natureza sucumbencial). Inclusive, o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8.906/94, em pleno vigor — lei federal cogente), reconhece o direito de o Advogado receber os honorários diretamente da Fazenda Pública, destacado do crédito do seu constituinte:

Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.

[…]

§ 4º Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou.

De outro lado, com a devida vênia, a nova disciplina normativa parece ignorar a realidade dos municípios brasileiros que diz conhecer: entes públicos absolutamente endividados acabam por não ter mínimas condições de arcar com despesas para reivindicação de créditos que possuem com a União. Desse modo, a única forma de conseguirem contratar os serviços de um advogado é através de fixação de honorários sobre o êxito da demanda, definidos sobre porcentagem do valor principal cobrado.

Assim sendo, ao passo que os advogados têm a possibilidade de, ao final, terem satisfatório e legítimo retorno financeiro pelo seu essencial trabalho (lembrando-se sempre que, de acordo com o texto constitucional, são essenciais à Administração da Justiça), ficam sob o evidente risco de não auferirem qualquer valor com o múnus público por eles exercido.

Ora, é próprio da lógica profissional que, em um contrato de risco, as recompensas pelo ganho sejam substancialmente maiores que as perdas em eventual derrota, de modo a incentivar e atrair para a realização do negócio jurídico.

Ao fim e ao cabo, o projeto de lei acabará por reforçar entendimento do Supremo Tribunal Federal, ao arrepio do enunciado 47 da súmula vinculante, no sentido de impedir o destacamento de honorários contratuais. Ou, ainda mais prejudicial, criar errônea compreensão da existência de uma limitação legal na fixação dos honorários contratuais.

Nesse sentido, a vedação trazida pelo Projeto de Lei 7.626/2017 acaba por tornar inexequível a prestação de serviços com o Poder Público, malferindo de morte o trabalho dos advogados que se dedicam à prestação de serviços. E, se os advogados não se dedicarem a este tipo de atividade, quem perderá, seguramente, serão os próprios jurisdicionados, as pessoas que deixarão de ver revertidos em seus benefícios os créditos.

Tudo isso, venia concessa, sob os efusivos aplausos de órgãos que tanto vociferam contra alegados “honorários abusivos”, em reiterado intuito de estigmatizar o exercício de uma honesta profissão, mas rarissimamente questionaram recebimento de vantagens verdadeiramente “questionáveis” incorporadas aos seus vencimentos mensais.

E, pior, sob o eloquente silêncio daqueles que poderiam combater esses ataques à profissão. Oxalá a classe tenha um órgão de representação organizado que, em nome de todos os advogados, pudesse expor e batalhar pelos seus interesses. E que isso seja feito sempre, de forma altiva, intrépida, corajosa, enérgica, sempre atento àquilo que acontece e respondendo, prontamente, a qualquer tipo de cerceamento de prerrogativas.

E lembrem-se sempre de que a defesa da classe não se faz com intermináveis notas: faz-se com defesa intrépida, enérgica, altiva livre, por cidadãos desimpedidos e insuspeitos, não vinculados às velhas oligarquias que, mutiladas, não podem lutar como deveriam pela classe. Res non verbis…

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  • Brave

    é advogado e professor. Doutor em Direito Penal Econômico (UFPE). Membro da Comissão de Juristas para atualização do Código Penal e da Comissão de Juristas para atualização da Lei de Execuções Penais.

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